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Migalha Trabalhista

Textos direcionados a comentar novidades legislativas que possam propiciar uma visão contemporânea sobre assuntos que estejam na ordem do dia na área trabalhista/sindical.

Ricardo Calcini
Contextualização Dos jogos infantis para os negócios surge um novo mundo, uma nova realidade aumentada e paralela, que combina diversos ambientes virtuais em um novo conceito de universo online 3D e que opera com a ajuda de funções de blockchain. Um futuro que se tornou presente, a ficção que se transformou em realidade e que pode ser utilizada para trabalhar, para reuniões e socialização, operando com a ajuda de funções de blockchain, como tokens não fungíveis (NFTs) e criptomoedas. O Metaverso consiste no aumento do mundo real, um ambiente tridimensional, o qual permite que os indivíduos penetrem e se envolvam. Neal Stephenson inicialmente apresentou a noção do Metaverso em seu livro "Snow Crash" (1992). Este é um sistema aberto, onde os indivíduos produzem e compartilham seus trabalhos com os outros, independentemente do conteúdo, ou de formato1. Cria-se uma nova economia totalmente digital, com a criação de avatares e com um mercado de criptomoedas, tokens de utilidade (utility tokens) e colecionáveis virtuais (NFTs)2, os quais são produzidos por blockchain. No metaverso é possível percorrer aplicativos de varejo para comprar digitalmente uma roupa de luxo, ou relógios. Na Meta-Realidade cibernética há possibilidade de moldar as próprias realidades, podendo a realidade paralela ajudar na obtenção de melhores escolhas e de decisões para as realidades físicas, alcançando-se uma maior auto-realização final da humanidade, em cada realidade. Com a nova meta-realidade cibernética as fronteiras existentes vêm se apagando3. A interação no metaverso é ao vivo e síncrona, permitindo desfrutar-se de uma experiência de realidade virtual, verdadeiramente atraente, mas, ao lado de todas as vantagens que a nova tecnologia nos brinda, precisamos ficar atentos para os riscos que os empregadores e trabalhadores poderão enfrentar ao aderirem a esta nova realidade.   Riscos à saúde dos trabalhadores  Se pensarmos em metatrabalhadores, ainda que sem deficiências pré-existentes, estes poderão vir a enfrentar vários tipos de riscos à saúde e segurança ao trabalhar. A intensa utilização de fones de ouvido VR poderá prejudicar a audição do trabalhador. A utilização dos óculos VR por longos períodos também poderá causar fadiga ocular, assim como dores de cabeça, ou de pescoço. Há risco ainda de lesões por esforço repetitivo pela manipulação de teclado, mouse e controle. O uso de equipamentos de acesso metaverso poderá ainda aumentar a frequência de lesões relacionadas ao trabalho4. Os riscos psicológicos também emergem na meta realidade e os possíveis impactos de uma vida conectada para a saúde mental. O metaverso não pode substituir as interações e a vida real. Devemos vê-lo como um complemento, mas jamais como um substituto das relações presenciais, o que poderá trazer sérias consequências para a saúde mental.  Assédio moral e sexual O assédio cibernético, também denominado de cyber, on line, virtual, ou digital, bullying, mobbing, ou harassment, consiste naquele praticado por meios eletrônicos de comunicação. No assédio moral, ou terror psicológico digital, o agressor se utiliza da tecnologia para constranger, ameaçar ou intimidar uma pessoa. O assédio moral cibernético inclui desde textos agressivos, intimidatórios, ameaças, ou comentários em redes sociais, e-mails, mensagens eletrônicas e outros meios eletrônicos, utilizados para a comunicação perversa.  Muitos dos métodos utilizados para intimidar as pessoas, em meios cibernéticos, não são tão diferentes daqueles utilizados nas formas tradicionais de bullying. No passado, o uso de mensagens ameaçadoras envolvia insultos diretos e falados5. Quando falamos de uma meta realidade e da forma como os humanos processam as informações, dentro desta nova realidade, paralela e aumentada, onde o espaço é diferente, as informações podem se mover em velocidades tão rápidas que se aproximam à velocidade da luz no ciberespaço, comprimindo-se assim o espaço e podendo-se chegar a um local muito mais rapidamente do que se esperava e que no espaço físico6.  Desta forma, a realidade paralela poderá acentuar riscos de assédio moral e mesmo sexual - este, muitas vezes, ao lado e acumulado com práticas discriminatórias, principalmente de gênero e preponderantemente -, mas não apenas, praticadas por superiores hierárquicos. O risco se potencializa, trazendo um maior prejuízo, principalmente, quando estamos diante de relações assimétricas. O agressor, ao navegar em uma realidade virtual, torna-se mais irracional e o terror psicológico leva, na maioria das vezes, a vítima a problemas de saúde. Já vêm ocorrendo agressões sexuais, no metaverso, mesmo fora das relações de trabalho, em casos noticiados como de uma pesquisadora da organização Sum of Us de 21 anos, que foi vítima de assédio sexual no metaverso e de uma empresária britânica. A Meta e a Microsoft já anunciaram que aplicarão uma bolha de proteção, a qual envolverá os avatares, para se evitar aproximações com menos de um metro de distância. Privacidade na realidade paralela  Com as novas tecnologias, cada vez menores e mais rápidas aumenta a coleta de informações pessoais. Com as normas de proteção de dados, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, deve ser garantida sempre a privacidade por padrão, apenas sendo coletados dados necessários para cada finalidade e sendo a atividade de tratamento,  enquadrada em uma base legal de tratamento, nos termos da LGPD.   Estas novas plataformas coletam contrações oculares e frequência cardíaca, inclusive informações financeiras e preferências de navegação para personalizar a metavisita de cada usuário. Na verdade, uma revisão dos pedidos de patentes apresentados pela Meta sugere que a empresa tem planos ativos para extrair informações biométricas para aprimorar a interface do usuário e refinar a publicidade direcionada7. Os metaempregadores deverão implementar a Lei Geral de Proteção de Dados, adequando seus processos, em respeito à legislação de proteção de dados e adotar medidas administrativas de segurança da informação, incluindo políticas de segurança da informação, com diretrizes - por exemplo, de uso de senha, internet, correio eletrônico, mesa limpa, tela limpa, descarte,  entre outras, além de treinamentos e palestras e termos de confidencialidade para os metaempregados. Também deverão ser publicados avisos de privacidade para candidatos, clientes e demais público externo, no site e internamente para empregados. Deverá ser indicado encarregado de proteção de dados, mais conhecido como DPO e serem criados canais de comunicação com os titulares para atender seus direitos.  Conclusão O Metaverso, como ambiente virtual compartilhado, permite simular as interações humanas do mundo real em um mundo virtual, paralelo, revolucionando as interações sociais e de trabalho, mas os possíveis perigos colocados pelo Metaverso exigem uma atenção imediata dos metaempregadores e das empresas que tentam substituir a realidade física pela virtual. Marcas fortes já adotaram esta nova realidade e cientistas e pesquisadores já estão navegando por esta nova realidade, que é o futuro dos negócios, mas precisamos estar atentos aos riscos, criando-se uma nova advocacia preventiva e firmando-se a necessidade de crescente compliance trabalhista, ao trafegarmos nesta nova realidade paralela, que nos brinda com seus benefícios trazidos pela tecnologia. Os riscos são muitos e variados, podendo-se exemplificar desde os psicossociais, doenças ocupacionais, riscos de privacidade e proteção de dados e o de atuação de pessoas perversas, até falarmos de riscos de asseédio moral e sexual, que precisamos contornar e eliminar. Todos devem estar preparados para esta nova realidade paralela e aumentada, mas buscando-se a ética e transparência nas novas relações de uma meta realidade. __________ 1 CLEMENS, Andrew. Metaverse For Beginners. A Guide To Help You Learn About Metaverse, Virtual Reality And Investing In NFTs. 2 Non Fungible Tokens- em português, tokens não fungíveis. 3 SIPPER, Joshua A. Sipper. The Cyber Meta-Reality Beyond the Metaverse. 4 Disponível aqui. Acesso em 09 set. 2022 5 CARLOTO, Selma. Revista LTR, maio de 2022. Assédio "cibernético" e "virtual" nas relações de trabalho. 6 CARLOTO, Selma. Revista LTR, maio de 2022. Assédio "cibernético" e "virtual" nas relações de trabalho 7 Disponível aqui. Acesso em 09 set. 2022.
A substituição do depósito recursal por fiança bancária ou seguro garantia judicial foi introduzida pelo Reforma Trabalhista no §11º do art. 899 da CLT. O aludido dispositivo é de fácil leitura e resume em dispor que: "§11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial". Com efeito, em 2019, o Tribunal Superior do Trabalho publicou o Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT 1, DE 16 DE OUTUBRO DE 2019, que dispõe acerca do uso do seguro garantia judicial e da fiança bancária em substituição ao depósito recursal para fins de garantia da execução trabalhista. O referido Ato Conjunto trouxe uma série de requisitos a serem cumpridos para a utilização para a substituição do depósito recursal pelo seguro, dentre elas o acréscimo de no mínimo 30%: "Artigo 3º(...) II - no seguro garantia para substituição de depósito recursal, o valor segurado inicial deverá ser igual ao montante da condenação, acrescido de, no mínimo 30%, observados os limites estabelecidos pela lei 8.177 e pela Instrução Normativa 3 do TST." E a partir da simples leitura do inciso III do art. 3º do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT 1, DE 16 DE OUTUBRO DE 2019, é saber se há efetiva reserva legal para exigência do acréscimo de 30%? De se ver que na tramitação do projeto de lei que deu origem à legislação da reforma trabalhista, e que inseriu o §11 do art. 899 da CLT no ordenamento jurídico, o Deputado Rogério Marinho fez a seguinte justificativa: "Ressalte-se que as regras atuais para o depósito recursal são mantidas, apenas sendo acrescida nova possibilidade de garantia do juízo, no caso, a fiança bancária ou o seguro garantia judicial. Ademais, a exigência de que o valor seja 30% (trinta por cento) superior ao do depósito recursal significa que um montante maior do crédito do reclamante será adimplido, independentemente de execução forçada".1 Ou seja, o legislador intencionava aplicar a exigência dos 30% para o depósito recursal. Contudo, o fato é que a redação aprovada e vigente do art. 899 da CLT nada fala sobre a necessidade do acréscimo de 30%. Nota-se que, diferentemente do art. 882 da CLT, o §11 do art. 899 da CLT não faz alusão ao CPC, o que torna mais clara a impossibilidade de exigência do acréscimo de 30% prevista nos arts. 835, §2º, e 848, parágrafo único, ambos da CLT. Neste sentido, é inclusive a doutrina de Pedro Henrique Godinho: "Explica-se: se o seguro garantia observa o valor pertinente e estabelece a sua atualização (correção monetária e juros de mora, como abordado no tópico anterior), compreende-se como indevida a imposição à parte do acréscimo de 30%, porque, além de deixar de ter justificativa, não há autorização legal para se exigir daquele que faz o seguro uma maior garantia do que daquele que deposita o valor em dinheiro".2 De igual sorte lecionam Henrique Correia e Élisson Miessa: "Cumpre-nos fazer duas observações acerca dessa possibilidade de substituição do depósito em dinheiro por fiança bancária ou seguro-garantia judicial. A primeira diz respeito ao valor da garantia. Na fase de execução, entendemos que a fiança bancária e o seguro garantia judicial deve ser no valor do débito acrescido de 30%, como defendemos nos comentários do art. 882 da CLT. No caso do depósito recursal, embora seja uma modalidade de antecipação da penhora, não se exige o acréscimo de 30%. Isso se justifica porque o depósito recursal tem valores específicos de recolhimento, o que significa que exigir garantia superior ao valor do depósito seria impor um depósito superior para aqueles que se valessem dessa modalidade de garantia. Ademais, o depósito recursal tem seu regramento próprio e específico no processo do trabalho, de modo que não há como fazer incidir regras do processo civil, já que neste não há norma sobre o depósito recursal. Assim, por força do art. 899, § 11, da CLT, a fiança bancária ou o seguro-garantia judicial devem ser no valor correspondente ao depósito recursal".3 Seguindo essa esteira de raciocínio, mesmo após a edição do Ato Conjunto TST CGJT 1/19 e da Instrução Normativa 3 do TST, o Tribunal Superior do Trabalho - ainda que de forma minoritária - já decidiu pela dispensa da exigência do valor total arbitrado à condenação acrescido de 30% para fins de depósito recursal. Confira-se: SUBSTITUIÇÃO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL. REGRA ESPECÍFICA DO ART. 899, §§ 4º E 11 DA CLT. INAPLICABILIDADE DA OJ 59 DA SBDI-2 E DO ART. 835, § 2º DO CPC. No caso discute-se a regularidade do depósito recursal realizado por meio de seguro garantia judicial. O Tribunal Regional decidiu que a utilização do seguro garantia judicial para substituição do depósito recursal exige o cumprimento do art. 835, § 2º, do CPC, ou seja, deve-se recolher o valor integral arbitrado à condenação acrescido de 30%. A causa apresenta transcendência jurídica, nos termos art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, uma vez que a matéria, regulamentada pela lei 13.467/17 ainda não foi analisada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Nos termos do art. 899, §§ 4º e 11 da CLT, o depósito recursal, em valor estipulado em ato do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, pode ser realizado em conta vinculada ao juízo, corrigido com os mesmos índices da poupança e pode ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial. Constatado que a parte apresentou seguro garantia judicial no valor máximo do depósito recursal para o recurso ordinário, cuja apólice prevê a correção do valor pelos índices da poupança, foi atendido o art. 899, §§ 4º e 11 da CLT. O art. 835, § 2º, do CPC e a OJ 59 da SBDI-2 dizem respeito à garantia da execução e não são aplicáveis ao depósito recursal que possui regência expressa em outros dispositivos legais. Dessa forma, a exigência do valor total arbitrado à condenação acrescido de 30% para fins de depósito recursal viola o art. 5º, LV, da CF. Deserção afastada. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. PROCESSO TST- RR-10152-53.2018.5.03.0007-Relatora: CILENE FERREIRA AMARO SANTOS- Publicação: 5/6/19. SUBSTITUIÇÃO DO DEPÓSITO RECURSAL PELO SEGURO GARANTIA JUDICIAL. INEXIGÊNCIA DO ACRÉSCIMO DE 30% DO VALOR. Nos termos do § 11 do art. 899 da CLT, introduzido pela lei 13.467/17, "O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial". Logo, verifica-se que o referido dispositivo legal, ao prever a possibilidade de substituição do depósito recursal pelo seguro garantia judicial, não estabeleceu nenhuma exigência de acréscimo do valor, razão pela qual não cabe ao intérprete fazê-lo. Desse modo, não há falar em deserção, porque, na substituição do depósito recursal pelo seguro garantia judicial, não se exige o acréscimo de 30% sobre o valor daquele. Assim, superado o óbice imposto na decisão de admissibilidade e estando atendidos os pressupostos extrínsecos do recurso de revista remanescentes, prossegue-se na análise dos pressupostos intrínsecos dele, nos termos da OJ 282 da SDI-1 deste TST. PROCESSO TST-AIRR-1001307-25.2017.5.02.0315 - Relatora: Ministra Dora Maria da Costa-Publicação: 25/10/19. Em arremate, respondendo à pergunta do título do presente artigo, não nos parece que há reserva legal para a exigência do valor total arbitrado à condenação acrescido de 30% para fins de depósito recursal. ---------- 1 Disponível aqui. Acesso em 29/8/22. 2 Disponível aqui. Acesso em 29/8/22. 3 Manual da Reforma Trabalhista. 1ª ed., 2ª tir. Salvador: JusPodivm, 2018, pág. 1.087.
O piso salarial da enfermagem foi sancionado no último dia 4 de agosto por meio da lei 14.434/22. A nova legislação prevê o salário de R$4.750,00 por mês para os enfermeiros; 70% desse valor (R$3.325,00) para técnicos de enfermagem; e 50% (R$ 2.375,00) para os auxiliares e parteiras.  Ressalta-se que, tão logo sancionada, a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS - CNSAÚDE, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 7.222, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), para questionar vários pontos da Lei, de ordem formal (processo legislativo) e ordem material, inclusive com pedido liminar para a suspensão de sua aplicação e produção de efeitos.  Lado outro, os Conselhos Regionais das respectivas categorias profissionais já se organizaram para mobilizarem as classes a fim de denunciar quaisquer descumprimentos quanto à observância dos novos pisos salariais.  Dito isso, ante as grandes polêmicas jurídica e política que o debate trouxe em torno dos pisos salariais, certo é que os empregadores da iniciativa privada questionam se já devem adequar os salários das categorias profissionais aos novos pisos, ou, se devem esperar a análise do STF na ADI 7222.  Inicialmente, cumpre destacar que, desde o dia 5 de agosto de 2022, já vigoram os respectivos pisos salariais, cujos pagamentos deverão ocorrer até o 5º dia útil do mês de setembro de 2022, nos termos do §1º do art. 459 da CLT, para os empregadores da iniciativa privada, incluindo-se os hospitais filantrópicos.  No entanto, como os empregados são mensalistas, para o pagamento do salário de agosto/2022 deve ser calculada a proporcionalidade entre o salário anterior do dia 1º até o dia 4 e, após, a proporcionalidade do piso do dia 5 até o dia 31. Nesse prumo, quanto aos valores dos pisos salariais ora estabelecidos pela Lei, não poderão existirem quaisquer alterações. Porém, quanto à validade e à aplicação imediata na nova legislação, a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS - CNSAÚDE ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 7.222, perante a Suprema Corte, para questionar vários pontos da Lei, inclusive com pedido liminar para a suspensão de sua aplicação e produção de efeitos, conforme já exposto acima. Assim, o empregador deverá avaliar os "prós" e "contras" quanto à inaplicabilidade imediata da lei. Isso porque, em caso de NÃO aplicação imediata, as principais consequências são representativas do pagamento retroativo, da fiscalização e autuação pelo Ministério do Trabalho, além de eventuais ações coletivas movidas pelos sindicatos das categorias. Contudo, em caso de aplicação imediata da lei, se houver qualquer futura suspensão da produção dos seus efeitos, as consequentes retiradas dos pisos das folhas de pagamentos, por exemplo, poderão gerar desgastes com os colaboradores que criaram expectativas de recebimentos dos novos pisos salariais, o que é perfeitamente justificável por ocasião de eventual decisão judicial do E. STF. Em suma, a aplicação imediata da Lei, ou não, deve ser uma decisão da empresa.  Importante pontuar, ainda, que a Lei não faz distinção entre enfermeiros assistenciais e/ou enfermeiros administrativos, de modo que, se fizer parte da categoria dos enfermeiros, fará jus ao piso. Frise-se que, em realidade, o que deve ser verificada é a atribuição, e não o nome do cargo propriamente dito. A título exemplificativo, pode-se citar o caso dos enfermeiros auditores, afinal, a lei 7.498/86 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem dispõe, em seu art. 11, inciso I, alínea "h", que são atividades privativas de enfermeiro "consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem".  Outro ponto de grande polêmica na Lei em análise é saber se os pisos estão vinculados à carga horária, uma vez que restou assim expresso: "O piso salarial previsto na lei 7.498, de 25 de junho de 1986, entrará em vigor imediatamente, assegurada a manutenção das remunerações e dos salários vigentes superiores a ele na data de entrada em vigor desta Lei, independentemente da jornada de trabalho para a qual o profissional ou trabalhador foi admitido ou contratado".  Entrementes, a melhor interpretação que se extrai é a de que os valores integrais dos pisos se aplicam àqueles profissionais que laboram na jornada máxima prevista na Constituição Federal de 1988, qual seja, 8 horas diárias e 44 horas semanais, uma vez que as categorias não possuem jornadas estipuladas por lei. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), aliás, tem jurisprudência firme neste sentido, conforme se infere da Orientação Jurisprudencial (OJ) 358 da SBDI-1:  358.  SALÁRIO-MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA REDUZIDA. EMPREGADO. SERVIDOR PÚBLICO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 16.02.2016) - Res. 202/2016, DEJT divulgado em 19, 22 e 23.02.2016 I - Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário-mínimo proporcional ao tempo trabalhado. II - Na Administração Pública direta, autárquica e fundacional não é válida remuneração de empregado público inferior ao salário-mínimo, ainda que cumpra jornada de trabalho reduzida. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Assim, o divisor adotado para as jornadas de 44 horas semanais é o 220. Dessa forma, para se chegar ao valor proporcional do piso comparada à jornada de trabalho, deve-se pegar o valor do piso (por exemplo, dos enfermeiros - R$4.750,00), dividir por 220 e multiplicar pela carga horária mensal. Outra dúvida muito comum é se o empregador poderá aumentar a jornada do empregado para 44 horas semanais e, ainda, assim, pagar o respectivo piso.  Quanto a este ponto, oportuno esclarecer que o art. 468 da CLT dispõe que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.  Dessa forma, o aumento da carga horária, ainda que seja com o respectivo aumento salarial, depende de anuência do empregado. Por isso, caso o empregado concorde com o aumento da jornada, sugere-se que seja elaborado o respectivo aditivo e seja ele homologado perante o sindicato da categoria profissional.  Ademais, não há estipulação de aumento salarial proporcional ao piso. Na lei, o que foi vedada é a redução salarial para adequar ao piso. Logo, caso a empresa não queira alterar o salário dos empregados que já recebem salário superior ao piso, não há naturalmente qualquer ilegalidade a este respeito.  Em contrapartida, existirão corriqueiras situações nas quais os empregados recebem hoje valores menores do que o piso salarial, porém, maior do que o salário de um subordinado. E aí surge o questionamento do que deverá ser feito neste caso: afinal, o coordenador pode receber o mesmo salário de um subordinado?  Nesses casos, orienta-se que caso o coordenador esteja enquadrado no exercício do cargo de confiança (não registra ponto, bem como não recebe horas extras, tendo plenos poderes para admitir, demitir, aplicar medidas disciplinares e tomar outras decisões em nome do empregador), que então receba um percentual salarial de 40% maior que o do subordinado, nos termos do art. 62, II, da CLT. Dessa forma, pode-se criar uma gratificação de função, ou até mesmo um aumento salarial.  No entanto, caso não seja reputado no exercício do cargo de confiança, o aumento salarial do coordenador poderá ser de acordo e proporcional à tabela salarial/plano de carreira do empregador.  De mais a mais, caso a empresa alegue que não tenha "caixa" para pagamento dos novos pisos salariais já no mês de setembro de 2022, sugere-se que procure os sindicatos das categorias profissionais, de modo a pactuar um acordo coletivo e estabelecer a melhor forma de pagamento e implementação dos pisos. Aliás, é importante destacar que não existe norma legal que determine a quantidade mínima de enfermeiros por cada empregador da área da saúde. Em verdade, o que existem são apenas Resoluções do COFEN - Conselho Federal de Enfermagem quanto ao dimensionamento da enfermagem, tais como a RESOLUÇÃO COFEN 543/20171, que estabelece alguns parâmetros. Veja-se:  Art. 3º O referencial mínimo para o quadro de profissionais de enfermagem, para as 24 horas de cada unidade de internação (UI), considera o SCP, as horas de assistência de enfermagem, a distribuição percentual do total de profissionais de enfermagem e a proporção profissional/paciente. Para efeito de cálculo, devem ser consideradas: I - como horas de enfermagem, por paciente, nas 24 horas: 1) 4 horas de enfermagem, por paciente, no cuidado mínimo; 2) 6 horas de enfermagem, por paciente, no cuidado intermediário; 3) 10 horas de enfermagem, por paciente, no cuidado de alta dependência (2); 4) 10 horas de enfermagem, por paciente, no cuidado semi-intensivo; 5) 18 horas de enfermagem, por paciente, no cuidado intensivo. A propósito, no período da pandemia da Covid -19, o COFEN editou o Parecer Normativo Nº 002/20202.  No entanto, tais parâmetros servem apenas como referências para orientar os gestores, gerentes, responsáveis técnicos e os próprios enfermeiros dos serviços de saúde no planejamento do quantitativo de profissionais necessários para execução das ações de enfermagem.  Dessarte, a imposição da contratação de pessoal fundada em suposto cálculo do montante ideal de profissionais, bem como a impossibilidade de demissão, extrapolam as atribuições conferidas por lei ao COFEN, em evidente excesso no exercício do poder regulamentar.  Neste sentido, inclusive, é o entendimento jurisprudencial:  AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE. ENFERMAGEM. CÁLCULO DE DIMENSIONAMENTO DE PESSOAL. PARÂMETROS. MERA ORIENTAÇÃO. RESOLUÇÃO COFEN Nº 543/2017. EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER REGULAMENTAR. A Resolução COFEN nº 543/2017 estabeleceu parâmetros mínimos para dimensionar o quantitativo de profissionais das diferentes categorias de enfermagem para os serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem, contudo tais parâmetros servem apenas como referências para orientar os gestores e gerentes e enfermeiros dos serviços de saúde no planejamento do quantitativo de profissionais necessários para execução das ações de enfermagem. Não há, na Lei nº 7.498/1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências, a fixação de um número mínimo de profissionais enfermeiros para cada estabelecimento. A imposição de contratação de pessoal fundado em suposto cálculo do montante ideal de profissionais transborda as atribuições conferidas por lei ao COFEN, em evidente excesso no exercício do poder regulamentar. Garantido o mínimo essencial para a prestação do serviço de saúde nos termos da legislação (presença do profissional de enfermagem por tempo integral), não cabe ao Poder Judiciário substituir-se ao gestor do estabelecimento de saúde impondo a obrigação de contratar mais profissionais, tão somente com fundamento em critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Enfermagem. (TRF-4 - AG: 50384865320194040000 5038486-53.2019.4.04.0000, Relator: Relatora, Data de Julgamento: 18/02/2020, TERCEIRA TURMA)  Por todo exposto, fica a reflexão no sentido de que, conquanto seja inegável que os profissionais da saúde mereçam uma remuneração mais digna, é importante destacar que não se pode mudar uma realidade de mercado apenas com um "canetaço" (aprovação de uma Lei), sobretudo sem uma análise prévia de impacto regulatório, como estabeleceu o art. 5º da lei 13.874/20193, bem como sem indicar a fontes orçamentarias para custeio dessa nova despesa orçamentária, cujos reflexos impactarão por certo instituições privadas e também públicas. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Art. 5º As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.  
