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Pelé, Rodrigo Pacheco (presidente do Senado Federal) e o Brasil

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Atualizado às 07:31

Pelé, em campo, foi uma entidade que se confundiu - e se confunde - com outra, o futebol. Sem ele (Pelé), o futebol não seria o que é.

Daí não fazer sentido qualquer tentativa de compará-lo a outro jogador, passado ou presente. Listagens ou enquetes especulativas a respeito de quem foi ou é maior e melhor valem para jogadores mundanos, eventualmente heróis, mas não para divindades.

Quero dizer: para divindade, porque o esporte mais praticado e acompanhado do planeta é monoteísta e reconhece, portanto, apenas um Deus.

Fora de campo, paradoxalmente, Pelé talvez seja mais falível do que a média dos mortais; porque, na verdade, não se trata do futebolista, mas do ser humano, com as suas incertezas e as suas idiossincrasias.

O elo (ou a tensão) entre ambos, o Deus e o homem, se revelou, publicamente, por ocasião do milésimo gol de Pelé, ocorrido em 19 de novembro de 1969, no Maracanã, diante do Vasco da Gama - o mesmo e outrora poderoso time que, na atual temporada do campeonato brasileiro, está diante de mais um (e humilhante) rebaixamento à segunda divisão.

Foram, dentre outras, as seguintes as palavras proferidas naquele momento histórico: "[p]elo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das criancinhas, as criancinhas pobres, as casas de caridade. Vamos pensar nisso. Não vamos pensar só em festa. (...) Essa camisa aqui [a do Santos] eu agradeço a todos vocês terem apoiado. Essa camisa aqui e essa bola do jogo de hoje eu vou oferecer para a minha filha (...). Em nome da minha filha, quero oferecer esse milésimo gol a todas as crianças do mundo".

Esperava-se mais do ídolo: um discurso incisivo contra a ditadura. Mas era demais para Edson.

Décadas após a criticada fala, dela se pode extrair, no entanto, um clamor, incompreendido - mesmo que involuntário -, dirigido menos à população e muito mais ao Governo, num primeiro plano, e ao Estado brasileiro, em plano mais elevado.

Sim, pois a educação era, e ainda é, um artigo de luxo, ostentado pelos filhos privilegiados das classes médias e altas, e o futebol, prática marginalizada e desprezada pelas elites - exceto como forma de passatempo ou de imposição de projetos de poder -, indicava (e ainda indica) a via de aproximação, para milhares ou milhões de crianças, entre os mundos dos ricos e dos pobres.

Com efeito, em países "em desenvolvimento" (melhor seria, naqueles que foram invadidos, expropriados e usurpados pela sanha e pelo poderio europeus), como os africanos e sul-americanos, o futebol se transformou, sobretudo a partir da década de 1970, na esperança salvadora e iluminadora de crianças e de suas respectivas famílias.

No plano legislativo, o Brasil não soube reconhecer e aproveitar a riqueza que sua gente lhe deu. Desde, pelos menos, os anos 1950, políticos e governantes se aproveitam da popularidade do futebol apenas para bancar campanhas oportunistas ou populistas.

Pelé - é verdade -, na esteira de tentativa anterior, formulada por outro grande jogador, Zico, tentou, mas fracassou. Aliás, ambos fracassaram, menos - acho eu -, por falta de boa intenção, do que pelos respectivos momentos político-econômicos.

Quando fizeram, cada um a seu tempo, parte do Governo, o País se abria para o mundo, o mercado local ainda não se firmara, a estabilização econômica, com Fernando Henrique Cardoso, engatinhava e a afirmação democrática se apresentava como uma incógnita.

Depois daquelas tentativas (consubstanciadas nas Leis Zico e Pelé, respectivamente), reformas ocorreram, ora para reforçar posições dos grupos de interesses predominantes, ora para oferecer meios ineficazes de ajuda financeira ao combalido sistema futebolístico, sempre à conta da população e dos tributos que pesam sobre os seus ombros.

O resultado, todos já sabem, se expressa pela falência do futebol brasileiro, retratado, em especial, pelas situações de Botafogo e Vasco, no Rio de Janeiro, Cruzeiro, em Minas Gerais, e Santos e Corinthians, em São Paulo. Isso para não falar da decadência do São Paulo e do Fluminense, do endividamento do Atlético Mineiro, do drama do Bahia, e das mazelas dos demais clubes brasileiros.  

Esse estado de coisas revela o desprezo ou a incompreensão que se tinha - e se tem - pelo futebol.

Mas há luz no fim do túnel.

Em outubro de 2019, o senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), após longos e profundos debates sobre a relevância social e econômica do futebol, apresentou o PL 5.516/19, que "cria o Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, o estabelecimento de normas de governança, controle e transparência, a instituição de meios de financiamento da atividade futebolística e a previsão de um sistema tributário transitório".

Desde então, muitos esforços são empregados para transformar o projeto em lei.

Agora, na posição de presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco dispõe da prerrogativa de pautar o tema e, assim, do ponto de vista legislativo, presentear o País com o marco regulatório adequado para iniciar o processo de salvamento da tradição e da relevância cultural do futebol e construir uma indústria pujante, geradora de oportunidades e de riquezas.

É aí que Pelé e Rodrigo Pacheco se encontram: um fez o milésimo gol e gritou pelas criancinhas; o outro pode encaminhar e viabilizar o mais ambicioso (e necessário) projeto legislativo, direcionado ao futebol, da história do país.