Com frequência ouvimos ou lemos matérias que defendem que a constitucionalização de vários direitos, a exemplo dos direitos sociais trabalhistas, foi o que levou ao aumento de processos judiciais desde a década de 1990. Sinceramente, tais afirmações causam para este autor certa angústia, até porque há que se recordar os motivos que fizeram nascer a Constituição Federal e da sua importância para a sociedade brasileira. Podemos notar que, realmente, após o advento da a Constituição da República Federativa do Brasil Federal de 1988, houve significativo incremento de direitos básicos, alguns deles tão elementares que, a nosso ver, nem sequer deviam constar em uma Carta Magna. Porém, não podemos nos esquecer de que até o óbvio foi desrespeitado na ditadura militar e, pior, mesmo atualmente, tem reiteradamente sido ignorado em diversas questões. Por isso, muito longe de trazer direitos excessivos, a Lei Maior de 1988 trouxe direitos basilares e extremamente relevantes, sobretudo aos trabalhadores. E não é porque são básicos que são poucos, porque o ser humano é um ser complexo que vive numa sociedade cada vez mais dinâmica. Portanto, não há como se pensar em uma listagem de direitos humanos sucinta, muito menos restritiva à figura do próprio trabalhador, afinal, segundo clássica frase do doutrinador espanhol, Mantero de San Vicente, "os direitos fundamentais não são como os chapéus que se deixam na entrada do local de trabalho, eis que tais direitos, assim como as cabeças, não podem ser separados da pessoa humana em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância". Por outro lado, não podemos nos esquecer que muito pior do que quem exige um direito fundamental é quem descumpre o direito de outrem. Ora, é por demais grave a conduta dos grandes litigantes que, a pretexto da defesa de interesses próprios, propiciam o excesso de demandas judiciais, a começar pelo poder público, nas três esferas, além dos bancos que, juntos, são réus em cerca de metade de todos os processos do Brasil, conforme já demonstrava ampla pesquisa do CNJ em 20111. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, a Fazenda Pública está entre os maiores litigantes, valendo mencionar que no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2020, seis pessoas jurídicas de direito público figuravam entre os dez maiores litigantes e, se comparados aos vinte maiores litigantes, constava ela em nove2. Em idêntico sentido, mesmo em outras áreas do Direito se verificam inúmeras ações judiciais, a exemplo de empresas que ofendem direitos dos consumidores, e, por isso, abarrotam o Poder Judiciário com tais litígios, muitas vezes com temas reincidentes, sem qualquer punição maior por essa reiteração de condutas ofensivas. Tal cenário denota a ideia de que "compensa" continuar violando direitos fundamentais e sociais, já que a punição, quando existente, é por demais morosa e aquém do necessário para coibir a efetiva perpetuação das condutas lesivas. A pretexto de respeito à malfadada segurança jurídica, o cálculo dos custos de indenizações deferidas pela Justiça acaba sendo incorporado ao "preço" que se pratica pela afronta de tais basilares garantias constitucionais. É sabido que milhares - para não dizer milhões - de pessoas já passaram por dificuldades com grandes operadoras de telefonia, com atendimento por robôs, e com dificuldades para resolver um problema ou cancelar um plano. Impossível também esquecer do INSS, que notoriamente é conhecido por recusar quase todos os pedidos administrativos de benefícios previdenciários, alguns em situações tão evidentes que saltam aos olhos. E, claro, destacando-se a questão dos direitos sociais trabalhistas que, conquanto reafirmados pela Constituinte de 1988, continuam a serem desrespeitados em seus princípios comezinhos, como é o caso o reconhecimento do típico vínculo de emprego. Tudo isso, claro, somado a um Poder Judiciário que, hoje, frente a esta nova demanda crescente resultante de uma judicialização exacerbada, se encontra desaparelhado tecnologicamente e, pior, sem número adequado de servidores e magistrados, que não acompanhou o crescimento significativo da sociedade. Excepcionalmente, por certo, existem os casos de abuso do direito de ação, quando se pede o que sabidamente não se tem direito. Mas, por ser exceção, não pode ser confundido e/ou equiparado com a regra, de sorte que tais abusos, uma vez constatados, devem ser resolvidos de acordo no caso concreto, segundo as hipóteses previstas em lei de litigância de má-fé ou de ato atentatório à dignidade da justiça. Não se pode conceber que casos isolados sejam generalizados, como se verificou na tentativa da reforma trabalhista de punir todos os sucumbentes que, por força de lei, adquirem o direito à gratuidade judiciária, como se todo reclamante fosse um potencial mentiroso3. Por todo o exposto, podemos concluir, a nosso sentir, que deve ser afastada toda e qualquer concepção de que os direitos sociais básicos previstos na Constituição Federal possam ser culpabilizados pelo excesso de processos judiciais, cabendo, ao revés, a verdadeira punição aos reais causadores dos conflitos. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Os artigos 790-B, caput e §4°, e 791-A, §4°, da CLT, foram julgados inconstitucionais pelo STF em 20/10/2021 (ADI 5766), de forma que o detentor da justiça gratuita não deve arcar com honorários advocatícios sucumbenciais e honorários periciais, pela mera sucumbência.
sexta-feira, 15 de julho de 2022

A nova leitura da OJ 191 da SBDI-1 pelo TST

O TST, através da resolução 175/11 (publicada no DEJT nos dias 27, 30 e 31/5/11), editou nova redação para a Orientação Jurisprudencial 191 da SBDI-1 - Subseção de Dissídios Individuais1 com os seguintes dizeres: Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora. Destarte, a Corte Superior Trabalhista manteve a uniformização do entendimento de que o dono da obra jamais responderia pelas obrigações trabalhistas de forma solidária ou subsidiária, a não ser que fosse uma empresa construtora ou incorporadora que estivesse terceirizando o serviço de construção, havendo também exceção no que se refere às obrigações previdenciárias, que importam responsabilidade solidária em caso de inadimplência. Ocorre que novo cenário jurisprudencial surgiu a partir do julgamento do recurso de revista, autos de 190-53.2015.5.03.0090, interposto pela Anglo American Minério de Ferro do Brasil em face de decisão do TRT da 3ª região (MG). Naquela ocasião, TRT de origem condenou a empresa de forma subsidiária nas obrigações trabalhistas decorrentes de um contrato de empreitada, afirmando em sua decisão que somente a pessoa física ou as micro e pequenas empresas estariam isentas da responsabilidade solidária/subsidiária, impedindo que pessoas jurídicas de grande porte se valessem da OJ 191 para se livrarem de débitos trabalhistas, não sendo sequer obrigadas a fiscalizar o contrato do prestador de serviços em face dos trabalhadores contratados. Na oportunidade, os ministros da 6ª turma do TST decidiram por bem afetar o recurso de revista à SBDI-1 do TST, para que o caso fosse analisado e julgado nos termos das regras previstas para os recursos repetitivos, possibilitando dar ao julgado efeito vinculante, conforme art. 927, III, do CPC2. Afinal, a questão jurídica a ser respondida seria a seguinte: "O conceito de dono da obra, previsto na OJ 191 da SBDI-1/TST, para efeitos de exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária trabalhista, restringe-se a pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado? Após longos debates, julgando ao final, o IRR - Incidente de Recurso de Revista 190-53.2015.5.03.0090 (tema 06)3, os ministros do TST mantiveram os dizeres da OJ-191, mas ampliaram sua interpretação, fixando as seguintes teses para os casos em que se debate a responsabilidade solidária ou subsidiária do dono da obra: "INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0006. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 191 DA SbDI-1 DO TST VERSUS SÚMULA Nº 42 DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO1. A exclusão de responsabilidade solidária ou subsidiária por obrigação trabalhista, a que se refere a Orientação Jurisprudencial nº 191 da SbDI-1 do TST, não se restringe a pessoa física ou micro e pequenas empresas. Compreende igualmente empresas de médio e grande porte e entes públicos.2. A excepcional responsabilidade por obrigações trabalhistas, prevista na parte final da Orientação Jurisprudencial nº 191 da SbDI-1 do TST, por aplicação analógica do artigo 455 da CLT, alcança os casos em que o dono da obra de construção civil é construtor ou incorporador e, portanto, desenvolve a mesma atividade econômica do empreiteiro.3. Não é compatível com a diretriz sufragada na Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 do TST jurisprudência de Tribunal Regional do Trabalho que amplia a responsabilidade trabalhista do dono da obra, excepcionando apenas "a pessoa física ou micro e pequenas empresas, na forma da lei, que não exerçam atividade econômica vinculada ao objeto contratado".4. Exceto ente público da Administração direta e indireta, se houver inadimplemento das obrigações trabalhistas contraídas por empreiteiro que contratar, sem idoneidade econômico-financeira, o dono da obra responderá subsidiariamente por tais obrigações, em face de aplicação analógica do art. 455 da CLT e de culpa in eligendo." (IRR 190-53.2015.5.03.0090, SDI-1, Acórdão publicado em 30/06/2017, Relator Ministro João Oreste Dalazen). (g.n.) Posteriormente, em âmbito de embargos de declaração, a SBDI-1 do TST modulou os efeitos da decisão proferida no IRR em questão, para deixar claro que: "O entendimento contido na tese jurídica 4 aplica-se exclusivamente aos contratos de empreitada celebrados após 11 de maio de 2017, data do presente julgamento" (g.n.). Importante frisar que, após negar seguimento aos recursos extraordinários interpostos pelas partes e terceiros interessados, o acórdão proferido pelo TST transitou em julgado em 16/12/214, razão pela qual as teses fixadas são de observância obrigatória por todos os TRT do país, o que ainda não é feito de forma absoluta, havendo decisões que ainda aplicam a OJ-191 sem a devida interpretação fixada no IRR-tema 06, dada a recente finalização do julgado, sem necessidade de se aguardar futuro posicionamento do STF sobre o tema. Portanto, desde o ano de 2017, o que temos no caso em debate é que, nos termos da OJ-191 da SBDI-1 do TST e do IRR 190-53.2015.5.03.0090, o dono da obra pode ser condenado no pagamento das verbas trabalhistas, de forma subsidiária, desde que fique comprovada a inidoneidade econômico-financeira da empresa contratada, em decorrência da culpa in eligendo, razão pela qual deve a contratante demonstrar que, no ato da celebração do contrato de empreitada de construção civil, buscou verificar se a empresa contratada tinha capacidade para realizar a obra e pagar as verbas trabalhistas devidas, sem o que responderá pelas verbas trabalhistas inadimplidas pelo empreiteiro. _____ 1 Na ocasião foram citados os seguintes precedentes: ERR 53700-80.2005.5.03.0041, 108400-80.2007.5.17.0191, 112100-98.2006.5.17.0191, 34900-33.2002.5.17.0004, 558064-39.1999.5.05.5555, 356371-72.1997.5.05.5555, 312885-28.1996.5.03.5555 e 109810-33.1994.5.03.5555 e os RR 360731-49.1997.5.23.5555, 620762-58.2000.5.01.5555, 547314-96.1999.5.15.5555 e 455044-23.1998.5.03.5555. 2 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui.
As normas coletivas são instrumentos pactuados entre empregador e sindicato profissional e/ou sindicatos representativos de categorias econômica e igualmente profissional estipulando condições de trabalhos aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho1. Em melhor definição, a OIT - Organização Internacional do Trabalho ensina que: "[...] nos últimos anos, a tendência tem sido de aumentar os itens suscetíveis de negociação. Hoje, incluem a segurança no emprego, a introdução de novas tecnologias e seus impactos sociais, treinamento e reciclagem, planos suplementares de seguridade social e bem-estar dos trabalhadores. Há várias maneiras de determinar que questões são negociáveis. Em alguns casos, as partes diretamente envolvidas podem chegar a um acordo depois da negociação. Em outros, a lei pode estabelecer o que deve, necessariamente, ser ou não incluído na negociação. Pode, ainda, estabelecer tópicos sobre os quais um empregador não pode negar-se a discutir, ou fazer uma lista de itens que só podem ser considerados negociáveis com a concordância de ambas as partes"2. A CF/88, confirmando o reconhecimento das normas coletivas, garantiu que o direito de negociar vise também à melhoria da condição social do trabalhador, por disposição do art. 7º, XXVI, a saber: "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho". Com isso, a norma coletiva ganhou força, a ponto da reforma trabalhista (lei 13.467/17), no art. 611-A, da CLT, prever a sua prevalência sobre a lei infraconstitucional em temas comuns ao trabalhador, tais como "jornada de trabalho", "banco de horas", "intervalo intrajornada", "participação nos lucros ou resultados da empresa", "prorrogação de jornada" etc. Nesse sentido, aliás, recentemente o STF "decidiu que acordos ou convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidas, desde que seja assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador"3. Com isso, doravante há sobreposição do negociado sobre o legislado, desde que as normas coletivas não infirmem preceitos estabelecidos pela CF/88, em normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao nosso ordenamento jurídico, e, de igual sorte, em normas infraconstitucionais que assegurem garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores. A conclusão é resultado do julgamento do ARE - Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633, encerrado em 2/6/22. Com efeito, é sabido que os acordos e convenções coletivas negociam cláusulas econômicas e sociais, versando sobre interesses comuns da categoria profissional que muitas vezes acabam se estendendo em proveito da família ou dependentes do trabalhador, como é o caso de "plano de saúde", "seguro de vida", "auxílio-creche", "garantia de emprego pré-aposentadoria", contribuindo, ainda que em patamares mínimo, com o desenvolvimento social de determinada coletividade. Justamente pela garantia dos direitos fundamentais contra o retrocesso social é que tais cláusulas coletivas negociadas e conquistadas por meio de autêntica negociação - muitas vezes decorrentes das lutas sociais manifestadas por greves de determinada categoria profissional, que são movimentos ativos para conferir benefícios aos trabalhadores e que podem, pelo simples vencimento de uma data, deixarem de ter eficácia repentina - é que pelo princípio da ultratividade das normas coletivas pactuadas justificava as suas incorporações aos contratos individuais de trabalho vigentes ou novos, mesmo quando encerrado o prazo de validade dos instrumentos, sem que fossem reafirmadas por novo acordo coletivo ou por uma norma que viesse a decidir sobre os direitos da categoria profissional. Eis o entendimento até então consolidado pelo TST no verbete sumular 277, em consonância com o art. 114, §2º, da CF/88, o qual dispunha o seguinte: "as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho". A súmula 277 do TST teve nova redação dada em 2012, quando a lei 10.192/01, que dispõe sobre a política nacional de salários, já tinha revogado o art. 1º, §1º, da lei 8.542/92, para afastar a teoria da aderência limitada por prazo às normas coletivas, o que gerou questionamentos acerca da interpretação conferida pela justiça especializada, em contrária à intenção do legislador. O tema passou a ser discutido na ADPF 323/DF, de relatoria do ministro do STF, Gilmar Mendes. O legislador teve intenção de pôr fim a ultratividade das normas coletivas, tanto que pela reforma trabalhista (lei 13.467/17) editou o §3º do art. 614 da CLT, que expressamente veda a ultratividade da duração da convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos. Foi assim que, por maioria, o plenário do STF julgou inconstitucional o entendimento do TST que mantém a validade de direitos estabelecidos em cláusulas? coletivas com prazo ?já expirado (princípio da ultratividade) até que seja firmado novo acordo ou nova convenção coletiva, por sessão encerrada em 27/5/22, no julgamento da já mencionada ADPF 3234. Aqui surge a seguinte problemática: se antes as disposições legislativas se sobrepunham às normas coletivas, estabelecendo preceitos mínimos de direitos, após decisão do STF as normas coletivas ganharam novo status hierárquico, inclusive permitindo a supressão de determinados direitos; lado outro, alavancando a hierarquia das negociações coletivas por meio de suas normas, a própria Corte Suprema limitou a sua vigência, quando, em tese, são previstos inúmeros direitos aos trabalhadores, garantindo-lhes especiais melhorias das condições sociais - situação essa que, s.m.j, traz uma verdadeira contradição! Nesse ponto, evoca-se o princípio da vedação ao retrocesso social que tem por objetivo impedir, por meio de inovação legislativa ou interpretação de normas já existentes, a redução e a supressão dos direitos sociais, resultando na interiorização do patamar civilizatório alcançados, aqui também pela negociação coletiva enraizada no ordenamento jurídico brasileiro. Em outras palavras, o princípio objetiva a proibição de supressão de direitos e garantias conquistados pelos obreiros - como dito, materializados corriqueiramente pelas lutas sindicais, provenientes do choque social existente na sociedade -, notadamente por meio de movimentos sindicais, sociais, políticos, ou por qualquer outra via. Marcelo Casseb Continentino, entende que o princípio da vedação ao retrocesso social pode ser considerado "como um direito constitucional de resistência que se opõe à margem de conformação do legislador quanto à reversibilidade de leis concessivas de benefícios sociais"5.Esse princípio é amplamente defendido na doutrina e jurisprudência trabalhista, e está igualmente previsto no art. 7º da CF/88 que, em leitura conjunta com o inciso XXVI mencionado, reconhece constitucionalmente as normas coletivas e a intenção de melhoria da condição social do trabalhador através delas. A revogação da ultratividade das normas coletivas indica infringência ao princípio da vedação ao retrocesso social, que certamente se agravará pela supressão de direitos civilizatórios conquistados pelos obreiros por meio das normas coletivas. Bem por isso, a revogação da ultratividade relativiza ainda mais os direitos trabalhistas, o que poderá resultar em infrações que coloquem em risco não só a condição social dos próprios trabalhadores, como acabe elevando os riscos jurídicos e insegurança do próprio empregador. Ainda que alguns doutrinadores sustentem que a resposta à revogação está no art. 8º da CLT, que reconhece o uso e costumes das empresas como fontes formais do direito do trabalho, assim criando uma nova norma tácita entre as partes quando da manutenção dos benefícios previstos nas normas coletivas, certo é que a validação do entendimento dependerá de discussão judicial, resultando nem sempre em entendimento favorável ao empregado. Pelo empregador, por sua vez, haverá sempre o risco de ação judicial e a possível elevação de seus custos. O STF, a propósito, "estabelece a primazia do princípio da vedação ao retrocesso social, com base na garantia do mínimo existencial, priorizando a dignidade humana (art. 1º, III da CF/88) e os objetivos fundamentais do Estado (art. 3º da CF/88), mitigando as alegações relacionadas à insuficiência de recursos em situações onde os direitos sociais são violados no seu núcleo sensível, no mínimo existencial".6 Ora, o Poder Judiciário, como instituição comprometida com a observância da obrigação constitucional dos avanços dos direitos sociais - no caso, daqueles contidos das negociações coletivas ainda que implicitamente - de certa forma não teria falhado em tal observância ao sepultar definitivamente a ultratividade das normas coletivas? O papel da Corte Suprema, na atual conjuntura econômica, deveria se dispor a socorrer a sociedade da ausência ou omissão estatal, especialmente quando ocorre em observância exclusiva dos interesses empresariais, com a garantia dos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores, independentemente de sua fonte e o tempo de sua vigência, como é caso das normas coletivas de trabalho. Mesmo que sindicatos e trabalhadores se mobilizem para a renovação da norma coletiva junto ao empregador, o direito social conquistado poderá sucumbir repentinamente pela perda da eficácia do "papel", inclusive pela recorrente morosidade da negociação coletiva ou, ainda, no desinteresse de negociação pelos próprios empregadores, que poderão não só forçar a sua vontade durante as negociações, pois cientes do vencimento do prazo das normas coletivas, como se valerem também da morosidade dos dissídios coletivos que igualmente não contam com a ultratividade, daí levantando importante questionamento: como ficará a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso social? Só o tempo dará a resposta, mas o sentimento é de que nos tempos atuais, mais do que nunca, os trabalhadores precisarão contar com a força sindical para exercer a pressão necessária sobre o patronato, na garantia de manutenção dos benefícios e direitos sociais conquistados pela categoria por suas normas coletivas e, assim, evitar o retrocesso social que poderá ocorrer pela perda da eficácia das normas negociadas "do dia para a noite". _____ 1 Art. 611 da CLT. 2 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Negociações Coletivas (trad. VALLE, Sandra). São Paulo: LTr, 1994, p. 19. 3 Disponível aqui.  4 Disponível aqui. 5 CONTENTINO, M.C. Proibição do retrocesso social está na pauta do STF. Disponível aqui.  6 Disponível aqui. 
Há muito vem-se discutindo sobre o fato de que o trabalho humano não se dá exclusivamente sob a forma da relação empregatícia, ou seja, nos moldes regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Dessa forma, a livre iniciativa vem se efetivando como um direito dos trabalhadores, tanto que o STF ao julgar procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324/DF, de relatoria do ministro Roberto Barroso, fixou a seguinte tese: É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993. 8. ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio. Outrossim, em 30.8.2018, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 958.252-RG - Tema 725 da Repercussão Geral, relator o ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal fixou também a seguinte tese de repercussão geral: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (DJe 13.9.2019). No entanto, mesmo depois do julgamento do STF reconhecendo a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, bem como reconhecendo como lícita a terceirização de toda ou qualquer forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, ainda se observa uma insegurança jurídica grande, pois muitos Tribunais Regionais do Trabalho se recusam a enquadrar o tema "pejotização" dentro da Tese 725 firmada pela Supre Corte. Ocorre que, a Tese fixada no Tema 725 foi expressa ao considerar lícita a terceirização de toda e qualquer forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, motivo pela qual enquadra-se, s.m.j, o tema "pejotização". Ressalta-se que este foi exatamente o caso do recente julgado da 1ª Turma do STF na AG.REG. NA RECLAMAÇÃO 47.843 BAHIA, cujo acórdão foi disponibilizado em 07.04.2022, e assim ementado:  CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" . 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por "pejotização", não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento.1 No caso em análise, destaca-se o trecho do voto divergente do ministro Barroso, que analisou o aspecto tributário e vantajoso da prestação de serviços, a licitude da terceirização, bem como o reconhecimento de que nem todos os trabalhadores podem ser considerados hipossuficientes. Veja-se:  "...Presidente, vou pedir, igualmente, todas as vênias a Vossa Excelência para reiterar o entendimento que tenho adotado, inclusive tendo sido o Relator da ADPF que admitiu a terceirização inclusive de atividade-fim. Até faria aqui uma distinção sutil, mas de alguma relevância, entre terceirização, propriamente dita, e pejotização, que é o caso, a meu ver - caracteriza-se aqui mais do que como uma terceirização típica -, o que também já validamos em julgados anteriores. Chamo a atenção para o fato de que esta não é uma ação civil pública propriamente com preocupações trabalhistas de tutela dos direitos dos trabalhadores, porque inclusive nenhum dos médicos foi sequer ouvido. Tenho dúvida de se, aqui, o Ministério Público do Trabalho está atuando verdadeiramente em favor dos trabalhadores ou com preocupações de natureza tributária ou fiscal, talvez - teria dúvida até da extensão de sua legitimação ativa. O que ocorre no Brasil, Presidente e eminentes Colegas, é que temos um sistema tributário regressivo, injusto e, de certa forma, incompreensível, que faz com que os sócios de empresa recebam mediante distribuição de lucros e de distribuição de dividendos - isentos, como estabelece a legislação -, enquanto os trabalhadores pagam, se forem bem pagos, 27,5% de imposto de renda. Esse é o país que criamos com o sistema tributário que temos. Fui advogado trinta anos, a partir de meados dos anos 1990 com sociedade profissional - os sócios são remunerados por distribuição de lucros ou de dividendos e os empregados são pagos por contrato de trabalho. O que acontecia, na prática, trágico e triste como possa parecer, é que eu pagava menos imposto de renda do que minha secretária. Este é o Brasil. As elites extrativistas brasileiras conceberam um sistema tributário em que o patrão paga menos imposto de renda que um empregado. Esse processo levou a uma progressiva pejotização, ou seja, muitas vezes empregados constituem pessoas jurídicas para escaparem dessa dualidade perversa, regressiva e que não se sustenta do ponto de nenhuma lógica de justiça distributiva.  Aqui, não acho que estejamos diante de uma questão de proteção de direitos trabalhistas propriamente, inclusive porque não estamos lidando com hipossuficientes que precisam ser substituídos ou representados pelo Ministério Público do Trabalho. Estamos lidando com médicos que, inclusive, e com muita frequência, têm diversos trabalhos e, portanto, não têm uma subordinação direta a um único empregador, a um único hospital ou a uma única empresa de saúde. Constituem empresas para ter um regime tributário melhor - uma decisão tomada por pessoas informadas e esclarecidas, e não hipossuficientes. Embora, aqui, talvez, pudesse existir, em alguma medida, um interesse tributário da União, não vejo interesse trabalhista dos médicos tutelados pelo Ministério Público do Trabalho, com todas as vênias dos entendimentos contrários. Tanto a terceirização da atividade-fim, genericamente, quanto a própria chamada pejotização, no caso particular, são toleradas pela legislação brasileira.  Há aqui a essência da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em dois casos já reiteradamente citados. O meu entendimento também é o de que se deva dar provimento ao agravo para reconhecer-se a procedência da reclamação, na linha da divergência aberta pelo Ministro Alexandre de Moraes que, em minha visão, concretiza, neste caso, a posição do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Repito que, se estivéssemos diante de trabalhadores hipossuficientes, em que a contratação como pessoa jurídica fosse uma forma, por exemplo, de frustrar o recebimento do fundo de garantia por tempo de serviço ou alguma outra verba, aí acho que uma tutela protetiva do Estado poderia justificar-se. Gostaria de lembrar que não são só médicos, hoje em dia - que não são hipossuficientes -, que fazem uma escolha esclarecida por esse modelo de contratação. Professores, artistas, locutores são frequentemente contratados assim, e não são hipossuficientes. São opções permitidas pela legislação (...)" - destaquei Assim, a 1ª Turma do STF, por maioria, deu provimento ao agravo para julgar procedente a reclamação e determinar que o Tribunal de Origem observe o que foi decidido no Tema 725 da Repercussão Geral e na ADPF 324. Dessa forma, coaduna-se com o exposto pelo ministro Barroso, no sentido de que os médicos, bem como outros profissionais liberais, muitas vezes não podem ser tidos como hipossuficientes. Neste ponto, cumpre destacar que a Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, regulou a figura do trabalhador hipersuficiente, que é aquele que recebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do Regime de Previdência Social e tenha diploma de nível superior. Vejamos:  Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.  Ademais, no processo acima citado, os próprios médicos haviam manifestado o desinteresse no reconhecimento do vínculo empregatício, ao passo que o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho consignou que tais documentos não produziam qualquer efeito jurídico. No caso do específico do profissional médico, ressalta-se que o próprio sindicato da categoria desses profissionais não é contrário ao trabalho do médico terceirizado, desde que não estejam presentes os elementos da relação empregatícia. À título exemplificativo, citamos o precursor Acordo Coletivo de Trabalho pactuado entre a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte e o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, que compatibilizando os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho, estipularam normas no sentido de organizar o trabalho médico terceirizado e o trabalho médico celetista dentro da instituição2. Por todo o exposto, tem-se que a recente decisão do STF, no sentido de reconhecer a validade do trabalho médico prestados por pessoa jurídica, traz ares de esperança, na busca da preservação da segurança jurídica, da liberdade de iniciativa e da capacidade de autodeterminação de diversos trabalhadores. _____________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
Um dos mais debatidos temas da atualidade é o chamado metaverso. Conceitualmente, metaverso é um ambiente digital composto por espaços 3D imersivos no qual os usuários interagem por meio de avatares. Esse ambiente envolve a utilização de tecnologias altamente refinadas, como as blockchains e suas diversas aplicações, quais sejam, criptomoedas, smart contracts, inteligência artificial e outras que ainda estão em desenvolvimento. Aliás, é justamente a utilização dessas tecnologias, aliadas à completa imersão do usuário para criar a sensação de que ele está em uma outra realidade, que criam uma série de possibilidades e questionamentos que desafiam o Direito a se reinventar, ou melhor, "ser definitivamente colocado no lugar da memória"1. Não há somente um ou alguns metaversos, mas multiversos digitais que podem ou não se conectar, e as regras de funcionamento e complexidade de interações variam bastante a depender da plataforma utilizada. Com efeito, a verdadeira comoção entorno do metaverso começou quando a Facebook, em outubro de 2021, alterou o seu mundialmente conhecido nome para passar a se chamar "Meta", também adotando uma nova logomarca com o formato do símbolo do infinito2. Assim, os aplicativos e outras marcas da Facebook passaram para o controle da "Meta". Essa movimentação em direção ao próximo passo da digitalização da vida ocorreu justamente em um período em que a empresa estava envolvida em muitas controvérsias relacionadas a possíveis violações da privacidade e demais direitos digitais e pessoais dos seus usuários, que foram trazidas à luz a partir do escândalo da Cambridge Analytica3. O investimento na criação de uma nova realidade pode ser interpretado como uma saída encontrada pela empresa para as críticas que estava sofrendo, críticas focadas - vejam que curioso - na permissão e até mesmo incentivo na criação e disseminação de conteúdos falsos. Certa dose de ceticismo ainda permeiam as discussões que envolvem essas novas tecnologias, especialmente porque diferentes formas de criação de ambientes digitais interativos emuladores da realidade não são exatamente uma novidade, pois já havia videogames como o second life, the sims, minecraft e muitos outros. Ademais, há grande preocupação com o desempenho da própria "Meta", tendo em vista certas dificuldades que a empresa vem enfrentando para viabilizar o desenvolvimento tecnológico necessário, uma perspectiva marcada pela fuga de 4 (quatro) desenvolvedores importantes para a empresa e o colapso do laboratório de IA localizado em Londres4. Todavia, certa cautela deve ser tomada para não subestimar o poder atrativo de um mundo 3D decentralizado que promete experiências sensoriais em tempo real muito próximas das interações atuais, mas desatreladas das limitações e regras do mundo físico. Ademais, em mercados disruptivos como os que envolvem o metaverso, é muito comum que as empresas tradicionais que já trabalhavam com as tecnologias em desenvolvimento não continuem sendo as empresas dominantes no mercado, mas sim as que são construídas durante o processo de inovação. Aqui, é importante destacar o enorme sucesso da Roblox, que é a plataforma interativa mais próxima do que é idealizado em termos de metaverso. O grande diferencial dessa plataforma de jogos é que o desenvolvimento é feito pelos próprios jogadores. Apesar de existir desde 2004, a Roblox somente atingiu de fato um grande público em 2020, no auge da pandemia do SARS COVID-2. Em março de 2021, após um crescimento exponencial no número de usuários, a Roblox, avaliada em cerca de US$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco bilhões de dólares), fez a sua primeira oferta pública5. Todavia, as expectativas para a empresa diminuíram no final de 2021, quando houve uma significativa queda nas ações negociadas na bolsa, o que ainda não foi o suficiente para desanimar alguns investidores6. Se o metaverso se consagrará como um projeto bem-sucedido ou não, essa hoje não é a preocupação mais relevante, afinal, as operações comerciais e interações interpessoais já estão ocorrendo nesse ambiente virtual. Grandes empresas estão comprando imóveis e terrenos completamente digitais em sandboxes no metaverso ou na Decentraland por valores significativos7. Podemos fugir um pouco das aplicações do Direito Civil e do Direito do Trabalho para dar concretude ao problema exemplificando uma série de crimes que, muito embora não tenham implicações físicas nos usuários, podem causar danos emocionais ou morais, como cyberstalking, cyberbullying, extorsão, sequestro, simulação de atos terroristas etc8. O objetivo do presente trabalho, portanto, é expor uma série de desafios gerais do Direito, sem delimitação de um ramo específico, que se encontram na fronteira - cada vez mais difícil de ser delimitada - entre o virtual e o real, sem pretensões de esgotar o tema. Aqui, aliás, é preciso dizer que a autonomia, algum nível de anonimato e a descentralização do espaço digital, são grandes fatores propulsores da inovação, especialmente por expandir as redes de comunicação e reunião. Nesse prumo, é comum sustentar que o Direito normalmente vem a reboque das transformações sociais, econômicas e tecnológicas. Todavia, os direitos individuais e coletivos que são impulsionados pelo ambiente digital não podem conduzir à sua autodestruição, que seria decorrente da completa ausência de regulação. No ponto, aderimos ao posicionamento de reforço do império da lei e do direito no espaço digital feita por Nicolas Suzor no seu livro "Lawless: The Secret Rules That Govern Our Digital Lives", o qual faz a defesa de que a ausência de regulação governamental e jurídica não se confunde com a liberdade, pois essa última somente existe - e é esse o paradoxo - enquanto for limitada. A princípio, as violações a direitos que podem ocorrer no metaverso não possuem natureza distinta das violações que ocorrem no mundo físico. Nesse sentido, os diplomas legais brasileiro, pelo menos abstratamente, já conseguem categorizar os fatos relevantes e suas consequências jurídicas. A dificuldade não parece residir na deficiência da previsão legislativa, mas na própria aplicabilidade das normas, em razão do ambiente decentralizado e anônimo que permeia o metaverso. Atualmente, emergem questionamentos muito relevantes sobre competência jurisdicional e o alcance das legislações nacionais, e se cartas de direitos ou tribunais internacionais teriam mais facilidade de lidar com os potenciais conflitos. Assim, um primeiro ponto de destaque é em relação aos próprios avatares, porque as interações dos usuários podem se dar com avatares "falsos", que não estão sendo controlados por pessoas naturais, mas sim por robôs, algoritmos ou inteligências artificiais. Alguma forma de identificação da pessoa física que está sendo manifestada pelo avatar parece ser necessária, da mesma forma que é exigido que os contatos telefônicos feitos por IAs ou robôs identifiquem a utilização dessas tecnologias. Consequentemente, se haverá formas de identificação dos usuários dos avatares, então medidas de proteção dos dados pessoais deverão ser adotadas ou até mesmo reforçadas para além das garantias oferecidas atualmente pelas empresas. Essas preocupações são ainda maiores quando se estão falando de dados sensíveis, como peso, gênero, raça, idade etc. Ainda sobre os avatares, é bom destacar que se houver a identificação do usuário, o avatar será uma representação do usuário no ambiente virtual. A imagem e características "físicas" do avatar serão, a princípio, de livre criação do usuário, mas podendo corresponder total ou parcialmente à imagem da pessoa representada. Sendo assim, haveria a proteção aos direitos de imagem representada no avatar, de forma a ser necessária a aprovação para uso da imagem? Ademais, como foi introduzido, a utilização de IAs no metaverso ainda traz outros questionamentos referentes aos direitos de autor e de propriedade intelectual. Relembremos a discussão sobre os direitos de propriedade no caso do macaco batizado de Naruto que em 2011 apertou o botão de uma câmera fotográfica e registrou uma selfie que se tornou famosa no mundo todo. Em 2015, um grupo de ativistas dos direitos dos animais ingressou com uma ação judicial nos Estados Unidos da América a fim de que o Poder Judiciário reconhecesse que a foto e os lucros provenientes da sua exploração comercial seriam de propriedade do macaco. Apesar de terminar em acordo entre as partes, o caso levantou questões sobre se os não-humanos seriam possuidores de direitos autorais. Se transpormos essa discussão para o atual contexto tecnológico, também poderíamos questionar se as IAs seriam detentoras dos conteúdos digitais e físicos que criarem. Atualmente, a interpretação autêntica do art. 11 da Lei nº 9.610/1998 não levaria a essa conclusão, pois garante o direito de autor somente à pessoa física ou jurídica criadora de obra literária, artística ou científica, e, até o momento, não há que se entender as IAs existentes como pessoas. Todavia, essa configuração jurídica ainda é compatível com o atual nível de desenvolvimento tecnológico, mas esse é um cenário que está em exponencial transformação. Em um apanhado do que foi aqui introduzido, pode-se afirmar que além da pretensão de regulação do espaço digital, é preciso que os órgãos e instituições oficiais, juntamente com os grupos organizados da sociedade civil, adentrem, o quanto antes, nos múltiplos metaversos existentes. É possível aproveitar do fato de que as múltiplas situações imagináveis podem ser projetadas no metaverso, de forma desprendida das amarras do mundo físico, para criar experimentações nesses ambientes, juntamente com a criação de sandboxes regulatórios, a fim de testar e realocar as possibilidades de intervenção jurídica no ambiente virtual. Inúmeras possibilidades e benefícios, a depender do ponto de vista, podem se apresentar aos indivíduos e à humanidade a partir da utilização desses ambientes com possibilidades ilimitadas de conexão e experiências. O papel do Direito não é frear as inovações, mas sim garantir a preservação dos direitos de forma preventiva e reativa, a fim de que as potencialidades não se transformem em ameaças. __________ 1 Há uma frase de Canotilho na qual o autor português questiona alguns dos desafios que, em 2006, se apresentavam para o constitucionalismo, e expressa a ideia de que embora o Direito deva guardar certa rigidez, também deve ser flexível a ponto de não se tornar ultrapassado para lidar com as questões atuais da sociedade e da política. A frase pode muito bem servir de alerta também para os desafios tecnológicos que se apresentam "Trata-se de saber se o constitucionalismo, sem abandonar as memórias, pode continuar a ter e ser história neutralizando o perigo de ser definitivamente colocado no lugar de memória" (CANOTILHO, J.J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade, 2006. p. 345). 2 Facebook Renames Itself Meta. The New York Times, nov. 2021. Disponível aqui. 3 The Scandal and the Fallout So Far. The New York Times, abr. 2018. Disponível aqui. 4 Meta's A.I. exodus: Top talent quits as the lab tries to keep pace with rivals. CNBC, abr. 2022. Disponível aqui. 5 Como a Roblox, nova febre da internet, atingiu US$ 45 bi e até onde quer chegar. CNN Brasil, abr. 2021. Disponível aqui. 6 Roblox Marches Ahead Despite Significant Headwinds. Nasdaq, mai. 2022. Disponível aqui. 7 Como exemplo, em novembro de 2021 o Wall Street Journal noticiou uma compra particularmente volumosa pela empresa Republic Realm, que comprou uma terra virtual da Atari SA por US$ 4.300.000,00 (4 milhões e trezentos mil dólares). (Metaverse Real Estate Piles Up Record Sales in Sandbox and Other Virtual Realms. WALL STREET JOURNAL, nov. 2021. Disponível aqui). 8 FORBES. Six unadressed legal concerns for the metaverse. Disponível aqui.
O sistema nacional de startups e fintechs e a dinâmica atual da economia, em especial no setor tecnológico, trazem a reboque uma modalidade de operação societária relativamente nova no mundo e ainda incipiente no Brasil: aquisição de empresas com foco no capital humano nelas existentes. Tal operação societária é denominada de acqui-hire (em tradução livre "aquisição para contratação de pessoas"), consistindo numa transação onde uma empresa é adquirida com foco nos profissionais e talentos nela existentes, e não só por seus produtos, serviços, ativos e/ou posição de mercado. Ou seja, a principal motivação da operação são as pessoas e o que elas por si só podem agregar de valor à companhia-adquirente, sendo certo que esses talentos pessoais devem ser encontrados, conquistados e retidos. Os autores John F. Coyle e Gregg D. Polsky publicaram, ainda no ano de 2013, no Duke Law Journal1, extenso e analítico artigo científico intitulado ACQUI-HIRING, cuja crítica meramente introdutória nos chamou bastante à atenção: "esse fenômeno não atraiu a atenção da academia e dos doutrinadores jurídicos"2 3. Com efeito, passados quase dez anos, ainda é possível transpor a mesma provocação dos autores norte-americanos para o universo trabalhista brasileiro, onde o tema foi praticamente ignorado, apesar de sua relevância teórica e prática, por envolver elementos de direito societário, do trabalho, recursos humanos, inovação e tecnologia. E é justamente no setor de tecnologia que as operações de acqui-hiring ganham cada vez mais espaço no Brasil e no mundo, impulsionadas por gigantes como Facebook, Google, Microsoft dentre outras. De mais a mais, em razão da tecnologia, o Brasil assiste ao surgimento exponencial de startups, cujos investimentos cresceram quase 200% em 2021. As startups do Sul do Brasil, por exemplo, captaram 351% mais investimentos em 2021 do que no ano anterior; startups do Sudeste levantaram US$ 8,7 bilhões em 2021, o que equivale a 87% do total do país, e as startups do Nordeste tiveram o maior percentual de crescimento, tudo conforme números do InvestSP4. Não por acaso, em 18 de junho de 2021, foi sancionada a Lei Complementar nº 182, que instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador no Brasil. Essa Lei, dentre diversos outros temas, tratou das medidas de fomento ao ambiente de negócios e do aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador, em que pese muito antes do referido marco legal o cenário das startups e do empreendedorismo no Brasil já estivesse bastante aquecido (2,7 bilhões de dólares em 2019 e 3,5 bilhões de dólares em 2020, por exemplo)5. O setor de inovação e tecnologia, sem dúvida, vive um bom momento, pois numa sociedade conectada, problemática e veloz, a demanda por serviços e produtos cresce numa escala colossal, impondo às empresas líderes soluções criativas e ágeis na área de tecnologia e inovação digital, daí porque as grandes empresas passaram a buscar nas startups a solução para problemas internos, consoante bem percebido por John F. Coyle e Gregg D. Polsky6, ainda no ano de 2013: "O Facebook, o Google e outras empresas tecnológicas líderes no Vale do Silício têm comprado empresas em ritmo acelerado."7. As startups, nos termos do art. 4º da LC 182/21, são empresas nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se justamente pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados, notadamente na área de tecnologia. Vale destacar que essas empresas detectam oportunidades e soluções, indo ao mercado buscar financiamento para implementar o negócio, tendo em seu time profissionais altamente qualificados que, por si só, já seriam cobiçados para trabalhar em qualquer grande empresa. Ocorre que esses profissionais, por estarem engajados com o sucesso da empresa nascente, na qualidade de sócios, empregados ou prestadores de serviços autônomos com alguma espécie de participação financeira no desenvolvimento do negócio (ações, quotas, bônus, comissões etc.), ficam indisponíveis para preencher, individualmente, as vagas do mercado de trabalho, apesar da demanda, preferindo integrar empresas embrionárias, ao invés de grandes companhias, conforme analisado por John F. Coyle e Gregg D. Polsky8: "... essa preferência por participar de uma startup de tecnologia ao invés do emprego em uma grande empresa, foi motivada por três motivos interrelacionados. Primeiro, o custo de lançar uma startup caiu vertiginosamente, pois o aumento da computação em nuvem trouxe uma redução drástica no custo da infraestrutura de tecnologia da informação. Em segundo lugar, novas fontes de financiamento, incubadoras de empresas, investidores anjo e "braços" anjo de empresas de capital de risco tornaram-se disponíveis para startups no Vale do Silício. Em terceiro lugar, em parte devido à economia de custos da computação em nuvem e à abundância de financiamento, as startups agora podem oferecer salários e bônus mais competitivos em relação aos oferecidos por grandes empresas de tecnologia." 9 Pelo fato desses profissionais altamente capacitados estarem engajados com o sucesso das startups e, consequentemente, indisponíveis para preencherem, individualmente, as vagas do mercado de trabalho, grandes companhias passaram a buscar não mais os profissionais isoladamente, mas sim as próprias startups. Ou seja, ao invés de captarem mão de obra singular, as companhias adquirem a empresa como um todo, visando, na verdade, não o negócio em si, mas os profissionais que ali estão e, consequentemente, a solução para o seu negócio. Neste caso, o foco da operação está no talento das pessoas, sejam sócios, empregados ou prestadores de serviços que compõem a empresa alvo. O Nubank, por exemplo, quando fez a primeira aquisição de sua história, em 2020, o fez através de uma operação de acqui-hiring: "Anunciamos hoje o acordo - conhecido no exterior como "acqui-hire" - para contratar a equipe de projetos da consultoria PlataformaTec, formada por times de engenharia de software e especialistas em metodologias ágeis."10  E por que adquirir uma empresa, com tudo o que isso atrai, ao invés de simplesmente arregimentar mão de obra? A resposta não é simples. Dentre alguns fundamentos, objetivamente destacam-se dois: Primeiro, um fundamento não jurídico, qual seja, a noção de que contratar um time inteiro, de uma só vez, pode ser mais simples do que negociar caso a caso com cada trabalhador. Segundo, pelo fato de que o Código Civil veda, em alguns casos, a arregimentação de mão de obra, nos seguintes termos: Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos. Neste rumo, as operações de acqui-hiring visam, também, evitar litígio futuro com a empresa-alvo onde os trabalhadores prestam serviços. Assim, sob esses fundamentos, ora resumidos, as operações de acqui-hiring se mostram bastante úteis. E o que isso tem a ver com o Direito do Trabalho?  Operações de fusão11, aquisição ou incorporação12 de empresas, geralmente demandam atuação de múltiplos profissionais do direito, cada um em sua área, o que inclui a área trabalhista.  A atuação do advogado trabalhista nessas operações geralmente se inicia com uma auditoria legal (due dilligence) na empresa que se pretende adquirir, para análise do eventual passivo trabalhista, o que poderá ter impacto no valor da operação, nas garantias da transação, riscos, e, até mesmo, na viabilidade do negócio13. Além disso, após esse raio-x inicial, uma vez consolidada a operação, podem surgir questionamentos quanto à formação de grupo econômico trabalhista14, sucessão de empregadores15, disparidade nos benefícios concedidos aos empregados da adquirente e adquirida etc. Mas não é só. É preciso lembrar, conforme já mencionado, que essas operações ocorrem na medida em que as compradoras buscam não o negócio em si, mas o time da startup que desenvolve o negócio. Ou seja, o foco da operação está no talento das pessoas, sejam sócios, empregados ou prestadores de serviços autônomos que compõem o núcleo profissional da empresa adquirida. Quanto aos sócios e prestadores de serviços autônomos da adquirida, compete ao direito empresarial e cível, respectivamente, dar as respostas jurídicas necessárias à retenção desses talentos após à operação, bem como dirimir outras controvérsias. Ao direito do trabalho, por outro lado, compete manter os empregados na empresa após a operação. E aqui reside um dos nós a serem desatados.  Lembre-se que esses empregados que possuem alto grau de especialização, preferiram integrar empresas embrionárias ou recentes, ao invés de grandes companhias, podendo haver certa frustração de objetivos neste tipo de operação, o que poderia levar à ruptura dos contratos de trabalho, antes, durante ou após a conclusão do negócio, o que frustraria, inclusive, a razão de ser da operação de acqui-hiring. Visando evitar a frustração dos interesses da empresa adquirente e dos empregados da adquirida, é indispensável, antes da conclusão do negócio, a utilização de instrumentos jurídicos que possam minorar as chances de perda dessa cobiçada mão de obra, abrindo-se espaço para a implementação, por exemplo, do denominado retention bonus, ou bônus de retenção. O bônus de retenção, assim como o bônus de admissão ou contratação, é muito comum em setores de trabalho altamente competitivos, como o setor de tecnologia, servindo para evitar ou diminuir trocas constantes de emprego e perda de profissionais, principalmente no caso de empregados altamente especializados, com conhecimentos valiosos para o mercado. O bônus de retenção, assim, se traduz em mais um atrativo para que o profissional permaneça na empresa, diminuindo com isso uma eventual rotatividade de mão de obra.  No caso das operações de acqui-hiring, o bônus de retenção é indispensável, antes mesmo da conclusão do negócio, sob pena de frustração da operação pelo risco de perda do seu principal ativo: pessoas talentosas que complementarão as atividades da empresa adquirente. O bônus de retenção, parcela que não se encontra expressamente tipificada na legislação trabalhista brasileira, pode ser conceituado como "... um valor oferecido pelo empregador para recompensar o empregado que se compromete a permanecer no emprego por determinado período, portanto, trata-se de um pagamento condicionado."16. Diverge a doutrina e a jurisprudência (exclusivamente no âmbito dos Tribunais Regionais) quanto à natureza jurídica da parcela paga à título de bônus de retenção, se salarial ou indenizatória, valendo ressaltar que essa distinção não é meramente acadêmica, pois, a depender da natureza jurídica, os efeitos pecuniários serão distintos, com reflexos trabalhistas e tributários.  Salário17 é a contraprestação devida ao empregado pela prestação de serviços, paga uma única vez ou periodicamente pelo empregador, em pecúnia ou utilidades com natureza salarial (vide art. 458 da CLT)18, em decorrência da existência do contrato de trabalho. O salário não se confunde com a remuneração19, que é soma do salário com outras parcelas, que podem ser pagas pelo empregador ou não, tais como gorjetas pagas pelos clientes. Portanto, remuneração é gênero e o salário é espécie. A natureza indenizatória, por outra lado, visa compensar o empregado de alguma perda ou lesão, seja material ou mesmo moral (imaterial). No caso do bônus de retenção, o pagamento tem nítida natureza contraprestativa e, portanto, salarial, consoante, inclusive, posição majoritária do Tribunal Superior do Trabalho - TST20. Ante sua natureza salarial, a parcela paga poderá gerar reflexos, por exemplo, nos recolhimentos do FGTS, férias, gratificação natalina, observado, em cada caso, a aplicação analógica da Súmula 253 do TST21, sempre a depender da periodicidade do pagamento do bônus (uma única vez, mensal, trimestral etc.). O bônus também poderá sofrer tributação (IR e INSS)22. Enfim, o bônus de retenção é um instrumento valioso nas operações de acqui-hiring. Evidentemente, existem outros instrumentos trabalhistas não menos importantes nessas operações, tais como planos de stock options, benefícios diversos, adoção de modelos de trabalho mais flexíveis, como, por exemplo, o teletrabalho, inclusive internacional, recentemente regulado no Brasil: Art. 75 - B, § 8º da CLT:  Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na çei 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.     (Incluído pela Medida Provisória 1.108, de 2022) É inegável, portanto, que numa operação societária em que o alvo primordial e final sejam pessoas com alto grau de capacitação, haja a incidência de instrumentos trabalhistas para o aperfeiçoamento do fim pretendido e, portanto, o sucesso da operação. Em suma, é possível imaginar que as operações de acqui-hiring ganharão cada vez mais espaço no Brasil, principalmente com o marco legal das startups, de 2021, e o arrefecimento da pandemia, o que demandará, sem dúvida, que o advogado trabalhista esteja cada vez mais familiarizado com esse tipo de operação para que, dentro de sua área, possa antever e solucionar questionamentos jurídicos que surgirão. ____________ 1 Duke Law Journal, volume 63, novembro de 2013, nº 2, disponível em https://dlj.law.duke.edu/ 2 "the acqui-hire has attracted no attention in the academic or professional legal literature." 3 Duke Law Journal, volume 63, novembro de 2013, nº 2, p. 1, disponível em https://dlj.law.duke.edu/ 4 Disponível aqui. Acessado em 1 de abril de 2022. 5 Disponível aqui. acessado em 29 de março de 2022. 6 Duke Law Journal, volume 63, novembro de 2013, nº 2, p. 3, disponível em https://dlj.law.duke.edu/ 7  "Facebook, Google, and other leading technology companies in Silicon Valley have been buying start-up companies at a brisk pace." 8 Duke Law Journal, volume 63, novembro de 2013, nº 2, p. 13, disponível aqui; 9 "this preference for participating in a technology startup over employment at a large technology company has been bolstered by three interrelated developments. First, the cost of launching a startup has fallen precipitously, as the rise of cloud computing has brought about a dramatic reduction in the cost of information technology infrastructure. Second, new sources of seed funding from business incubators, angel investors, and angel "arms" of venture-capital firms have become available to startups in Silicon Valley. Third, in part because of the cost savings of cloud computing and the abundance of seed funding, startups are now able to offer salaries and bonuses that are more competitive with those offered by larger technology companies." 10 Disponível aqui; 11 Art. 1.119 do Código Civil: A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações. 12 Art. 1.116 do Código Civil: Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos. 13 Há diversos vídeos gratuitos sobre fusões e aquisições no canal CM&A - Center for M&A Studies (USP/PUC Rio), no Youtube. 14 Art. 2º, parágrafo 2º da CLT. 15 Art. 10 e 448 da CLT. 16 Hirata, Carolina, Bonus de Retenção, disponível em blog.grancursosonline.com.br, acessado em 31 de março de 2022. 17 art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.    18 Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. 19 art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.    20 RECURSO DE REVISTA. GRATIFICAÇÃO DE RETENÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. A matéria diz respeito à natureza jurídica da "gratificação de retenção" paga em duas parcelas ao reclamante, com o objetivo de manter o contrato de trabalho por 24 meses, de "01.01.2011 a 31.12.2012". Diversamente do que entendeu o eg. Colegiado a quo, não há como atribuir natureza indenizatória à parcela, uma vez que seu pagamento não visa ressarcir nenhuma perda do empregado, mas sim manter sua permanência na empresa em face de seu valor profissional. Ainda que seu pagamento não seja habitual, podendo ser feito de forma única ou parcelado, sua natureza é contraprestativa, se assemelhando às luvas pagas ao atleta profissional, prevista no art. 12 da Lei 6.354/76 (revogada pela Lei 12.395/2001) e no art. 31, § 1º, da Lei 9.615/98. Não obstante o reconhecimento da natureza salarial da parcela, seus reflexos devem ser limitados, uma vez que paga somente em duas parcelas na forma contratualmente prevista. Precedentes da Corte. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá parcial provimento. (RR-10926-64.2015.5.15.0004, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 21/11/2018, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/11/2018) (grifamos). 21 GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. REPERCUSSÕES (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 A gratificação semestral não repercute no cálculo das horas extras, das férias e do aviso prévio, ainda que indenizados. Repercute, contudo, pelo seu duodécimo na indenização por antiguidade e na gratificação natalina. 22 "CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. Período de apuração: 01/01/2010 a 31/12/2010. CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS À SEGURIDADE SOCIAL. BÔNUS DE RETENÇÃO. PROCEDÊNCIA DO LANÇAMENTO. O pagamento de bônus de retenção ou gratificação de permanência vinculado e abatido posteriormente com o pagamento de sua remuneração representa um ganho fornecido como resultante de uma contraprestação e se encontra dentro do conceito do salário de contribuição." Julgado do CARF citado por Hirata, Carolina, Bonus de Retenção, disponível em blog.grancursosonline.com.br, acessado em 31 de março de 2022.
Introdução A palavra "cyber" deriva da palavra grega "kubernan", a qual significa o controle, ou o governo de algo. Em 1948, o matemático e filósofo americano N. Wiener apresentou, pela primeira vez, a palavra cibernética, significando o estudo teórico dos processos de comunicação e controle, em sistemas biológicos, mecânicos, eletrônicos e computacionais, especialmente na comparação de processos em neurofisiologia e em linguística.   Recentemente, a palavra "cyber" tornou-se um prefixo popular para indicar tudo que seja associado à "internet" e computadores, incluindo-se os tratamentos nos meios digitais. Por sua vez, a palavra digital tem origem do latim digitalis, que é relativo aos dedos e aos tratamentos de dados em redes sociais e meios eletrônicos, já a palavra virtual, do dicionário, consiste naquilo que poderá vir a ser, a existir, a acontecer ou a praticar-se.  Estudiosos do assunto vêm utilizando as terminologias, virtual- harassment, cyber- harassment, digital e on line harassment, indistintamente, como sinônimas.  O assédio moral, também denominado "terror psicológico", traduz-se em uma série de práticas e comportamentos inaceitáveis, os quais acarretam danos de várias naturezas e que podem ser físicos, psicológicos, ou mesmo financeiros. A dignidade da pessoa humana é fundamento da Constituição Federal, artigo 1º, inciso III, e todos os direitos humanos, ao lado dos valores sociais do trabalho, artigo 1º., inciso IV, também, da Constituição Federal de 1988, integrando o patrimônio extrapatrimonial da coletividade, assim como de todos os indivíduos.  E a realidade atual, após uma pandemia que ameaçou o mundo, tirou vidas, empregos e destruiu famílias, de um lado empregadores e detentores do capital e das novas tecnologias e no polo antitético e subordinados a estes, trabalhadores, hipossuficientes, cada vez mais frágeis, mais vulneráveis, em um mundo permeado de algoritmos, onde os robôs já substituem os humanos em algumas tarefas. A omissão da empresa de proteger seus empregados, tutelando e brindando seus trabalhadores, com um meio ambiente de trabalho saudável e digno, gera danos crescentes ao ser humano, que em relações assimétricas sofre, cada vez mais, com a negligência de quem teria o dever de protegê-los e respeitá-los e não de se aproveitar da necessidade do ser humano, que precisa do trabalho, direito social e fundamental, para subsistir, principalmente com a utilização das novas tecnologias, cada dia mais invasivas da privacidade, intimidade e liberdades fundamentais.  O artigo 186 do Código Civil de 2002 dispõe que: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".1  Na sequência, o artigo 187, também do Código Civil, dispõe que: "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."2  O assédio moral, ou sexual, "digital" ou "cibernético" é aquele que ocorre por meio da utilização, de tecnologias digitais, as quais facilitam a comunicação e ao mesmo tempo, o assédio, em meios digitais, incluindo-se desde redes sociais, mensagens eletrônicas em WhatsApp e outras plataformas de troca de mensagens, mas esta modalidade, hoje mais frequente, geralmente deixa mais evidências, "pegadas digitais", o que tem o lado positivo porque também poderão ser utilizadas como meio de prova para punir-se o agressor e em algumas situações poderão ajudar a coibir e conter abusos.  Uma problemática é que o agressor se torna cada vez mais abusivo e invasivo, diante de meios eletrônicos e redes sociais, as quais influenciam e manipulam cada vez mais as pessoas, que se esquecem do mundo real e que são reais, vivendo e respirando em um mundo paralelo, como se a vida fosse um jogo eletrônico.   O homem torna-se uma máquina, ainda que pensante, mas por vezes mais irracional que a própria máquina e no momento em que o homem tenta criar máquinas "inteligentes", as quais se esmeram na tentativa de imitar a inteligência e o cérebro humano, ajudando o ser humano principalmente em tarefas mais árduas e repetitivas, do lado oposto, o homem, muitas vezes, esquece-se de seu lado humano e passa a imitar máquinas, sendo um ser frio e sem sentimentos e chegamos a um momento tão cibernético em que confundimos por vezes os seres humanos com os robôs, sendo estes cada vez mais humanos e os humanos cada vez mais robôs. Os algoritmos e as máquinas influenciam cada vez mais o comportamento humano. Pensemos no metaverso, quando o ser humano entra uma realidade paralela, virtual e que replica a realidade, por meio de dispositivos digitais. Esta nova realidade "aumentada", onde o ser humano se envolve e esquece sua própria entidade, pode gerar a acentuação das práticas abusivas, em destaque o assédio moral e até sexual, nas empresas, podendo ocorrer o assédio no mundo virtual, caracterizando-se neste momento o assédio moral e/ou sexual "virtual".   Assédio moral digital ou cibernético    O assédio cibernético ou digital, também denominado de cyber, on line, virtual, ou digital  bullying ou harassment consiste naquele realizado por meio de plataformas e meios digitais.  No assédio moral, ou terror psicológico digital, o agressor se utiliza da tecnologia para constranger, ameaçar ou intimidar uma pessoa, titular de direitos humanos.  O assédio digital inclui desde textos agressivos, intimidatórios, ameaças, ou comentários em redes sociais e outros meios eletrônicos O assédio moral é considerado uma das mais graves categorias de violência, harassment, bullying, ou mobbing, em inglês, em que uma determinada pessoa, denominado aqui "agressor", humilha, constrange, ofende e ataca a dignidade de outrem e consiste na exposição reiterada de trabalhadores a situações humilhantes e vexatórias, gerando risco e colocando sua vítima em risco psicossocial. A convenção 190 da OIT, ao lado da Recomendação Nº 206, conceitua o assédio como comportamento, violência ou mesmo ameaça que pode resultar em danos físicos, sociais ou psicológicos para os trabalhadores atingidos, protegendo a mulher contra as práticas de assédio moral.    O psicoterror, no ambiente de trabalho, está inserido na ideia de continuidade e constância. Na era da cibernética, com o aumento do contato, por meios digitais, dilui-se fronteiras espaciais, mas aumenta-se a ocorrência do assédio, enquanto as plataformas digitais e redes sociais facilitam a comunicação do agressor com a vítima, a invasão da privacidade e a exposição à violência online.    O assédio moral digital é um ato intencional e reiterado, cuja prática, por meio do uso de formas eletrônicas e da cibernética intensifica mais ainda suas consequências e a vulnerabilidade das vítimas, principalmente se somada à discriminação de gênero, origem racial e outras práticas discriminatórias, em grupos minoritários, sendo muito comum o agressor se aproveitar da condição de maior vulnerabilidade do ofendido por sua menor possibilidade de defesa imediata.   O assédio moral de gênero causa ofensa, deterioração, delapida e destrói os mais puros e lindos sonhos dos seres humanos, principalmente se consideramos os mais frágeis, os transformando em pesadelos, acarretando a perda e estragos ao seu mais valioso patrimônio jurídico. A prática de assédio é uma violência tão grave que costuma levar a vítima a problemas de saúde, físicos e psiquiátricos, causando sofrimento físico, sexual e/ou psicológico.  Acentuando-se a problemática, muitos trabalhadores somam esteriótipos e vieses discriminatórios, como gênero, origem racial, idade, deficiência ou por sua condição, ou status socioeconômico.  A vítima de assédio moral, ou sexual, este último na sua pior e mais degradante modalidade de assédio, tem sua honra e imagem agredidas. O assédio sexual resulta na degradação e humilhação da mulher, gerando um ambiente de trabalho hostil.   Assédio Sexual O assédio sexual, no trabalho, consiste em conduta, com implicações sexuais, podendo ser caracterizado como crime, positivado no código penal, quando por chantagem, nos termos do artigo 216-A, sempre que o agente agressor, vier a se prevalecer da sua condição de superior hierárquico, ou ascendência, inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Podemos citar, como exemplo de chantagem, a tentativa de troca pela obtenção de benefícios como a contratação, promoção, aumento de salário, ou a própria permanência no emprego.  Este pode incluir meros gestos, ou palavras, comentários e perguntas sobre aparência, estilo de vida e mesmo orientação sexual, além de telefonemas, e-mails, mensagens eletrônicas de whatsapp, de telegram, entre outras, ou reuniões on-line e contatos, principalmente em  mensagens privadas, ou  mesmo comentários no feed, ou em posts, em redes sociais da vítima.    Assédio sexual como crime cibernético  Mas o que é um crime cibernético ou digital? São todas as condutas positivadas na lei penal, como atos ilícitos. A lei 12.737 de 2012, a qual ficou também ficou conhecida como a "Lei Carolina Dieckmann" foi a primeira lei a tipificar os crimes digitais, ou cibernéticos, no Brasil, inserindo dispositivos ao Código Penal: o artigo 154-A acolheu comportamentos maliciosos e que ocorram nos meios digitais, incluindo-se a invasão de dispositivo eletrônico alheio e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa, ou tácita, do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita; o artigo 266 positivou como crime a interrupção ou perturbação de serviços eletrônicos e o artigo 298 incluiu a falsificação de cartão na falsificação de documento particular. No entanto, os crimes cibernéticos mais comuns são aqueles que já estavam anteriormente positivados no Código Penal e que passaram a ser praticados nos meios digitais, o que os facilita e acentua, utilizando-se o agressor da Internet apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado anteriormente pela lei penal. Logo, o assédio sexual por chantagem, já positivado há muito tempo no código penal, se praticado nos meios digitais, utilizando-se o agressor de meios digitais, passa a ser considerado crime cibernético puro, ou poderá ser misto se o agressor intercalar outros meios com os digitais.    Conclusão      Dentro dos valores de direitos humanos deve-se destacar o princípio da não discriminação de grupos minoritários, os quais já sofrem discriminações negativas, em destaque a violência de gênero e à mulher, no trabalho, que continua sendo uma das formas mais comuns de discriminação, inclusive por meios digitais com a evolução tecnológica, inserida nas novas e agressivas modalidades de assédio moral e sexual "cibernético", que pode ser cada vez mais acentuado e alcançar mesmo um mundo paralelo já com o metaverso, dominando as novas relações empresariais.  Deve-se assegurar e garantir de forma efetiva os direitos humanos dos trabalhadores, construindo-se uma sociedade cada vez mais justa, livre de estruturas sociais, vieses e estereótipos, com respeito à dignidade do ser humano, elevando-se os hipossuficientes e mais vulneráveis, em destaque os grupos minoritários, por meio de açoes afirmativas e práticas positivas, com o escopo de alcançarmos uma igualdade real e alcançar-se o equilíbrio social.   A uso da tecnologia, de forma ética, poderá nos auxiliar na proteção de direitos humanos e fundamentais dos mais vulneráveis no século atual e cada vez mais expostos a seus agressores, que se aproveitam das novas tecnologias para invadir cada vez mais a privacidade e intimidade de um ser humano já fragilizado por sua condição econômica e com necessidade de subsistência e que deve ser respeitado com igualdade, valores, dignidade e proteção, sabendo-se que por detrás de vários megapixels e dados, em um mundo contemporâneo de big data existem sonhos e corações reais e não apenas "virtuais", pessoas que precisas ser respeitadas.   __________ 1 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível aqui. Acesso em: 25 abril 2022. 2 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível aqui. Acesso em: 25 abril 2022.
A intimidade é um direito da personalidade do indivíduo trabalhador no âmbito da relação de emprego. Proteger a vida privada significa assegurar proteção a certos aspectos da vida íntima da pessoa que tem o direito de resguardá-los da intromissão de terceiros. Trata-se de uma prerrogativa de reservar seus assuntos íntimos só para si1. Alice Monteiro de Barros destaca que embora o direito do trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécies dos direitos da personalidade consagrados na Constituição Federal, são eles oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados independentemente de se encontrar o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis2. Nesse sentido é a posição de Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig, pela aplicabilidade dos elementos da teoria dos direitos da personalidade, especialmente os elencados no Código Civil de 2002, interpretados à luz da Constituição, para as relações trabalhistas.3 Para Alexandre Agra Belmonte, "no Direito brasileiro, vida privada e intimidade são bens jurídicos distintos". A vida privada seria o direito ou a liberdade de recato, isto é, "de viver a própria vida, frequentando os lugares que aprouverem ao indivíduo e na companhia de quem lhe interessar". Em síntese, "diz respeito ao comportamento do indivíduo na sua relação na vida social."4. Luiz Eduardo Gunther também relata um significado de maior restrição à palavra intimidade do que à palavra privacidade. Esta é o gênero do qual aquela é a espécie. Para o autor, "na intimidade a existência do segredo possui carga mais intensa do que na privacidade. Nesse sentido, na privacidade assegura-se ao empregado a faculdade de excluir do empregador o acesso a informações e impedir a divulgação dessas informações, que sejam capazes de afetar a sua sensibilidade. A intimidade, por seu turno, refere-se a aspectos mais recônditos da vida do trabalhador, aqueles que ele deseja guardar para si, isolando-os da intromissão do empregador".5 Ser uma pessoa é o único requisito para ter direito à dignidade e à igualdade, ou seja, não está sujeita à moral ou comportamentos. Ingo Wolfgang Sarlet afirma que a dignidade é atributo intrínseco ao ser humano e que, por isso, "mesmo daquelas que cometem ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração"6. A igualdade é a essência material da dignidade humana, estão elas intimamente correlacionadas, pois o sujeito que se reconhece pela existência de outros como sujeitos iguais a ele é merecedor do mesmo respeito de que é titular.7 Segundo artigo 3º da Constituição Federal/1988, "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." O artigo 5º, caput, da CF/88, estabelece ainda a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A noção de tratamento isonômico resulta automaticamente na proibição de tratamento discriminatório. Por isso, quando se traz o princípio da igualdade, sempre se associa a sua vertente negativa, a chamada "não-discriminação", que é a consequência direta da axiologia ao direito de tratamento igualitário a todos, sem distinção. Discriminação, para Maurício Godinho Delgado, é a diferenciação em vista de fator "injustamente desqualificante"8. A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo 1º, "a",  compreende discriminação nas relações de emprego toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, etnia, gênero, orientação sexual, idade, religião, convicção filosófica ou política, deficiência, situação familiar, ascendência nacional ou origem social, estado civil, doença, etc., que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão9. Na legislação infraconstitucional brasileira também se encontra expressa proibição de discriminação no âmbito laboral. A lei 9.029/95 estabelece em seu artigo 1º que "fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor, previstas no inciso XXXIII do artigo 7º. da Constituição Federal". Assim como a Convenção 111 da OIT, o legislador brasileiro protege o trabalhador em todas as fases da relação laboral (pré-contratação; durante o vínculo de emprego e na extinção do contrato). Discriminar é separar, segregar, desprezar, dar tratamento inferior a alguém em razão de critérios naturais ou sociais injustos e inferiorizantes. Repudia-se, exclui-se o indivíduo por puro preconceito. É uma das agressões mais traumáticas à dignidade humana, a que resulta em consequências psicológicas nefastas para a vítima, pois a desconsidera como pessoa. A lei 9.029/95 veda a conduta discriminatória "para efeito de acesso à relação de emprego ou sua manutenção" (art. 1º.), bem como no "rompimento da relação" (art. 4º.), o que demonstra que o legislador não limitou a configuração de atos discriminatórios apenas nos critérios de seleção, mas, também, durante o contrato de trabalho e no desligamento do empregado. Infelizmente, no Brasil, não são poucos os exemplos de condutas discriminatórias no trabalho, as quais destacamos: (i) não permitir que mulheres participem de reuniões; (ii) não conceder promoções a empregados em razão da cor da pele ou Estado de origem; (iii) delegar os piores trabalhos para afrodescendentes; (iv) determinar a dispensa somente dos empregados idosos; e (v) dispensar sumariamente trabalhador dependente químico ou com HIV (ao invés de encaminhá-lo para tratamento ou INSS). Sabemos que as pessoas são diferentes em relação à vários aspectos: origem, desejos, planos, condições físicas, escolaridade, credo, cor ou raça etc., porém, toda e qualquer diferença existente entre os indivíduos não os tornam mais ou menos importantes para o ordenamento jurídico, afinal, o fundamento dos princípios da igualdade e não-discriminação é ser humano. Por isso, incabível qualquer distinção, exclusão, dominação ou valoração baseado no gênero, raça, cor, opção sexual, condição física ou aparência, pois o único requisito para ser titular de direitos, em especial, à vida digna, é a existência humana10. A lei 9.029/95, com apenas seis artigos, representou avanço na defesa dos direitos de personalidade da pessoa trabalhadora, pois trouxe compensações e penalidades em face de quem promove atos discriminatórios no ambiente de trabalho. Embora o texto legal apresente algumas modalidades de práticas discriminatórias, o entendimento atual do TST é que o rol enumerado não é taxativo, permitindo sua extensão para outras formas de discriminação, a serem constatadas nos casos concretos examinados, inclusive porque a primeira parte do dispositivo, expressamente, refere-se a "qualquer prática discriminatória", permitindo, assim, a adoção de interpretação ampliativa, à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, a jurisprudência do TST em diversos casos de discriminação tem aplicado os dispositivos da lei 9.029/95, demonstrando o caráter não taxativo do rol previsto em seu art. 1º, na esteira da Convenção 111 da OIT (ratificada pelo Brasil), que estabelece que discriminação também é qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão (art. 1º, "b", da Convenção 111 OIT). Pois bem. Mas e a dispensa de empregado que se envolve amorosamente com o colega de trabalho? É uma prática ilegal e discriminatória? É certo que o empregador não pode impedir as pessoas de se envolverem, de se amarem e de se apaixonarem. Relacionamentos amorosos entre colegas de trabalho são situações corriqueiras da vida e a proibição de namoro entre empregados ofende a personalidade humana, a intimidade e a vida privada11. O ato de namorar faz parte dos direitos da personalidade, pois integra a essência do ser humano como condição da sua própria existência. Trata-se de um direito natural ou inato, condizente com a natureza humana e anterior ao Estado, o qual tem o dever de protegê-lo. A resilição contratual em razão de namoro com colega de trabalho demonstra grave ingerência patronal na vida particular do empregado, eis que nitidamente excede os limites do poder diretivo, causando constrangimento interna corporis, além de lhe expor, tornando insuportável essa exibição abusiva de sua vida íntima12. "Constitui, então, invasão de privacidade o empregador interferir no tipo de amizade nutrida pelo empregado, questionar se é homossexual, se deseja se casar ou se mantém um relacionamento íntimo com colega de trabalho na mesma empresa"13. Dallegrave Neto destaca que "a dispensa abusiva é caracterizada pela violação da própria regra permissiva; in casu, quando o empregador excede o seu abstrato direito potestativo de dispensa para dissimular, em concreto, um execrável ato de discriminação ou qualquer lesão a direito fundamental do empregado-cidadão"14. Como sabido, a existência do direito potestativo do empregador de promover a denúncia vazia dos contratos de trabalho não é suficiente para excluir da apreciação do Poder Judiciário a verificação de eventual ilegalidade no ato. Nesse sentido, o art. 187 do Código Civil veda o abuso de direito15. Por isso, não é "exercício regular de direito" discriminar as pessoas, seus empregados, em razão de se amarem ou se apaixonarem por colegas de trabalho, o que impede o reconhecimento de eventual razoabilidade na conduta do empregador no ato de desligamento. Mesmo assim a empresa pode proibir o relacionamento amoroso em código de conduta e aplicar justa causa? Proibir as pessoas de se apaixonarem e se relacionarem é inconstitucional por ofender os direitos fundamentais de personalidade. Porém, é possível regular o comportamento dos empregados (decorrentes do namoro) dentro da empresa para que este não prejudique a produtividade através de um código de conduta ou regulamento empresarial. Em outras palavras, discrição e respeito no ambiente de trabalho evitam constrangimentos ao casal e aos superiores. Por isso que beijos exagerados, relações sexuais ou brigas (cenas de ciúme) são considerados condutas impróprias e constrangedoras, podendo levar à dispensa por justa causa, pois afeta o clima organizacional. Relembramos que justa causa é toda falta do empregado que, por sua natureza ou repetição, abala significativamente a confiança e a boa-fé, tornando intolerável a continuidade da relação de emprego. Em razão do empregador assumir os riscos do negócio e do próprio trabalho, pode ser responsabilizado (por ação ou omissão) pelos atos dos seus empregados. E, nesse ponto, o art. 482 da CLT traz causas de dispensa motivada do trabalhador, entre elas, a alínea "b" (Incontinência de conduta ou mau procedimento). Incontinência de conduta ou mau procedimento é uma espécie de contravenção praticada pelo empregado, que atinge a moral (excluído o sexual) e as boas práticas empresariais, na qual pode se enquadrar atitudes decorrentes do namoro, principalmente se os mesmos exagerarem no padrão de conduta dentro da organização. De outro lado, oportuno destacar que atos de namoro dentro da empresa também podem causar outro motivo para justa causa, que é a desídia, ou seja, quando o empregado é relapso, improdutivo, desinteressado para com as demandas do empregador, como, por exemplo, a interrupção constante do serviço para envio de mensagens apaixonadas. Em arremate, também é considerado ato ilícito a transferência de um dos empregados de departamento ou filial sob a alegação de relacionamento amoroso. Porém, como observado, não havendo repercussão no ambiente de trabalho, não há que se penalizar a conduta do trabalhador, pois oportuno relembrar que a subordinação jurídica da relação empregatícia diz respeito tão somente à forma de prestação dos serviços e com os elementos que a envolvem, ou seja, está restringida ao âmbito da prestação de serviços, não podendo interferir o aludido poder do empregador sobre os aspectos da vida particular e privada do trabalhador16. ________________ 1 LOBO, Eugenio Haddock e LEITE, Júlio César do Prado. Comentários à Constituição Federal. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1989, vol. I., p. 36 2 BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997, p. 32. 3 GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O Direito da Personalidade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. In DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (coord.), O Impacto do Novo Código Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2003, p. 124 e ss. 4 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas relações de trabalho: limites e reparações das ofensas às liberdades de consciência, crença, comunicação, manifestação do pensamento, expressão, locomoção, circulação, informação sindical e sexual do trabalhador. São Paulo: LTr, 2013. p. 183-185. 5 GUNTHER, Luiz Eduardo. Privacidade e Intimidade como Direitos da Relação Empregatícia. In: GOULART, Rodrigo Fortunato; VILLATORE, Marco Antônio. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho: reflexões atuais: homenagem ao Professor José Affonso Dallegrave Neto. São Paulo: LTr, 2015. p. 267. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. Ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 44. 7 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. Ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 117. 8 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019, p. 776. 9 Relembrando que Tratado ou Convenção é um acordo formal internacional, multilateral, de caráter normativo, que, a partir de sua ratificação, que passa a integrar a legislação interna, sem limite de prazo. No Brasil, as Convenções do OIT possuem status de Tratados de Direitos Humanos (Art. 5º. § 2º. CF/88), sendo que a Convenção nº 111 da OIT sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 104, de 24 de novembro de 1964, com entrada em vigor em 26 de novembro de 1966. 10 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não-discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 64. 11 DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETORNO AO SERVIÇO OU INDENIZAÇÃO DOBRADA. FACULDADE DO TRABALHADOR. Procedimento patronal no sentido de proibir relacionamentos afetivos (namoro) entre empregados de uma mesma filial configura atitude ilícita, envolvendo a espera privada da vida do trabalhador. Dispensa discriminatória. Por esse motivo, faculta ao trabalhador optar entre o retorno ao serviço ou indenização dobrada. Proc. TRT12 RO n. 0002091-65.2015.5.12.0006 - Segunda Turma - Relator: Juiz Convocado Reinaldo Branco de Moraes - publicado no DEJT em 20-04-2016. 12 TRT12. Sessão em 28/11/2019, ATORD 0000750-27.2018.5.12.0029, Relator: Exmo. Des. Amarildo Carlos de Lima. 13 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Direitos da personalidade do trabalhador e correio eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3836, 1 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26273. Acesso em: 11 jan. 2022. 14 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 2. ed., São Paulo: LTr, 2007. p. 346. 15 Código Civil. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 16 TRT12. Sessão em 28/11/2019, ATORD 0000750-27.2018.5.12.0029, Relator: Exmo. Des. Amarildo Carlos de Lima.
Não é novidade que a Lei da Reforma Trabalhista trouxe alterações para a CLT que, mesmo decorridos quatro anos de sua edição, despertam discussões e dissensos junto à doutrina e à jurisprudência trabalhistas. Recentemente, um dos pontos controvertidos decorrentes da lei 13.467/2017, o qual diz respeito à condenação do beneficiário da justiça gratuita no pagamento dos honorários periciais e advocatícios da parte contrária, foi objeto de relativa pacificação pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 5.766, em que foi declarada a inconstitucionalidade de parte dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT. A expressão "relativa", utilizada acima, tem sua razão na medida em que não houve, até a presente data, a disponibilização da íntegra da referida decisão nem mesmo a modulação de seus efeitos, o que implica em diversas questões bastante polêmicas, a exemplo da possibilidade de ajuizamento de ações rescisórias frente às decisões judiciais transitadas em julgado ou de repetição de indébito, visando a devolução dos valores recebidos por advogados em ações trabalhistas a título de honorários advocatícios sucumbenciais. O fato é que os artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas declarados inconstitucionais colidiam com os direitos fundamentais à assistência jurídica integral e gratuita e ao do acesso à justiça, previstos no artigo 5º, incisos LXXIV e XXXV, da Constituição Federal de 1988, respectivamente. Todavia, a despeito do julgamento da ADI 5.766 refletir a prevalência da garantia de direitos fundamentais constitucionalmente previstos sobre os artigos 790-B, caput e §4º c/c 791-A, §4º, da CLT, subsiste o debate acerca da constitucionalidade de outro artigo modificado pela Lei nº 13.467/2017, qual seja, o artigo 790, §4º, da CLT. O presente artigo não discorrerá sobre este mencionado debate; ao revés, o objetivo aqui é perquirir outra discussão existente em torno do mencionado artigo celetário, a saber: a relativa à interpretação que deve ser conferida ao §4º do artigo 790/CLT no tocante às condições de concessão do benefício da justiça gratuita. Com efeito, a justiça gratuita se trata de benefício consistente na possibilidade de a parte postular em juízo sem ter de arcar com as despesas do processo ante sua insuficiência de recursos1. A grande maioria da doutrina trabalhista defende que o benefício da gratuidade judiciária decorre do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, assim entendido como o direito garantido ao indivíduo que não possui recursos financeiros ao auxílio extrajudicial e à assistência processual, com vistas à obtenção de informações antes da propositura da demanda e de condições estruturais para seu ajuizamento e prosseguimento sem qualquer ônus (artigo 5º, LXXIV, da CF/88)2. Também resta compreendido no direito fundamental da assistência jurídica integral e gratuita a assistência judiciária, que se refere ao direito da parte que comprovar insuficiência de recursos de ter um advogado patrocinado pelo Estado.3 Há, no entanto, outra linha doutrinária que sustenta que a justiça gratuita deriva do direito de acesso à justiça, disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, implicando, portanto, em um benefício de natureza processual que visa garantir o acesso do cidadão aos Tribunais mediante a eliminação do entrave econômico4. Indiscutivelmente, o benefício da justiça gratuita representa ferramenta processual essencial à concretização dos direitos de acesso à justiça e à assistência jurídica integral e gratuita. Nesse prumo, com a Lei da Reforma Trabalhista a gratuidade judiciária passou a ser regulada pelo artigo 790 da CLT, §§3º e 4º, que assim dispõem: "§ 3o  É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. § 4o  O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo."  Portanto, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017, as condições para a concessão da justiça gratuita são: (i) percebimento de salário não superior a 40% (quarenta por cento) do teto dos benefícios da previdência social; e (ii) comprovação de insuficiência econômica para arcar com as despesas do processo. Conforme afirma Miessa5, a interpretação e aplicação do disposto nos §§ 3º e 4º do artigo 790 da CLT pode seguir duas linhas divergentes. A primeira segue no sentido de que as condições previstas na norma celetária em comento devem ser aplicadas de forma cumulada, concedendo-se a gratuidade da justiça à parte que receber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social e que comprovar a insuficiência de recursos para o pagamento das despesas processuais. A segunda linha interpretativa, por sua vez, segue na direção de que a aplicação dos §§ 3º e 4º do artigo 790 da CLT deve ocorrer de forma separada, independente, de modo que a concessão da justiça gratuita se condiciona ao atendimento do requisito objetivo (descrito no § 3º do artigo 790 da CLT) ou da comprovação do critério subjetivo (constante do artigo 790, §4º, CLT). Entrementes, é indiscutível que na hipótese da parte perceber salário mensal não superior ao patamar expresso no §3º do artigo 790 da CLT há a presunção legal de insuficiência de recursos, restando cabível a concessão da justiça gratuita6. A questão contorvertida abarca aqueles que perceberem salário superior ao equivalente a 40% do limite máximo dos benefícios da previdência social, haja vista que a comprovação de insuficiência financeira passou a ser condição para concessão do benefício da gratuidade (790, §4º, CLT), especialmente em razão da Lei Trabalhista não dispor acerca de quais provas são necessárias para comprovação do estado de hipossuficiência do requerente do benefício. Diversos juristas, a exemplo de Souto Maior7, defendem que a previsão legal contida no §4º do artigo 790 da CLT representa verdadeiro retrocesso do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que na própria Justiça do Trabalho já havia se consolidado o entendimento de que por simples declaração feita pela parte ou por seu procurador poderia se comprovar a insuficiência de recursos para fins de obtenção do benefício da gratuidade judiciária (OJ nº 304/SBDI-I/TST -  cancelada em decorrência da sua aglutinação ao item I da Súmula nº 463 do TST). Legalmente, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência econômica deduzida por pessoa natural (artigo 99, §3º, CPC), de modo que, aplicando-se subsidiariamente tal dispositivo ao processo do trabalho à pessoa que declarar não possuir recursos para arcar com as despesas processuais deve ser concedido o benefício da justiça gratuita (artigos 769 da CLT e 15 do CPC). Neste sentido, dada a presunção legal da situação hipossuficiente do requerente da gratuidade, resta dispensável a produção de provas, conforme, inclusive, decorre do artigo 374, IV, do CPC. Deveras, a dilação probatória relativa ao preenchimento das condições para concessão do benefício em questão somente é cabível caso haja nos autos elementos que evidenciem a inexistência de situação de hipossuficiência econômica do requerente (artigo 99, §2º, CPC). Assim sendo, é possível interpretar o §4º do artigo 790 da CLT em sincronia com o artigo 99, §3º, do CPC, considerando a declaração de pobreza assinada pela parte ou por seu advogado com poderes especiais para tanto prova suficiente para concessão da gratuidade da justiça. Tal interpretação alcançaria os incisos XXV e LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, possibilitando ao trabalhador que vem em juízo pleitear direito não observado pelo empregador, acesso efetivo à justiça com o desempenho da assistência judiciária integral e gratuita. Nesta linha de raciocínio, aliás, destacam-se as recentes decisões da 3ª Turma do Colendo TST, de lavra do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte - proferido no processo RRAg-662-54.2018.5.08.0011 - publicada no DEJT em 18/02/2022, assim como da 5ª Turma da Corte Superior Trabalhista (Ag-RRAg-1001410-91.2018.5.02.0090, 5ª Turma, Redator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 04/03/2022). De forma oposta, porém, há a interpretação do §4º do artigo 790 da CLT, exigindo-se a comprovação da condição de miserabilidade declarada pelo trabalhador, para fins de concessão da gratuidade judiciária, mesmo frente à apresentação de declaração de hipossuficiência firmada pela parte, sob o fundamento de que, inobstante os direitos fundamentais previstos nos inciso XXXV e LXXIV do artigo 5º da CF, à lei processual cabe dispor sobre os modos e condições em que se dará o acesso à justiça e a gratuidade judiciária, tal como faz a CLT com as alterações da Lei nº 13.467/2017. (RR-10559-71.2019.5.03.0024, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 18/02/2022). Parece que este posicionamento, s.m.j., contraria a tradição da Justiça do Trabalho quanto às condições para concessão da justiça gratuita, de modo que resta esperançar que, o mais brevemente possível, seja esta questão controvertida objeto de pronunciamento definitivo por parte do Órgão de Cúpula do Tribunal Superior do Trabalho. __________ 1 CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Súmulas, OJs do TST e recursos repetitivos - comentados e organizados por assunto. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 1124. 2 CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O direito fundamental à assistência judiciária gratuita prestada pelo Estado e seus desdobramentos com a reforma trabalhista. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 9, n. 84, p. 64-71, dez. 2019/jan. 2020. Disponível aqui. 3 SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 17. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 411. 4 MIZIARA, Raphael. Honorários advocatícios sucumbenciais no processo do trabalho: fundamentos teóricos e aplicações práticas. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 95. 5 MIESSA, Élisson. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 333. 6 MIESSA, op. cit., p. 337. 7 Disponível aqui.
São comuns e muito frequentes as reclamações trabalhistas com requerimentos por declaração judicial de labor em condições insalubres com reflexos em vantagem na seara previdenciária, no sentido de se reconhecer a contagem especial de tempo para fins de aposentadoria do trabalhador. Contudo, pelo que se depreende da legislação vigente, tem-se que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar e julgar esses pleitos, na medida em que tal pretensão extrapolaria os seus limites jurisdicionais. Nesse prumo, a Justiça Especializada possui competência apenas para executar as contribuições sociais, dentre as quais a previdenciária, decorrentes das sentenças que proferir, inclusive com entendimento restritivo consubstanciado na Súmula 368, item I do TST1. Mesmo com a ampliação do leque de atividades jurisdicionais e competências da Justiça do Trabalho, em razão da Emenda Constitucional 45 de 2004, ainda assim não caberia à Justiça do Trabalho executar ou analisar demais situações referentes à Previdência Social, nos termos do inciso VIII do artigo 114 da Constituição Federal. Inclusive, é oportuno referir que, mesmo provocado por meio de ação judicial específica, o Juízo Trabalhista não pode tampouco determinar em decisão declaratória que o INSS reconheça ou averbe tempo de serviço para finalidade de jubilamento especial, admitindo-se a impetração de mandado de segurança caso o faça, consoante a Orientação Jurisprudencial 57 de SDI-II do Tribunal Superior d Trabalho - TST2. Ainda no tocante à incompetência trabalhista para a finalidade em exame, merece atenção o quanto previsto no artigo 71 da Instrução Normativa 77 do INSS, de 21 de janeiro de 2015, que dispõe que "a reclamatória trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só, não produz efeitos para fins previdenciários". Ultrapassada a questão evolvendo a (in)competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pleitos declaratórios por averbação de tempo especial para aposentadoria, urge esclarecer definitivamente que o adicional de insalubridade não se confunde com condição especial de trabalho para fins previdenciários. Com previsões no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal c/c artigo 189 e seguintes da CLT, o adicional de insalubridade corresponde ao direito trabalhista devido ao empregado3 quando este laborar em situação exposta a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos que estão previstos na Norma Regulamentadora 15 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Previdência. Trata-se, portanto, de um direito consagrado e reconhecido pela legislação trabalhista e, destarte, completamente compatível com as ações que tramitam na Justiça do Trabalho. De outro lado, com base no artigo 57 da lei 8.213/92 c/c artigo 70 do Decreto 3.048/99 (que justamente regulamenta a Lei dos Benefícios Previdenciários - lei 8.213/91), a aposentadoria especial é um benefício previdenciário garantido ao trabalhador segurado pelo Regime Geral de Previdência Social. Ora, nada mais é do que uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado pelo trabalhador em condições nocivas à saúde. É concedida para quem trabalha nessas condições por 15, 20 ou 25 anos. Para ter reconhecido este direito previdenciário o trabalhador precisa comprovar, além do tempo de trabalho, a efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos efetivamente previstos no Anexo IV do Decreto 3.048/99. Outras atividades que não estejam relacionadas nesse Anexo, por mais nocivas, penosas ou até mesmo consideradas insalubres na esfera trabalhista que possam ser, não serão classificadas como geradoras ao direito à aposentadoria especial. Esta abordagem das esferas das normas aplicadas ao Direito do Trabalho, no tocante ao adicional de insalubridade e ao Direito Previdenciário, acerca da aposentadoria especial, já demonstram que se trata de institutos manifestamente distintos e que não oferecem confusão entre si. Por fim, constitui-se em erro crasso pretender-se perante a Justiça do Trabalho a realização de inspeção pericial técnica, a retificação do PPP do trabalhador e a declaração de que a condição insalubre seja considerada para o reconhecimento de tempo na concessão do benefício da aposentadoria especial. _______________ 1 SÚMULA 368 do TST. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPOSTO DE RENDA. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO. FORMA DE CÁLCULO. FATO GERADOR.  A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição. 2 ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 57 DA SDI-II DO TST. MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO E/OU RECONHECIMENTO - Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço). 3 Nesse sentido é oportuno citar o artigo 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.  
O trabalho intermediado pelas plataformas digitais cresceu nos últimos anos com as empresas de economia colaborativa de compartilhamento de serviços. Ao intermediarem as relações entre prestadores de serviços e consumidores finais, o modelo de relação trabalhista usado é o contrato de adesão, no qual o prestador de serviços não se enquadra como empregado, mas como prestador de serviços autônomos. Porém, a classificação conferida a esses trabalhadores não corresponde à realidade vivenciada. Verifica-se a precariedade dessas condições de trabalho, já que a ausência de regulamentação legislativa específica do trabalho sob demanda por meio de aplicativos deixa tais profissionais em uma zona "cinzenta" em face das tradicionais categorias do direito do Trabalho, restando até o momento ao Poder Judiciário a solução desse impasse. Com a pandemia de covid-19, as condições desfavoráveis de prestação de serviços através das plataformas digitais são evidências da inexistência de garantias mínimas de direitos sociais, apesar desses trabalhadores serem cada vez mais essenciais à sociedade. A nosso ver o avanço tecnológico beneficia a sociedade como um todo, embora parte dos trabalhadores sejam prejudicados. Por isso, há a necessidade de usar as tecnologias como aliadas como bem preceitua a nova declaração sobre direitos e princípios digitais da comissão europeia que visa dotar todos os cidadãos de um ponto de referência sobre o tipo de transformação digital que a Europa defende visando o respeito dos direitos dos cidadãos relativas às questões on line. Em razão da crise socioeconômica e índices de desemprego nunca registrados, o número de entregadores aumentou consideravelmente, consolidando a informalidade como única alternativa de sobrevivência para esses profissionais. Ocorre que, apesar das paralisações efetuadas, conhecidas como "breques dos aplicativos" as reivindicações não foram atendidas, como narra um entregador de aplicativo que efetua entregas há mais de quinze anos, mencionando que: "fizemos a paralisação e os caras não cederam em nada. As taxas estão cada vez piores. Esses dias peguei uma corrida por R$ 3,60 para andar um raio enorme. Está pior do que já estava. Fica quem não tem outra opção. A gasolina aumenta, mas as taxas não"1. A superexploração desses trabalhadores e a exposição constante de contaminação fizeram com que os entregadores continuassem enfrentando condições de trabalho tão ou mais precárias do que no início da primeira onda da pandemia. Como as reivindicações efetuadas não tiveram o efeito de alterar o modus operandi do trabalho desses profissionais, foi promulgada a lei 14.297/22, visando à proteção dos entregadores que trabalham por meio de aplicativos durante a pandemia de covid-19. Porém, destaca-se o caráter temporário da legislação, e, mais, que essas medidas de proteção asseguradas ao entregador nesse período realmente não protegem todo e qualquer trabalhador sob demanda via aplicativo, mas apenas os entregadores que prestam serviços via plataformas digitais. As medidas previstas visam a higidez do meio ambiente laboral buscando a sadia qualidade de vida e segurança do trabalhador, compreendendo: (i) indenização em caso de acidente; (ii) o dever de assistência da empresa de aplicativo de entrega em razão do afastamento do entregador devido à infecção pelo coronavírus, prevendo assistência financeira pelo período de 15 dias, podendo ser prorrogado por mais dois períodos de 15 dias, mediante apresentação do comprovante ou do laudo médico que justifique o afastamento do entregador, cujo auxílio deve ser calculado de acordo com a média dos três últimos pagamentos mensais recebidos pelo entregador. Além disso, pela função social da empresa de aplicativo, deve ser fornecido ao entregador informações sobre os riscos do coronavírus e cuidados necessários para se prevenir do contágio e evitar a disseminação da doença. E, de igual sorte, a empresa fornecedora do produto ou do serviço deverá permitir que o entregador utilize as instalações sanitárias de seu estabelecimento, bem como garantir acesso do entregador ao consumo de água potável2. Embora a lei tenha sido extremamente benéfica, esta não supre as necessidades dos trabalhadores que precisam de proteção contínua. A CF/88 estabelece, em seu art. 7° inciso XXII, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nessa perspectiva, verifica-se que os entregadores não recebem o mesmo tratamento conferido aos empregados, tendo em vista não estarem enquadrados nessa categoria ao prestarem serviços por meio das plataformas digitais. Cita-se como exemplo, o trabalho desses profissionais durante enchentes, sendo negligenciados pelas empresas de delivery. Ao contrário da cidade de Nova York que editou um conjunto de leis para garantir e melhorar as condições de trabalho de forma perene, além de estabelecer pagamentos mínimos para entregadores de aplicativos de delivery, e na Espanha com a edição da lei rider, no Brasil a proteção desses trabalhadores deveria ser, igualmente, em caráter definitivo, sob pena de afronta aos direitos sociais e de personalidade desses trabalhadores. Dentre as garantias previstas pela legislação de Nova York estão uma série de prerrogativas que dão maior escolha e flexibilidade aos entregadores. Por exemplo, poderão escolher uma distância máxima por viagem e vetar trajetos que passem por pontes ou túneis. Além disso, os aplicativos de alimentos não podem mais cobrar dos entregadores os custos financeiros dos repasses, que devem ser feitos pelo menos uma vez por semana; é preciso que os aplicativos informem previamente o tempo de viagem, local de retirada e de entrega dos serviços; há expressa impossibilidade de cobrança dos entregadores por sacolas térmicas; prévia estipulação em contrato efetuado entre os aplicativos e restaurantes de cláusulas estabelecendo que entregadores podem utilizar o banheiro do local em que estiverem entregando comida; as compensações de trabalho, incluindo gorjetas, têm que ser notificadas aos trabalhadores, diariamente; e, por fim, a lei estabelece, ainda, que autoridades públicas realizem estudo de mercado de delivery e estabeleçam uma remuneração mínima aos trabalhadores. A formalização dessas relações de trabalho prestado a todos que atuam na economia compartilhada deve ser prioridade governamental já que estas pessoas estão colocando suas vidas em risco, ganhando muito pouco e trabalhando intensamente, em uma lógica cada vez mais precária e concorrencial entre si. De qualquer modo, empresas de plataforma começam a promover melhorias para seus colaboradores. Por exemplo, a empresa iFood vem desenvolvendo uma série de ações para melhorar seus ganhos. Por isso, a fim de minimizar o impacto do custo dos combustíveis para os entregadores, a iFood criou um fundo temporário de R$ 8 milhões. Outra medida adotada pela empresa é o Delivery Vantagens. Este programa oferece pacotes com descontos em serviços de manutenção de motos, como troca de óleo, pneus e conserto, vantagens na compra de alimentos e materiais de educação, além de assistência médica e odontológica a preços subsidiados. Além disso, no final de dezembro, aconteceu o 1º Fórum de Entregadores do Brasil. A iniciativa reuniu o iFood e 23 representantes da categoria. Durante três dias, foram definidas prioridades e estabelecidos compromissos perante os entregadores na busca de melhorias das relações com os entregadores3. Assim, enquanto o direito do trabalho tenta se adaptar às novas necessidades do mercado, equilibrando o princípio da livre iniciativa com os valores sociais do trabalho, a ausência de qualquer proteção jurídica dá ensejo a abusos por parte dos aplicativos do seu poderio econômico, explorando a mão de obra dessa atividade que hoje é tida como essencial. Por outro lado, em arremate, as plataformas estão conscientizando-se e buscando garantir melhores condições de vida a esses trabalhadores enquanto se aguarda um posicionamento estatal a proteger esses trabalhadores. _____ 1 Um ano de pandemia: entregadores de aplicativo relatam piora em condições de trabalho. Disponível aqui.  2 Lei 14.297/22. Disponível aqui. 3 IFood desenvolve ações para melhorar os ganhos dos entregadores parceiros. Disponível aqui.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Reforma trabalhista: passado, presente e o futuro

Com quase cinco anos da lei 13.467/17, já podemos dizer que a "reforma trabalhista" já possui uma história dentro de nosso ordenamento jurídico. Desde o seu nascimento, a referida legislação veio com o discurso de inovação nas leis trabalhistas, uma vez que a consolidação originalmente nascida em 1943 necessitava de adequações ao cenário atual de trabalho, bem como equilibrar as relações de trabalho, gerando com isso maiores ofertas de emprego. Contudo, as ofertas de emprego jamais ocorreram da forma pretendida. Podemos observar que, em 2016, o índice de desemprego ficou em 11,9%1, e, posteriormente, em 2018, este índice se elevou a 13,1%2. Isto sem contar os reflexos da pandemia que se iniciou em 2021, o que fez saltar este percentual para 14,6%3. As alterações realizadas pela lei 13.467/17 não trouxeram um viés de alavancar as ofertas de emprego, vindo apenas a regular algumas relações de trabalho, adequando-as ao atual cenário, uma vez que concebidas no século passado. É desnecessário o debate no sentido de que tal legislação restringiu direitos dos trabalhadores e sindicatos, sendo estes últimos os mais afetados. Para que as ofertas de emprego sejam reais, é necessário que exista uma economia forte, com uma boa oferta e procura de bens e serviços a fim de propiciar que a moeda circule na mão de todos, sejam empresários e trabalhadores. Vemos isso mais claramente se analisarmos o abismo criado pela pandemia que, por conta do enfraquecimento dos estabelecimentos comerciais, gerou o elevado índice de demissões, despencando a oferta de emprego, isso sem contar o encerramento das atividades de vários estabelecimentos, em geral de micro e pequeno porte, que não tiveram condições de se manter. A oferta de emprego passa pelas mãos do empresário, que necessita que seu produto seja vendido, e com o alavancar de seu negócio necessita cada vez mais de trabalhadores para que seu estabelecimento prospere. Fica assim claro que qualquer mudança legislativa realizada em nossa consolidação das leis do trabalho em nada colaborou com este cenário. E não podemos deixar de lado diversas imperfeições que a lei 13.467/17 trouxe em nosso ordenamento trabalhista, sendo a mais discutida aquela quanto ao acesso à Justiça. Isto porque, com a implantação do art. 791-A da CLT, foi instituída a possibilidade de condenação em honorários advocatícios, independe da concessão do benefício da gratuidade de justiça aos trabalhadores, desde que o percebessem no processo sub judice ou em outros créditos capazes de suportar esta despesa. O referido artigo destoa completamente de tudo o que já foi normalizado em nossa nação até hoje. Trazemos para uma comparação analógica, a qual nos parece mais adequada para solução deste debate, o rito processual dos Juizados Especiais Cíveis. Nestes, as decisões proferidas em primeira instância não atribuem condenações em honorários advocatícios, independente da concessão ou não da gratuidade de justiça. A condenação da referida verba honorária somente é passível de postulação em sede recursal. Diante das inúmeras discussões quanto ao tema, essa polêmica foi objeto da ADIn 5.766, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o qual proferiu voto dando procedência em parte para fazer interpretação conforme à Carta da República dos dispositivos impugnados, assentando como teses de julgamento: "1. O direito à gratuidade de Justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e honorários a seus beneficiários; 2. A cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir i) sobre verbas não alimentares, a exemplos de indenizações por danos morais, em sua integralidade; ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do regime geral de previdência social quando pertinentes a verbas remuneratórias; 3. É legítima a cobrança de custas judiciais em razão da ausência do reclamante à audiência mediante sua prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento." Contudo, o seu entendimento não foi acolhido pelos demais membros da Suprema Corte, a qual, ao final, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADIn, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, §4º, da CLT - Consolidação da Leis do Trabalho. Vemos que a declaração de inconstitucionalidade afetou o parágrafo 4º do art. 790-A da CLT, afastando, assim, a possibilidade de condenação em honorários advocatícios nos casos em que os trabalhadores percebessem créditos capazes de suportar tal despesa processual. Em outras palavras, o mencionado diploma legal que, outrora, foi considerado um inibidor de reclamações trabalhistas sob o aspecto que o trabalhador ter que arcar com valores mesmo que beneficiário de gratuidade de justiça, agora se torna um estimulante para a prática de interposição indiscriminada de ações e pedidos, vez que isto poderá onerar ainda mais as empresas nestas demandas em percentual de 5% a 15% a título de verba honorária sucumbencial. E há quem possa argumentar: mas os juízes podem condenar os reclamantes pela prática de incidente manifestamente infundado com fulcro no art. 793-B da CLT, instituto este trazido com a "reforma trabalhista"? Entrementes, desafio qualquer patrono que milita na seara trabalhista a apresentar quantas vezes viu alguma condenação neste sentido, ou mesmo semelhante com fulcro no art. 80 CPC. Certamente encontraremos poucas alusões destas possíveis condenações. Mas nem tudo são espinhos na lei 13.467/17. Por ser uma legislação de 1943, a CLT não acompanhou a evolução de nossa nação, sem contar os mais diversos avanços tecnológicos ao longo de quase 80 anos de sua existência. Certas modalidades de trabalho são contempladas até hoje, como as ferroviários, enquanto outras foram instituídas depois de muitos anos, como os motoristas em 2012. Acontece que a "reforma trabalhista" trouxe algo inovador que está mudando completamente o cenário das contratações em nosso país: o teletrabalho. Amplamente difundido em vários países, o home office está cada vez mais se tornando uma prática em grandes corporações e escritórios, que traz diversos benefícios para ambas as partes, empregados e empregadores. As maiores queixa dos sindicatos sempre foram as longas jornadas de trabalho que desgastavam os trabalhadores, não propiciando a estes de usufruir de uma vida social, sem contar as longas distâncias até chegarem ao local de trabalho. Com o teletrabalho, boa parte dessas queixas foram suprimidas, pois o empregado trabalha diretamente de sua residência, sem ter que se deslocar para realizar atividades presenciais, com exceção a reuniões e atividades pontuais, tendo, por vezes, horários mais flexíveis para realizar as suas atividades, estando inclusive mais próximo de seus familiares. Já em relação aos empregadores, a vantagem do teletrabalho se encontra na diminuição de espaços e menores gastos com as atividades presenciais. Ainda que os custos do trabalho sejam arcados pelo empregador, estes são infinitamente menores que a manutenção de uma rede física local, não necessitando de grandes espaços para alocar todos os funcionários, fazendo com que as empresas procurem ambientes menores apenas para alocação de parte de sua equipe, quando necessário. E não podemos deixar de mencionar a grande economia com o deslocamento do trabalhador até o local de trabalho, desafogando um pouco suas expensas com os funcionários.  O fato é que a "reforma trabalhista" levantou uma questão importantíssima em relação à legislação trabalhista: ela necessita de profundas modificações e adaptações, e não apenas uma série de "retalhos" para tentar amenizar os anseios desta ou daquela classe de empregados e empregadores. Uma "real reforma trabalhista" deve ser amplamente difundida por todos as camadas de nossa sociedade, para que essa sim traga o devido equilíbrio diante do panorama digital e social que estamos vivenciando em nossa nova etapa de profissionais 2.0. _____ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Disponpivel aqui.
O filme "A Filha Perdida", sucesso do NETLIX e indicado à lista do IFSA - Independent Film Spirit Awards, é baseado no livro da italiana Elena Ferrante1. Ambos tratam de um drama psicológico imbricado com tensões contemporâneas nada romantizadas, descritas em três livros2. Em tom de linguagem mais crítica, exibem-se os diferentes momentos de vida de uma mulher, sua autoimagem e a percepção da reiteração de estereótipos que a desvalorizam, por limitá-la a papéis sociais, estreitos de oportunidades e cerceadores de novas aspirações, provenientes de um mundo que apregoa a igualdade de gênero. Desse modo, mediante trajetórias femininas, o filme retrata duas personagens principais: a primeira é Leda, a professora universitária, de idade superior aos 40 anos, que atingiu independência financeira, emocional, acadêmica e se questiona por essas conquistas, num vaivém temporal introspectivo; a segunda é Nina, a jovem mãe com menina pequena que espelha o passado, as agonias e traços da família napolitana de Leda. Leda é uma anti-heroína da família, divorciada, infiel e não foi a mãe em tempo integral que renunciou seu doutorado, para se dedicar às filhas, enquanto exclusivamente seu marido estudava. Nada disso. Leda é a mulher que tenta conciliar todos os papéis impostos pela sociedade e os derivados de suas escolhas, conciliando desejos femininos, frustrações laborais e demandas da maternidade, que, por vezes, pareceram fracassar diante de expectativas sociais não atingidas, seja por sua imperfeita condição humana, seja pela vontade de não ser reduzida a cuidadora da família, a dona de casa ou a objeto sexual de seu marido. Ainda, no filme, não há mulheres em disputa, pois existe a sororidade habilmente roteirizada e interpretada por atrizes de linguagem corporal intensa e olhares profundos, por vezes enigmáticos, outras vezes desacreditados, mas fortemente conectadas pelos mesmos questionamentos. Entre ambas as mulheres, passado e futuro espelham-se, por isso elas se confortam e se solidarizam, mitigando as mazelas do preconceito sexual que estrutura a sociedade cognitivamente presa aos valores do passado. Com base no diálogo de duas gerações de mulheres, distâncias físico-temporais são dissipadas, possibilitando enxergar a repetição de histórias carreadas de cobranças, sustentadas por idênticas exigências sociais em confronto com demandas interiores comuns aos corpos femininos. Falas desconexas e curtas permitem um mergulho nas introspecções e questionamentos quanto ao que cada mulher pode esperar de si mesma, e não apenas o que a sociedade pode esperar das mulheres. O filme não traz soluções, não elege vilões nem heroínas, apenas expõe as trajetórias e ausências de espaço e apoio adequados à diversidade de modos de vida, diante da evolução de condições das mulheres na sociedade e dos conflitos percebidos a partir delas mesmas e dos personagens periféricos. Ao final, uma boneca perdida é reencontrada3 e, depois de muita usada, é finalmente tratada e cuidada. Aqui, um parêntese: quantas mulheres batalharam por seus espaços de fala e, nessa trajetória de luta, sofreram discriminação e se reencontraram na defesa de uma imagem feminina fora do script de corpo perfeito ou de situação conjugal exemplar. Em tempos de intermitência pandêmica e momentos profícuos de reflexão, seguindo a expressão aristotélica, na qual a arte imita a vida estrategicamente, há, no filme, uma licença poética que diminui as dificuldades de compreender as mulheres como destinatárias do direito da personalidade. Infelizmente, na vida real, muitas se perderam, se despersonalizaram e abdicaram de um sonho. Devido às discriminações, não suportaram a erosão de sua imagem (realizada no seio familiar, religioso ou laboral), fruto de uma ausência de adequação a um padrão hegemônico fundado na dicotomia "coisas de fêmea" e "coisas de macho". É cediço que, na trajetória social de toda mulher com seus 40 anos ou mais, as garantias individuais de imagem sempre foram amoldadas, estigmatizadas e circunscritas a paradigmas religiosos e familiares que, por vezes, foram rompidos para galgar um lugar escolhido, ao invés de chegar a um lugar imposto. Muitos podem dizer que a vida não é um mar de rosas e, com a maturidade, o lado bom da vida está em encontrar um aprendizado após cada espinho, constituindo-se este como dificuldades enfrentadas que permitiram um crescimento e subsequente empoderamento. No entanto, em um mundo sexista, o que seria comum e concedido a todos é obtido pelas mulheres - geralmente - com sacrifícios superiores aos dos homens e, muitas vezes, rompendo a representação de papéis impostos pela sociedade aos diferentes gêneros, conforme um contexto histórico-social. Nessa toada, verificam-se os impactos no direito à imagem da mulher, tão distorcidos por uma sociedade machista, principalmente ao observar os diversos papéis impostos em coalisão com os que foram fruto de sua liberdade de escolha. Quando se constatam mulheres subjugadas ao totalitarismo, com imagens a tributo, aprisionadas a um controle social, impedindo sua mobilidade laboral, intelectual ou financeira, tem-se uma distopia, um autoritarismo que reproduz e normaliza estereótipos sequestradores da individualidade e dignificação da mulher. Trata-se do mesmo autoritarismo que gera expectativas de super seres humanos femininos condicionados a uma ótica perfeita de certo e errado religioso, de azul para meninos e rosa para meninas4 em um mundo distópico. Recorde-se que a palavra distopia indica um lugar hipotético. Do grego Dys + Topos + ia, ela significa uma posição anormal, uma ectopia, e, aplicada a esta temática, um lugar regido por opressão, autoritarismo, privação, perda ou desespero: uma antiutopia5. No mesmo direcionamento, repise-se que o totalitarismo ou o autoritarismo defendem uma humanidade estável, segura e boa, destituída da resistência, intolerante a conflitos e cerceadora de reações adversas. Pergunta-se: estável, segura e boa para quem? Seria exclusivamente para homens brancos, heterossexuais, de determinada faixa etária e de específica classe social ou para todos (inclusive para mulheres que não querem gerar filhos)? É indiscutível que existem a imposição de papéis sociais e a naturalização de expectativas patriarcais para alimentar o quinto lugar no ranking da violência contra a mulher6. Reforce-se que tal argumento é lastreado no fato de a violência doméstica possuir, nas mulheres que trabalham fora de casa, suas principais vítimas7. Nesse diapasão, em um mundo recrudescido por narrativas extremadas cada vez menos será possível acreditar em mulheres que ecoam vozes que transformam a realidade8. Visto que o atual cenário brasileiro e mundial é representado por toda sorte de opressões e vilipêndios contra a dignidade da pessoa humana, notadamente da mulher trabalhadora9, é preciso que nossa sociedade seja mais altruísta e fraternal para acolher Ledas, Ninas ou Carolinas de Jesus, a fim de que estas não permaneçam confinadas aos Quartos de Despejo. Avançando para além de utopias10 e da factibilidade social, encontram-se mulheres que conseguem se projetar na academia e se organizam em coletivos, porém o fazendo em quíntupla jornada (filha, profissional, mãe, esposa e escritora). No entanto, até nos bastidores acadêmicos, especialmente do direito, poucos espaços de fala são concedidos a essas mulheres, tão raras que se assemelham a um pêndulo da memória que oscila entre as assimetrias e as conquistas, confirmando a pertinência de Virginia Woolf, ou seja, para escrever, é preciso ter dinheiro e um teto todo seu11. Pois bem, repensa-se quanto o direito da personalidade de uma mulher - previsto no art. 20 do CC/88 e no art. 5º, inciso X, da CF/88 - é respeitado, visto que inserta numa sociedade patriarcal. Afinal, "o corpo feminino é um corpo em disputa"12, e, se o direito não a socorrer, aquele que possuir mais poder determinará a imagem-atributo e o padrão de imagem-retrato de cada mulher, impedindo-a de construir novas travessias ou mesmo livres oportunidades de ser e existir. Nesse contexto, é necessário não só metamorfosear o violento cenário brasileiro e não se limitar a reprimir a violência doméstica, mas também fortalecer o combate aos "tetos de vidro"13, abandonando a utopia14 e aplicando efetivamente o princípio da igualdade de direito e do direito a uma personalidade feminina livre e valorizada nos diferentes espaços de poder. Em uma visão mais finalista do direito - como ordenamento que institui uma sociedade democrática e promove a maior quantidade de direitos, a maior quantidade de pessoas dentro de um mesmo espaço e tempo -, repensemos quão distante nossa sociedade está das pautas de igualdade de gênero, principalmente quando refletimos sobre o respeito à imagem da mulher e respectivo direito de escolha. É preciso que o direito, como último instrumento, efetive a democracia, conceda, apesar da necropolítica, a restituição do corpo feminino à própria mulher, propiciando-lhe a liberdade de constituir a própria identidade. Notadamente nos inícios de ano em que se renovam as esperanças por serem símbolos de novos ciclos, é preciso dar voz e fala às vivências femininas, seja na arte, seja na vida, por intermédio de decisões com mais perspectiva de gênero, seguindo o incentivo da portaria do CNJ 27/2115. É imprescindível, no mindset das organizações e instituições, o incentivo de mais ações de promoção de compliance de gênero que evidenciem a conciliação do direito da personalidade com o direito à não discriminação de gênero, não se limitando a assegurar quotas femininas nas representações internas das empresas, mas iniciando com a retirada de excesso de exigências para viabilizar maior promoção de carreiras femininas, comparadas às masculinas. Em uma estratégica provocação final, parafraseando o título do filme, busquemos encontrar filhas perdidas para viabilizar uma trajetória de igualdade de oportunidades e de dignidade de imagem. Façamos isso, inspirados em Carolina de Jesus, que, apesar de ser socialmente estigmatizada por ser mulher preta, pobre, mãe de três filhos, solteira, moradora da favela Canindé, não se limitou, mas encontrou, nas palavras, um instrumento para escancarar sua dor, sofrimentos e injustiças sociais, trazendo à baila experiências enfrentadas no dia a dia por mulheres pretas e pobres16. _____ 1 A vida da escritora italiana é desconhecida e há suspeitas de ser um pseudônimo da tradutora italiana Anita Raja. Disponível aqui. 2 A Amiga Genial, Um Amor Incômodo, a Filha Perdida, todos livros de autoria de Elena Ferrante. 3 (3) Elena Ferrante também escreve para crianças, atribuindo fala a esta boneca, por meio do livro denominado Uma noite na praia. Mister recordar que bonecas e soldadinhos-de-chumbo simbolizaram, para várias gerações, as representações sociais do masculino e do feminino. Segundo a jornalista brasileira Isabela Boscov, especialista em crítica cinematográfica: "As bonecas são mais do que um brinquedo, são um instrumento de treino da menina para o futuro papel que se espera dela, um objeto por meio do qual se idealiza a representação deste papel no convício social e familiar. O filme trabalha com o espaço entre o que as mulheres sentem o que acham que deveriam sentir. Este espaço é grande e conflituoso demais. Não há idealizações no filme". Disponível aqui. 4 Durante séculos, as tinturas para roupa eram muito caras e crianças de qualquer gênero usavam vestidos brancos até uns 6 anos de idade. Os tons pastéis - entre os quais o rosa e o azul - só começaram a ser associados a crianças no início do século 20, pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Na época, porém, ainda não havia uma distinção de gênero estabelecida. Havia até quem defendesse o oposto da norma que vigora hoje: um artigo de 1918 da Earnshaw's Infants' Department dizia que rosa era para meninos e azul para meninas. Isso porque o rosa seria uma cor mais "forte e decidida"; já o azul, mais "delicado e amável". Perceba que só muda a paleta de cores: o machismo implícito à explicação está lá, intacto. Em 1927, após uma pesquisa em diversas lojas de departamento norte-americanas, a revista Time concluiu (veja o artigo original) que a dicotomia entre rosa e azul não era unanimidade: três lojas recomendavam rosa para meninos; outras três, para meninas. Uma última recomendava rosa para ambos, sem distinções. Disponível aqui. 5 Tendo como expoente John Stuart Mill, no propalado discurso ao parlamento britânico, datado de 1868, a utilização da palavra distopic foi inovada porque era empregada como algo fora do lugar em que deveria estar, ao invés do comumente emprego da medicina da época quanto aos órgãos que se encontravam em lugares errados. 6 Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil (FLACSO/OPAS-OMS/SPM, 2015). 7 De acordo com os dados levantados, o índice de violência contra mulheres que integram a população economicamente ativa (52,2%) é praticamente o dobro do registrado pelas que não compõem o mercado de trabalho (24,9%). Disponível aqui. 8 TORMES, Isabel Cristina de Medeiros. A dignidade da pessoa humana não pode ser chantageada. Um Direito do Trabalho Todo Seu. Canal 6, 2021. p. 29. 9 A extrema pobreza, que atingia 9,2% das mulheres negras em 2019, subiu a 12,3% dessa população, segundo os cálculos do estudo do Made-USP. Para homens brancos, essa taxa foi de 3,4% para 5,5% nesse mesmo intervalo. Entre o fim de 2019 e o de 2020, o desemprego entre mulheres foi 13,1% a 16,4%. Para os homens, o movimento nesse mesmo período variou de 9,2% a 11,9%. ROUBICEK, Marcelo. Desigualdade de gênero e raça: o perfil da pobreza na crise. Disponível aqui. 10 Vale lembrar que a palavra utopia - derivada etimologicamente da combinação das duas palavras gregas "" (não) e "" (lugar) - foi cunhada por Sir Thomas Morus (latim ou Tomás Morus, português), e promovia ideais sociais governados por diferentes leis e catolicismo da época, em contraste com a organização política e social que Sir Thomas experimentou em 1516. 11 GIORGI, Fernanda Caldas. As vozes que transformam a realidade. Um direito do trabalho todo seu. Canal 6, 2021. p. 8. 12 Em uma racionalidade colonial, branca, heterossexual, patriarcal e neoliberal, o corpo feminino é um território a ser anexado porque foi cruelmente desmembrado da própria mulher para servir a uma produção de mão de obra necessária ao regular desenvolvimento do capitalismo e ao mesmo tempo, a necropolítica desenvolvida em Foucault. DOMBKOWITSCH, Luciana Alves. Julgar sob uma perspectiva de gênero e suas interseccionalidades: Desafios do Sistema de Justiça Trabalhista Brasileiro na Contemporaneidade. Um direito do Trabalho Todo Seu. Canal 6, 2021. p. 180. 13 WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tordesilhas, 2014. Teto de vidro é uma expressão utilizada desde 1986, iniciada no Wall Street Journal, e indica que existem barreiras invisíveis para a ascensão a posições hierárquicas pelas mulheres, "até mesmo aquelas mulheres que ascenderam continuamente na hierarquia acabaram em algum momento esbarrando em uma barreira invisível. A suíte executiva parecia ao seu alcance, mas elas simplesmente não conseguiam romper o teto de vidro" (EAGLY; CARLI, 2007, p. 4). 14 Observando o pai da ILHA de UTOPIA, de um lado, talvez nossa utopia seja filósofo-humanista, porque Thomas More era um homem de lei (advogado) e político (Conselheiro de Estado). Assim, logicamente, defendemos a liberdade de pensamento, uma sociedade com uma divisão do trabalho voltada a garantir o bem geral, o bem comum, destituída de propriedade privada, ou seja, uma sociedade perfeita que tal como a Platão, na obra República, possui um governo de filósofos que defendem uma sociedade ideal. Ou, de outro, talvez sejamos religiosos e racionalistas, sustentando a fé na existência de um ser humano supremo, com base na razão, assim como a providência de Deus em relação aos homens, derivada de um amor; acrescida da fé numa retribuição de imortalidade à alma, para quem viveu de forma justa. Não importa com qual dessas faces de Thomas More nos identifiquemos, porque o primeiro passo é reconhecer que a maioria das mulheres não vivencia suas escolhas porque não tem outra opção senão se submeter a papéis sociais pré-formatados. 15 Disponível aqui. 16 Parafraseando TORMES, Isabel Cristina de Medeiros. A Dignidade da Pessoa Humana não Pode ser Chantageada. Um Direito do Trabalho Todo Seu. Canal 6, 2021. p. 29.
Sempre fomentador de polêmica, mais uma vez está em pauta o tema das plataformas eletrônicas de aplicativo de entrega. Desta vez, o assunto tomou notoriedade após a promulgação da lei 14.297, de 5 de janeiro de 2022, a qual dispõe sobre medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus. Segundo o artigo 3º do dispositivo supramencionado, a empresa de aplicativo de entrega deve contratar seguro contra acidentes, sem franquia, em benefício do entregador nela cadastrado, exclusivamente para acidentes ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços, devendo cobrir, obrigatoriamente, acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte. Ainda, o artigo 4º da lei estabelece que a empresa de aplicativo de entrega deve assegurar ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias, o qual pode ser prorrogado por mais 2 (dois) períodos de 15 (quinze) dias, mediante apresentação do comprovante ou do laudo médico1.  Coincidência ou não, um dia após a promulgação da referida lei, uma das maiores plataformas eletrônicas de aplicativos de entrega do país, a Uber Eats, anunciou que irá encerrar as operações dos serviços de entrega de comida de restaurantes no Brasil até 7 de março, sob o argumento de que focará em duas frentes principais no segmento de delivery: a entrega de compras de supermercados, atacadistas, lojas especializadas e a de entrega de pacotes. Vê-se claro que a norma legal não faz nenhuma distinção entre a prestação de serviços para entrega de comida pelo sistema delivery, ou qualquer outro tipo de mercadoria, como, por exemplo, pacotes, supermercados, bastando que a empresa tenha objetivo social a intermediação, por meio de plataforma eletrônica, entre o fornecedor de produtos e serviços de entrega e o seu consumidor. Não só isso, outras polêmicas surgirão em torno de tal questão, por exemplo, se a obrigatoriedade na contratação de seguro contra acidentes aos entregadores que prestam serviços por intermédio de empresa de aplicativo de entrega irá proteger os prestadores ou se referida norma irá reduzir o mercado de trabalho. Na legislação brasileira não havia, até o presente momento, norma que obrigasse as empresas de aplicativos de entrega a efetivar a contratação seguro de acidentes pessoais para os entregadores. É bem verdade que a empresa de aplicativo de entrega Ifood já fornecia aos seus entregadores seguros contra acidentes pessoais, o qual, no entanto, não se enquadra nos requisitos da nova lei. Isso porque o aplicativo de entrega não assegura ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias, muito menos a prorrogação do benefício por mais 2 (dois) períodos de 15 (quinze) dias. A nova lei se situa mais benéfica aos prestadores de serviço em razão dos trabalhadores de empresa de entrega, afinal essas se responsabilizam somente pelos primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador, ficando em caso de necessidade de maior afastamento o custeio às expensas a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Diante do alto índice de desemprego no Brasil, muitos trabalhadores buscam outras vias para sobreviver, em especial por meio de atividades autônomas ou informais. Aqui, no caso, a entrega de mercadorias por intermédio das plataformas digitais, importante reconhecer que as empresas de aplicativo surgem como uma boa oportunidade a oferecer uma atividade remunerada através de um trabalho flexível sem burocracia. Sem esgotar outras conclusões sobre o assunto, podemos inferir que as empresas de plataformas digitais poderão se acuar com tais responsabilidades que foram endereçadas pela nova legislação, tomando medidas para amenizar o que consideram como prejuízo, dentre elas, aumento nas taxas de entrega, limite para credenciamento de entregadores e, até mesmo, a desativação da plataforma, causando consequente aumento no número de pessoas que permanecem inativas no mercado de trabalho. Por fim, sempre permanecerá a polarização entre as opiniões, se a referida lei veio para conferir maior proteção aos entregadores, ou veio trazer novos custos e maior burocratização para as empresas de plataformas digitais de entrega, cabendo apenas ao tempo o deslinde desse embate.  __________ 1 § 2º. A concessão da assistência financeira prevista no caput deste artigo está condicionada à apresentação de comprovante de resultado positivo para covid-19 - obtido por meio de exame RT-PCR - ou de laudo médico que ateste condição decorrente da covid-19 que justifique o afastamento.  
1.Introdução Os agentes de tratamento são o controlador e o operador e estes poderão responder solidariamente por desconformidades, já que a Lei Geral de Proteção de Dados reconhece a responsabilidade solidária entre os agentes de tratamento, resguardas as situações nas quais existe excludente de responsabilidade de ambos, ou do operador. A LGPD preconiza no artigo 5, inciso IX, que o controlador e o operador são agentes de tratamento.   O controlador é o agente de tratamento responsável, ao qual competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. Este é quem determina os objetivos e meios do processamento, assim como os seus meios e objetivos. Na legislação da União Europeia, o controlador se denomina contratante, ou responsável pelo tratamento e passou a ser tarefa imprescindível, na jornada de implementação e conformidade, definir quem é o controlador e quem é o operador. Em regra, o controlador é uma entidade que decide sobre os elementos-chave de um processamento. Já o operador trata dados, de acordo com as instruções do controlador. Podemos dizer que consiste em uma verdadeira "terceirização de atividades de tratamento" para outras entidades, seja por pessoas jurídicas, ou naturais, Não existe  impedimento para uma pessoa natural ser contratada como operadora em atividades específicas de tratamento de dados, sendo considerada operadora de dados, mas os empregados, os servidores públicos, os sócios, assim como outras pessoas naturais, que integram e estão vinculados a uma pessoa jurídica, expressando sua vontade, não poderão ser considerados agentes de tratamento, operadores, ou controladores, neste cenário. Na verdade, a entidade responderá pelos atos destes prepostos que agem e tratam dados em seu nome. O Parecer 1/2010 do Grupo de Trabalho do artigo 29, na União Europeia, ainda elaborado durante a vigência da Diretiva 95/46/CE, sobre os conceitos de responsável pelo tratamento, ou controlador e operador, ou subcontratante, WP 169, já nos brindava com o conceito de responsável pelo tratamento dos dados e trazia a sua relação com o conceito de subcontratante, que corresponde ao operador, no Brasil. O controlador, era inicialmente denominado, na Convenção 108 do Conselho da Europa, de 'responsável pelo ficheiro', e o termo foi substituído por "responsável pelo tratamento" de dados pessoais. A Diretiva introduziu também o conceito de "subcontratante", que não era mencionado na Convenção 108. Os conceitos iniciais foram formulados durante as negociações relativas ao projeto de proposta da Diretiva 95/46/CE, no início da década de 90 e o conceito inicial de responsável pelo tratamento foi basicamente retirado da Convenção de número 108 do Conselho da Europa, adotada em 1981.   BRASIL EQUIVALENTE NA UNIÃO EUROPEIA CONTROLADOR RESPONSÁVEL OPERADOR SUBCONTRATANTE   2.Identificando os agentes de tratamento A LGPD do Brasil se inspirou inicialmente na Diretiva 94/46/CE, foi promulgada e entrou em vigor durante o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia. É importante destacar que o Regulamento Geral de Proteção de Dados revogou a Diretiva, mas incorporou suas bases legais de legitimidade de tratamento, princípios, assim como vários institutos e conceitos, como dos agentes de tratamento, responsável e subcontratante.  No Brasil, os agentes de tratamento, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados, são: o controlador e o operador. CONTROLADOR: é agente de tratamento e poderá ser uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados6 pessoais. É o agente de tratamento responsável, principal. OPERADOR: é agente de tratamento e poderá ser uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador. O principal elemento distintivo entre estes atores é o poder de decisão, admitindo-se que o controlador forneça instruções para que um terceiro ("operador") realize o tratamento em seu nome. Um controlador pode compartilhar dados, por exemplo, para um contador, uma empresa de folha de pagamento, uma transportadora, um courrier, entre outros, os quais apenas poderão tratar dados de acordo com as instruções claras do controlador, não podendo utilizá-los para finalidade distinta, ou além daquela determinada pelo controlador. O operador, subcontratante, na União Europeia, poderá apenas decidir sobre certos assuntos, como, por exemplo, qual software usar, segregação de acesso e outras medidas técnicas e administrativas de segurança da informação, o que não altera seu papel como operador. Talvez ficasse mais claro, se no Brasil tivéssemos repetido as nomenclaturas eleitas e utilizadas pela legislação da União Europeia, não dando uma falsa ideia de que o empregado, um servidor, uma equipe, ou departamento, poderiam ser agentes de tratamento e assim polo passivo em uma ação judicial dos entes legitimados para ações civis públicas, ou mesmo em uma ação individual, ou uma sanção da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Esta diferenciação é fulcral não apenas para os profissionais especializados na área, mas também para o cidadão comum e principalmente em uma implementação por uma empresa ou entidade, principalmente pelo papel assumido pelo controlador, como responsável pelas atividades de tratamento, que detém poder de decisão. Tínhamos já anteriormente importantes documentos que nos ajudavam na interpretação da Lei Geral de Proteção de Dados e nas diferenças entre os agentes de tratamento e mesmo o DPO, ou encarregado, (o qual não é agente de tratamento), como a guideline da União Europeia de número 07/2020 do CEPD (Comitê Europeu de Proteção de Dados) e o anterior parecer do Grupo de Trabalho do Artigo 29 de número 1/2010.  A Autoridade Nacional de Proteção de Dados, no Brasil, preocupada com a identificação dos agentes de tratamento e as dúvidas recorrentes sobre esta temática, constatada não apenas em empresas privadas, mas principalmente em órgãos públicos, publicou o "Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado"1, em 2021, o qual pode ser encontrado no site do governo federal. De acordo com este guia, os agentes de tratamento (controlador e o operador) poderão ser pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, devendo estes ser definidos a partir de seu caráter institucional. Importante destacar que os empregados, como subordinados, os servidores públicos, ou as equipes de trabalho de uma organização, não serão considerados controladores (autônomos ou conjuntos), nem operadores já que atuam sob o poder diretivo do agente de tratamento.2 Desta forma, um contador que trabalha internamente, como empregado, assim como um departamento de contabilidade, com empregados da entidade controladora, os quais são vinculados à pessoa jurídica, não são agentes de tratamento. Já se a empresa controladora contratar um contador pessoa natural externo, ou um escritório externo de contabilidade, por exemplo, estes passarão a ser operadores. Destaquemos ainda, que o guia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados ainda preconiza que: sempre que falamos de pessoa jurídica, a organização é que será o agente de tratamento para os fins da Lei Geral de Proteção de Dados, sendo que esta que estabelecerá as regras para o tratamento de dados pessoais, as quais serão executadas por seus representantes ou prepostos. A pessoa jurídica, sempre que esta existir, será o agente de tratamento, controlador ou operador. Será controlador se tomar decisões e der instruções sobre as atividades de tratamento. Será operador se seguir estas instruções e apenas tratar os dados de acordo com as orientações lícitas daquele. Gerentes, sócios e empregados do controlador são vinculados a este e quem responde é o controlador.  Empregados e outras pessoas naturais vinculadas ao operador também atuarão em nome deste. Isto é, se um empregado, ou gestor, der causa a um vazamento, assim como um servidor, o responsável será o agente de tratamento, empresa ou entidade empregadora, restando àquele a possibilidade de sofrer sanções disciplinares, que lhe poderão ser impostas pelo empregador agente de tratamento, desde uma advertência até uma justa causa, dependendo da proporcionalidade, gravidade e reincidência, além da possibilidade de ação regressiva por dolo ou culpa, se houver prévio ajuste contratual, nos termos do artigo 462 da CLT, parágrafo 1º. Do mesmo modo responderá um servidor, nos termos da Constituição Federal de 1988, artigo 37, parágrafo 6º. Sendo responsável, é muito importante o agente de tratamento colocar no contrato de trabalho de seus empregados o dever de sigilo, no tratamento de dados, além de ter uma política de segurança da informação com instruções, da qual o empregado irá assinar termo de responsabilidade de que seguirá as orientações, além dos termos de confidencialidade.  Também deverão ser oferecidos treinamentos de segurança da informação. A política de segurança da informação deverá incluir cláusulas como a política da mesa limpa e da tela limpa, proibição de permanência em outros setores, proibição de compartilhamento de senhas, entre outras instruções. Outro ponto importante é que o agente de tratamento será definido para cada operação de tratamento de dados pessoais e por conclusão a mesma empresa ou organização poderá ser controladora e operadora, mas apenas se em tratamentos distintos e de acordo com sua atuação, em diferentes operações de tratamento. Por exemplo, um contador geralmente é operador quando faz atividade de departamento pessoal, assim como em relação aos próprios empregados, mas será controlador em eventual auditoria. 3. Pessoa natural como agente de tratamento  Quando a Lei Geral de Proteção de Dados conceitua controlador e operador e traz que estes podem ser pessoas naturais não está se referindo a empregados, equipes, departamentos, gestores, sócios e nem servidores. Se estes fossem agentes de tratamento, os empregados e servidores passariam a estar no polo passivo de ações individuais e coletivas, nos termos do artigo 42 da LGPD e poderiam sofrer sanções da Autoridade Nacional, a qual, na sua função educativa, entre outras, como de conscientizar, regulamentar, fiscalizar o cumprimento da LGPD e aplicar sanções, em seu primeiro guia do Brasil, já demonstrou a preocupação com a possibilidade deste cenário com as interpretações equivocadas, no Brasil, ao eleger este tema como o primeiro para a elaboração de um guia orientativo, entre tantos temas a tratar e regulamentar. Uma pessoa natural poderá ser controladora, como, por exemplo, um advogado, ou um médico tratando os prontuários de seus pacientes, já que estes tomam decisões nas atividades de tratamento. Da mesma forma, um vendedor que tem sua tenda de pipoca, ou cachorro quente, ou uma pequena loja, mas nunca os empregados vinculados a estes. Estas entidades serão controladoras sempre que atuarem de acordo com os próprios interesses e tiverem poder de decisão sobre as finalidades e os elementos essenciais de tratamento e serão operadoras quando atuarem de acordo com os interesses do controlador, sendo-lhes facultada apenas a definição de elementos não essenciais à finalidade do tratamento. O guia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, da mesma forma que a guideline 07/2020, da União Europeia, reza que os funcionários atuarão em subordinação às decisões do controlador, não se confundindo, portanto, com os operadores de dados pessoais: "Daí decorre que não são controladoras as pessoas naturais que atuam como profissionais subordinados a uma pessoa jurídica ou como membros de seus órgãos. É o caso de empregados, administradores, sócios, servidores e outras pessoas naturais que integram a pessoa jurídica e cujos atos expressam a atuação desta. Nesse sentido, a definição legal de controlador não deve ser entendida como uma norma de distribuição interna de competências e responsabilidades. De forma diversa, trata-se de comando legal que atribui obrigações específicas à pessoa jurídica, de modo que esta assume a responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes e prepostos em face dos titulares e da ANPD"3 Trazemos alguns exemplos didáticos trazidos pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Um ótimo exemplo seria considerarmos uma relação existente entre uma empresa A e sua contabilidade, ou uma empresa de gestão de folha de pagamento, ou mesmo uma nuvem, sendo que a empregadora tomará as decisões sobre o tratamento destes dados. Neste exemplo, a empresa empregadora seria a controladora, a qual toma as decisões referentes aos tratamentos dos dados pessoais, enquanto a segunda (contabilidade, empresa de gestão de folha de pagamento ou uma nuvem) seria a operadora, já que realiza os tratamentos em nome do controlador. A empresa de contabilidade, operadora, receberá os dados coletados pela controladora. Estes dados serão compartilhados e realizar-se-á o tratamento, de acordo com as suas orientações e determinações, além da finalidade indicada pela controladora e caso venha a realizar qualquer tratamento de dados fora do que foi orientado pelo controlador, a contabilidade será responsabilizada. 4.Exemplos práticos do Guia Orientativo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados para Definições dos Agentes de Tratamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados "Exemplo 1 - Médica profissional liberal: Uma médica, profissional liberal, armazena os prontuários e os demais dados pessoais de seus pacientes no computador de seu consultório. A médica, pessoa natural, é a controladora dos dados pessoais."[4] (destaques nossos) "Exemplo 2 - Médica empregada de um hospital: Uma médica é empregada de um hospital, constituído sob a forma de associação civil sem fins lucrativos. Nessa condição, atua como principal representante do hospital junto a um serviço de armazenamento de dados de pacientes em nuvem, inclusive assinando os contratos correspondentes. O hospital, isto é, a associação civil, pessoa jurídica de direito privado, é o controlador na hipótese. A médica, por atuar sob o poder diretivo da organização, não se caracteriza como agente de tratamento."5(destaques nossos) "Exemplo 3 - Servidores públicos: Uma autarquia, entidade da administração pública indireta, com personalidade jurídica própria, deseja utilizar um novo software para aprimorar o gerenciamento dos funcionários da instituição. Para isso, a Secretaria de Gestão Corporativa da entidade delega à Diretoria de Gestão de Pessoas (DGP) a tarefa de determinar os meios pelos quais este software será implementado. Após algumas reuniões, a DGP decide pela contratação da empresa terceirizada SIERRA para desenvolver o software em parceria com a equipe interna da Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI). Embora a delegação de decisão quanto aos meios para a DGP possa sugerir que essa diretoria atue como operadora de dados, esta não é a análise correta: como a DGP é uma unidade administrativa da autarquia, a delegação interna não altera o papel do agente de tratamento, uma vez que, como exposto, o operador será sempre pessoa distinta do controlador. O mesmo raciocínio se aplica para a DTI. Desse modo, a autarquia será a controladora de dados e a empresa SIERRA será a operadora de dados. A Secretaria e as Diretorias, assim como os seus respectivos servidores, são apenas unidades organizacionais do ente controlador de dados, razão pela qual não se caracterizam como agentes de tratamento."6(destaques nossos) "Exemplo 4 - Órgão público contratante de um serviço de inteligência artificial: Um órgão público, vinculado à União, contrata uma solução de inteligência artificial fornecida por uma sociedade empresária com a finalidade específica de realizar o tratamento automatizado de decisões com base em um banco de dados gerido pelo órgão. Seguindo as instruções fornecidas pelo gestor público responsável e estabelecidas em contrato, a sociedade empresária realiza as operações necessárias para viabilizar o tratamento dos dados em questão. A União, pessoa jurídica de direito público, é a controladora na hipótese. Não obstante, o órgão público responsável detém obrigações legais específicas em face dos titulares e da ANPD, conforme previsto na LGPD. A sociedade empresária é a operadora, uma vez que realiza o tratamento dos dados conforme as instruções fornecidas pelo controlador. Por fim, o gestor público responsável, por atuar como servidor público subordinado à União, não se caracteriza como agente de tratamento." 7(destaques nossos) 5. Controladoria conjunta Sempre que estivermos diante de mais de um responsável pelo tratamento de dados pessoais, ambos com poder de decisão, tomando decisões conjuntas, teremos uma controladoria conjunta. Estes agentes responderão solidariamente nos termos do artigo 42, parágrafo 1º, inciso II, que reza que os controladores que estiverem diretamente envolvidos no tratamento do qual decorrerem danos ao titular dos dados respondem solidariamente, salvo nos casos de exclusão previstos no artigo 43 da LGPD.  Diferente do que ocorre quando compartilhados dados para pagamento de empregados em um banco, um órgão do governo, ou um plano de saúde, que tomam decisões independentes, sendo os responsáveis por seus tratamentos, como controladores independentes.  A controladoria conjunta estará presente sempre que presentes critérios trazidos pela guideline 07/208 do CEPD da União Europeia e que o Guia orientativo da ANPD para definições de agentes de tratamento for observado: 1- Deverá existir o poder de decisão no tratamento de dados pessoais conjunto, ou de mais de um agente de tratamento. 2- Deverá existir interesse mútuo de pelo menos dois controladores e que tenham finalidades próprias no mesmo tratamento. 3- Estes controladores conjuntos deverão tomar decisões conjuntas, comuns ou convergentes, tanto sobre os elementos essenciais como sobre as finalidades do tratamento.  Importante destacarmos que todos os critérios deverão ser seguidos concomitantemente para termos controladores ou responsáveis conjuntos. Seguem alguns exemplos de controladores conjuntos do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento: "Exemplo 1 - Campanha de marketing de empresas I: decisões comuns. As empresas ARGENTINA e BRASIL lançaram um produto de marca conjunta COSMÉTICO e desejam organizar um evento para promover este produto. Para esse fim, decidem compartilhar dados de seus respectivos clientes e banco de dados de clientes potenciais e decidir sobre a lista de convidados para o evento com base nesses dados. Eles também concordam sobre as modalidades de envio dos convites para o evento, como coletar feedback durante os eventos e sobre as ações de marketing de acompanhamento. Por fim, contratam a agência de marketing DINAMARCA para executar a campanha. A agência traz sugestões de como os clientes poderiam ser mais bem alcançados e define os canais, ferramentas e produtos da campanha. As empresas ARGENTINA e BRASIL podem ser consideradas controladores conjuntos para o tratamento de dados pessoais relacionados com a organização do evento e promoção do produto da marca COSMÉTICO, por terem definido, em conjunto, a finalidade e os elementos essenciais dos dados tratados nesse contexto. Já a agência de marketing DINAMARCA atuará como operadora de dados para as empresas ARGENTINA e BRASIL. Ainda que opine sobre os meios de tratamento, ela não é a responsável pela tomada de decisão final, limitando-se a definir elementos não essenciais como os canais, ferramentas e produtos da campanha. Caso a agência de marketing DINAMARCA contrate serviços de terceiros de armazenamento de dados em nuvem, por exemplo, essa empresa prestadora de serviços será caracterizada como suboperadora." 9( destaques nossos) "Exemplo 2 - Campanha de marketing de empresas II: decisões autônomas Considere-se agora que a campanha descrita no exemplo anterior foi tão bem-sucedida que, em um segundo momento, a empresa ARGENTINA contrata a agência de marketing DINAMARCA para divulgar seus produtos ESPELHO e FACA. Pouco tempo depois, a empresa BRASIL toma a mesma decisão para divulgação dos produtos GARRAFA e HALTERE. Ambas as empresas passam a usar a lista de clientes que haviam compartilhado anteriormente. Nesta situação, que envolve a divulgação de produtos produzidos exclusivamente pela empresa ARGENTINA ou pela empresa BRASIL, estas atuarão como controladores singulares, cada uma atuando em suas próprias campanhas. A agência de marketing DINAMARCA continuará como operadora de dados para cada empresa." 10( destaques nossos) A Lei Geral de Proteção de Dados atribui maior responsabilidade ao controlador, ainda que havendo responsabilidade solidária entre os agentes de tratamento. Dentro de suas atribuições este deverá elaborar Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, comunicar incidentes à ANPD, elaborar o ROPA (registro das atividades de tratamento de dados pessoais) e sua responsabilidade se dá nos termos dos artigos 42 a 45 da LGPD. Os controladores, assim como os operadores, serão obrigados a reparar qualquer dano que provocarem, seja patrimonial, moral, individual ou coletivo, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, em violação à LGPD. O operador deverá agir de acordo com as obrigações previstas na LGPD e seguir as orientações lícitas do controlador, caso contrário, responderá, solidariamente, pelos danos causados em razão do tratamento de dados pessoais realizado. Qualquer desconformidade à Lei Geral de Proteção de Dados, ou a não observância a um ou a mais de um dos seus dispositivos poderá gerar sanções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ou de outras entidades, como o Procon, nas relações de consumo, além de ações individuais e coletivas, no judiciário, com pedido de dano moral individual ou coletivo e eventual dano material. No rigor da lei, o tratamento de dados pessoais será irregular quando deixar de observar a legislação ou quando não fornecer a segurança que o titular pode esperar. Conclusão Diante de uma nova cultura e um novo cenário que nasceu, em virtude da crescente necessidade de proteção aos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, trazida principalmente por novas tecnologias muitas vezes imperceptíveis e por um mundo novo dominado por tecnologia e algoritmos, em que os controladores passam a ser responsáveis pelo compromisso, isoladamente ou em conjunto, com diferentes graus de autonomia e responsabilidade, assim como os operadores, ambos agentes de tratamento, assumindo a responsabilidade pelas suas atividades de tratamento, não seria justo transferir esta responsabilidade aos seus trabalhadores, equipes, departamentos, diretores, gerentes e outros empregados, assim como aos servidores. Os empregados, administradores, sócios, servidores e outras pessoas naturais são apenas vinculados à pessoa jurídica, ou uma entidade e seus atos expressam a atuação desta, podendo responder apenas posteriormente, em ação regressiva, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, se empregados, por dolo, ou culpa, quando ajustado contratualmente e até ser dispensados por justa causa, ou nos termos de outras legislações para os demais, ao descumprirem as políticas internas de segurança da informação e instruções da empresa. Mesmo os sócios não responderão inicialmente, em eventual demanda judicial, mas sim a entidade, sem que haja inicialmente um incidente de desconsideração de personalidade jurídica, ou por sanções da ANPD. Com exemplos específicos trazidos e retirados da experiência diária das autoridades de proteção de dados em guias e pareceres, neste pequeno artigo, fizemos esforços em orientar e contribuir de forma clara, eficaz e didática, em uma das dúvidas que mais nos deparamos nas entidades que iniciam esta nova jornada de conformidade, que não terá mais volta, devido ao avanço tecnológico que vivemos e tende a aumentar.  ________________ 1 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. Disponível aqui. 2 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. Disponível aqui. Acesso em 25 jun 2021 3 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  4 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  5 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  6 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. 7 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  8 EDPB, Guidelines 07/2020 on the concepts of controller and processor in the GDPR, set. 2020. Disponível aqui. Acesso: 25 jun. 2021. 9 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. 10 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.
O presente texto se presta a desenvolver a temática acerca do entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho em relação ao enquadramento sindical do trabalhador rural, especialmente daquele que presta serviços para empresas que exploram mais de um ramo de atividade, a exemplo da agroindústria. Como ponto de partida para tal análise cabe considerar que a Constituição Federal de 1988, junto ao seu artigo 8º, assegurou à classe dos trabalhadores o direito à livre associação profissional ou sindical. A liberdade sindical se refere ao direito conferido aos trabalhadores e empregadores de se reunirem e de constituírem, livremente, sem interferência ou intervenção do Poder Público, em suas entidades sindicais representativas das respectivas categorias. A finalidade dos sindicatos é a defesa dos interesses coletivos e individuais da categoria que representa - profissional (dos trabalhadores) ou econômica (dos empregadores). Verifica-se, pois, que o modelo de organização sindical adotado pelo ordenamento jurídico pátrio é por categorias. José Antonio Pancotti, em artigo intitulado "aspectos do enquadramento sindical rural"I, trouxe como definição de categoria profissional o agrupamento de pessoas que exercem a mesma profissão, a mesma atividade laboral, em um determinado ramo do processo produtivo, que se reúnem por força de interesses comuns que se pretende tutelar, defender ou perseguir. O referido autor assinala que a categoria econômica é caracterizada pelo agrupamento de empregadores ou de empresas de um determinado setor de atividade econômica, seja produtivo de bens ou de serviços. Registra-se que há, ainda, a categoria profissional diferenciada, prevista no artigo 511, §3º, da CLT, conceituada como aquela formada por pessoas submetidas a estatuto profissional próprio ou que realizem trabalho que as distingue dos outros trabalhadores vinculados à mesma empresa ou empregador. Ao lado de tal forma de organização das entidades sindicais, por categorias, existe a questão do enquadramento sindical que, para fins de análise do tema ora proposta, se refere à definição da filiação, pelo trabalhador, à determinado sindicato. A CLT, em seu artigo 581, §2º, dispõe que o enquadramento sindical se relaciona à atividade econômica preponderante do empregador. De acordo com tal disposição legal, para fins de filiação ao sindicato representativo da categoria profissional, é irrelevante a formação do empregado, tampouco a profissão por ele exerce. Inclusive, este era o entendimento predominante do  TST, conforme se verifica pela ementa abaixo: "EMBARGOS. ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO URBANO OU RURAL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. EXTINÇÃO DO CONTRATO ANTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 28/2000. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior consagra tese no sentido de que a atividade preponderante da empresa determina o enquadramento do obreiro como trabalhador rural ou urbano. Irrelevante, portanto, para a caracterização do trabalho rural o exame das peculiaridades da atividade desenvolvida pelo empregado. 2. Uma vez incontroverso que a reclamada dedicava-se precipuamente a atividade econômica rural - Fazenda Santa Fé Ltda. -, afigura-se correto o enquadramento do trabalhador como rurícola, consoante dispõem os artigos 2º e 3º da Lei n.º 5.889/73. (...)" (E-RR-652970-73.2000.5.09.5555, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Lelio Bentes Correa, DEJT 29/05/2009 - g.n.). Registre-se que o trabalho rural é regulado pela lei 5.889, de 8 de junho de 1973, estando regulamentado pelo decreto 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. A legislação especial em comento define quem são os sujeitos da relação de trabalho rural: o empregado e o empregador rural. Segundo o artigo 2º da lei 5.889/73, empregado rural é "toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário." Destaca-se que a identificação do empregado rural se condiciona ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) prestação de serviços para empregador rural (de modo a se concluir que a identificação do empregado rural se relaciona à definição do empregador rural); e b) prestação de serviços em estabelecimento rural. Empregador rural, por sua vez, é a "pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados" (artigo 3º, lei  5.889/73). Note-se que a circunstância determinante da definição do empregador rural é a exploração de atividade agro-econômica. O artigo 2º, §4º, do decreto 73.626/74, afirma que se enquadra em atividade agro-econômica a exploração industrial em estabelecimento agrário, assim considerada a que compreende o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em sua natureza, tais como: (I) o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou vegetal para posterior venda ou industrialização; (II) o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior. Decorre desse dispositivo legal que são consideradas rurais as empresas agroindustriais, ou seja, que explorem os ramos de atividade agrária e industrial, não transformadoras do produto agrário. Por outro lado, as empresas que desenvolvem atividades relacionadas à transformação da matéria-prima, por meio de algum processo industrial, são tidas como preponderantemente industriais. Saliente-se que a legislação especial ainda prevê duas outras hipóteses de enquadramento como empregador rural, de acordo com o artigo 3º da lei 5.889/73 - com redação dada pela lei 13.171/15 e com o artigo 4º da lei 5.889/73. Com efeito, conjugando o disposto no artigo 581, §2º, da CLT, com o fato de que a legislação especial reguladora das relações de trabalho rural condiciona a identificação do trabalhador rural à definição do empregador rural, o TST passou a entender que "é a natureza jurídica das atividades exercidas pelo empregador que qualifica o obreiro em urbano ou rural, e não as funções efetivamente por ele desempenhadas" II, conforme já afirmado linhas acima. Ou seja, havendo uma empresa que explorasse atividade industrial de forma predominante, embora também contasse com o desenvolvimento de atividade agrícola, o trabalhador vinculado a tal empresa era enquadrado como urbano, inobstante sua função estivesse estritamente ligada ao campo. Em meados de 2012, nos termos da Orientação Jurisprudencial 419-SBDI-1, o TST consolidou o entendimento de que seria considerado rurícola o empregado que, independentemente da atividade exercida, prestasse serviços a empregador rural, mesmo que este explorasse atividade agroindustrial.III Tal entendimento, à época de sua sedimentação, tinha como objetivo tratar da caracterização do trabalhador rural para efeito da prescrição. Todavia, o verbete trazia a expressão "enquadramento" gerando determinada confusão, implicando no surgimento de conflitos relativamente à representatividade dos trabalhadores de empresas agroindustriais. A OJ 419 da SBDI-1 do TST acabou por resultar na alteração do enquadramento sindical de vários trabalhadores da agroindústria, conforme se verifica pela ementa da decisão abaixo transcrita: "AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. TRABALHADOR RURAL. ENQUADRAMENTO E PRESCRIÇÃO. DECISÃO DA TURMA COM BASE NAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS 417 E 419/TST. DESPACHO QUE NÃO ADMITE O RECURSO DE EMBARGOS. Conforme se depreende do despacho agravado e do acórdão turmário, a controvérsia referente ao enquadramento e à prescrição do trabalhador rural foi dirimida em harmonia com o entendimento das Orientações Jurisprudenciais 419 e 417 da SBDI-1, respectivamente, porquanto indiscutível que o trabalhador exercia a atividade de mecânico para empresa agroindustrial, "cuja atividade preponderante consiste na produção de açúcar e álcool" (fl. 1471) e que a extinção do contrato de trabalho ocorreu em 1º/3/2004, com ajuizamento da ação em 6/5/2005, ou seja, contrato de trabalho vigente na época da promulgação da Emenda Constitucional 28, de 26/05/2000, e ação proposta dentro do prazo de cinco anos da publicação da aludida Emenda Constitucional. Nesse contexto, de correta aplicação de verbetes desta Corte, incide o óbice da parte final do inciso II do artigo 894 da CLT, que dispõe ser incabível o recurso de embargos "se a decisão recorrida está em consonância com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal", sendo despiciendo cogitar-se de especificidade de aresto. Agravo regimental conhecido e desprovido" (AgR-E-ED-RR-70500-10.2005.5.15.0120, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 30/04/2015). O que o TST fez, com a publicação da OJ em comento, foi considerar todo e qualquer empregado da agroindústria como rural, porém sem analisar as peculiaridades das funções exercidas pelo trabalhador, tampouco a atividade predominante da empresa. No entanto, como afirmado acima, o precedente não discutia a questão do enquadramento sindical, tanto assim que, em 27/10/2015, o Pleno do TST decidiu por seu cancelamento. Após tal ocorrência, para fins de enquadramento sindical do trabalhador que presta serviços ao empregador que explora atividade agroindustrial, a Corte Superior Trabalhista passou a considerar todas as circunstâncias fáticas relacionadas ao caso concreto: a atividade preponderante do empregador e as funções exercidas pelo trabalhador. Neste sentido, inclusive, vale trasladar ementa de recente decisão da SBDI-I, do TST, in verbis: "RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. USINA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EMPRESA AGROINDUSTRIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR COMO URBANO OU RURAL. ANÁLISE DA ATIVIDADE EXERCIDA PELO EMPREGADOR OU PELO EMPREGADO . CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA SBDI-1 DO TST. Cinge-se a controvérsia a definir o critério de enquadramento do reclamante, que desenvolve suas atividades em empresa agroindustrial, na condição de trabalhador urbano ou rural. A c. Turma, partindo da premissa de que o reclamante laborava em empresa que desenvolvia atividade agroindustrial, aplicou a jurisprudência do TST no sentido de que " o enquadramento sindical é definido com base na atividade preponderante da empresa (art. 570 da CLT), excepcionada a situação dos empregados vinculados às categorias diferenciadas ", considerando, assim, despicienda a análise da questão pelo prisma da atividade do empregado. A Orientação Jurisprudencial 419 da SBDI-1 do TST espelhava a diretriz de que " Considera-se rurícola, a despeito da atividade exercida, empregado que presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, § 1º, da Lei nº 5.889, de 08.06.1973), visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento ". Tal verbete, no entanto, foi cancelado pela Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015. Com o cancelamento da OJ nº 419 da SBDI-1, esta Corte superior vem firmando entendimento de que relevante a análise das funções exercidas pelo trabalhador, ainda que prestadas à empresa rural, que desenvolve atividade agroindustrial, para definição do enquadramento do contrato de trabalho como rural ou urbano, não invalidado o critério da atividade preponderante do empregador para o referido enquadramento, analisando-se a circunstância caso a caso. Precedentes. Na hipótese, o reclamante exercia as atribuições de ajudante geral e soldador, enquadrando-se como trabalhador urbano. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-RR-69800-34.2005.5.15.0120, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/04/2021 - g.n.). Inegável que as considerações feitas no presente trabalho demonstram que houve uma evolução do entendimento adotado pelo TST sobre o enquadramento sindical do trabalhador rural, em especial daqueles que prestam serviços para empresas que exploram mais de um ramo de atividade. É fato que uma empresa pode desenvolver mais de uma atividade, a exemplo das empresas agroindustriais, que têm atividades ligadas à área agrícola e industrial. E, ainda, é fato que uma agroindústria pode não explorar atividade relativa à transformação do produto. Logo, para o fim de se concluir pelo enquadramento sindical do trabalhador de uma agroindústria, parece mais assertivo o entendimento que conjuga a análise do ramo de atividade preponderantemente explorado pela empresa às reais atribuições exercidas pelo trabalhador, haja vista traduzir o respeito e a observância ao princípio da realidadeIV, como também ao modelo de organização sindical por categorias adotado pela Justiça do Trabalho. _________________ I Disponível aqui. II RR-35700-32.1996.5.09.0671, 2ª turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 08/04/2011. III OJ 419 da SBDI-I/TST (CANCELADA). Considera-se rurícola empregado que, a despeito da atividade exercida, presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, § 1º, da lei 5.889, de 08/06/1973), visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento. IV NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 349
Quem milita no âmbito processual trabalhista sabe que o "calcanhar de Aquiles" da Justiça Laboral, sem dúvida, é a fase de execução, quando o reclamante/exequente buscará receber os direitos que ganhou. Mas, não raramente, quando se chega nesta fase, o trabalhador por vezes acaba por não encontrar bens do seu "devedor principal", ou este não tem patrimônio suficiente para satisfazer a sua dívida, ainda mais na atual fase delicada que enfrentamos há mais de um e meio, face à pandemia mundial de Covid-19. A execução contra o devedor principal até a lei 13.467/17, caso este não tivesse bens suficientes a satisfazer o crédito trabalhista, era impulsionada de ofício pelo próprio Juiz (artigo 878, CLT), ou, a pedido do empregado/exequente, era direcionada contra os sócios da ex-empregadora. Partindo-se do pressuposto de que o sócio da devedora principal, beneficiado que foi pelos serviços prestados deveria ser responsabilizado patrimonialmente, se efetivava a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para então fazer com que o sócio respondesse também com seus bens particulares (artigo 50, CC). Corria assim a execução em face dos sócios ou até mesmo ex-sócios que respondiam pelas dívidas da sociedade até dois anos após a sua retirada, por força do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil. No entanto, após o advento da reforma trabalhista, foi criado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, semelhante ao existente no novel Código de Processo Civil de 2015, previsto no artigo 855-A da CLT, que assim dispõe:  "Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. § 1o  Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:  I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação;  II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;    III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal § 2o  A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)". (Grifamos). Assim, sob a égide da lei 13.467/17, somente é possível direcionar a execução contra os sócios do empregador mediante a instauração de procedimento específico, no caso, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme previsto no artigo 855-A da CLT. Com o advento da lei reformista, verifica-se que o direcionamento da execução contra os sócios do empregador ficou mais tortuosa, afinal, o credor não poderá mais pleitear ao Juízo que, no caso de inadimplência da empresa,  seja automaticamente direcionada a execução contra os seus sócios. Assim como o Juiz também não poderá de ofício direcionar a execução em face de tais dos sócios atuais e/ou retirantes da pessoa jurídica, visto que o artigo 878 da CLT, após o ano de 2017, só autoriza a execução de ofício nos casos em que as partes não estiverem assistidas por advogados.  Tratando-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de um procedimento especial regulamentado por lei, não deve ele ser requerido por simples petição, na medida em que a parte deverá atender aos ditames dos artigos 133 a 137 do CPC, conforme determina o caput do artigo 855-A da CLT. E caso seja instaurado o incidente, o processo poderá ser suspenso, conforme disposto no artigo 855-A, §2º da CLT. De certa forma, a inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na CLT, pós-reforma trabalhista, com procedimentos específicos a serem observados, acabou aparentemente por proteger os sócios da ex-empregadora. Entrementes, na prática, os advogados dos reclamantes seguem pedindo por simples petição o direcionamento da execução contra os sócios da devedora principal, não seguindo os preceitos do artigo 855-A consolidado. Tais pedidos, na maioria das vezes, são indeferidos, obrigando os advogados dos credores a instaurar o devido IDPJ, o que nem sempre também ocorre na prática, afinal, o incidente provoca a suspensão do processo. Assim, como dito, a partir da reforma da trabalhista, o Juiz não mais autorizará o direcionamento da execução em face dos sócios da devedora principal, caso esta não detenha patrimônio necessário para satisfazer o crédito trabalhista. Havendo, lado outro, devedor subsidiário, contra este certamente será direcionada a execução a pedido do credor. Quando se tratar de empresa prestadora de serviços no processo trabalhista, será comumente declarada a responsabilização da tomadora de forma subsidiária, com fulcro na Súmula 331 do TST, cujo Item IV assim dispõe: "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial". Não mais se discute, atualmente, a ilicitude da terceirização, ante o julgamento do Tema 725 pelo STF (RE 958252), que fixou a seguinte tese: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Entrementes, o que não se pode perder de vista é que a execução trabalhista não pode ser arbitrariamente direcionada contra a empresa tomadora de serviços que tenha sido condenada de forma subsidiária, sem que se respeite o devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF/88), o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo, 5º, LV, CF/88), assim como o princípio de que a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme previsto no artigo 805 do CPC.  Ora, o simples fato da empresa tomadora de serviços (devedora subsidiária) ser uma empresa idônea e solvente, às vezes de grande porte ou de renome, não se justifica que tenha ela que pagar o crédito trabalhista devido pela devedora principal (prestadora de serviços), antes que se tente buscar o patrimônio desta para quitar seu débito para com o credor trabalhista! Além disso, quando se tenta executar um crédito trabalhista em face de uma empresa tomadora de serviços condenada a responder de forma subsidiária com a devedora principal, olvida-se que esta empresa pagou corretamente pela prestação de serviços contratada. Sendo que foi a empresa prestadora de serviços que consumiu todo o valor recebido, sem que tenha sobrado um centavo sequer para pagar os seus empregados. E quando se fala em empresas de peque ou médio porte, o dinheiro subitamente desaparece da conta da prestadora, não sobrando capital para quitar suas obrigações, presumindo-se que tenha sido desviado para os bolsos dos seus sócios. Neste cenário, a reforma trabalhista, ao exigir que agora os sócios das empresas prestadoras de serviços sejam somente acionados através do incidente de despersonalização da pessoa jurídica, acabou por "premiá-los", pois, os blindou da execução trabalhista, o que é inaceitável. Deve-se frisar que foi o sócio da devedora principal, que era a prestadora de serviços, quem se beneficiou diretamente dos préstimos do trabalhador/exequente. Por isso, deveria responder ele patrimonialmente antes da devedora subsidiária. É certo que, para o devedor trabalhista subsidiário, fica evidenciado que na grande maioria das vezes nem sequer o Juízo trabalhista esgota as tentativas de execução contra a devedora principal. Quando muito é feita uma tentativa de bloqueio nas contas bancárias desta última via SISBAJUD. Acontece que o TRT da 6ª Região, por exemplo, na temática em epígrafe, entende que a tentativa de penhora via BACENJUD (hoje SISBAJUD) poderá ser reiteradamente renovada como se comprova no artigo 238, §3º, do Provimento 02/2013, da Corregedoria Regional deste TRT 6ª Região, verbis:  "Art. 238 Se, após cientificado, o devedor não pagar o débito ou não garantir a execução mediante depósito em dinheiro ou, ainda, tiver rejeitada pelo juiz a indicação de outro bem à penhora, deverá ser realizado o bloqueio eletrônico através do sistema BACENJUD, seguido do uso das demais ferramentas eletrônicas disponíveis, acaso infrutífero aquele. (...) § 3º A tentativa de penhora através do BACENJUD poderá ser renovada a qualquer tempo, em diferentes datas do mês, independentemente de requerimento do credor, inclusive em caso de insucesso na hasta pública". (Grifamos). Neste sentido, já se posicionou também o TRT da 3ª Região:  "PESQUISA PATRIMONIAL. SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. O sistema Sisbajud é importante instrumento para dar efetividade às execuções e pode ser reutilizado caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0007700-95.2007.5.03.0091 (APPS); Disponibilização: 05/10/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)".   Registre-se que, não raras vezes, até mesmo no caso de a devedora principal não ser encontrada, ou não sendo sequer citada (nos termos do artigo 880, caput da CLT), essa tem sido considerada insolvente, e rapidamente a execução é direcionada contra a devedora subsidiária, sem que tenha sido feita nenhuma tentativa de constrição do patrimônio da ex-empregadora, através das inúmeras ferramentas e convênios disponíveis ao Juízo da execução, tais como SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, CCS, CAGED, consulta em Registro de Imóveis, dentre outros. É fundamental que se esgotem os meios de execução em face da devedora principal, para somente então redirecionar a execução trabalhista para devedora principal, como já decidiu o TRT da 3ª Região: "REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. Frustradas as tentativas de constrição do patrimônio do devedor principal via sisbajud e renajud, possível o redirecionamento da execução em face do devedor subsidiário. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0001030-61.2014.5.03.0102 (APPS); Disponibilização: 04/10/2021; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Luis Felipe Lopes Boson)". (Grifamos). Assim, é certo que as pesquisas patrimoniais através do SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, além de muitas outras ferramentas disponíveis ao Judiciário, podem e devem ser repetidas, como se já se posicionou novamente o TRT da 3ª Região: "PESQUISA PATRIMONIAL. BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD E SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. Os sistemas Bacenjud, Renajud, Infojud e Sisbajud são importantes instrumentos para dar efetividade às execuções e podem ser reutilizados caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0123400-24.2006.5.03.0134 (APPS); Disponibilização: 08/09/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)". (Grifamos). Aliás, no SISBAJUD existe hoje a possiblidade de programar a realização das tentativas de bloqueio na forma de "repetição programada", conhecida como "Teimosinha". A par de todo que foi aqui exposto, não pode ser olvidado que no âmbito do processo de execução trabalhista foi a devedora principal quem recebeu da devedora subsidiária pela prestação de serviços, assim como foram seus sócios os beneficiados diretamente pelos préstimos do labor realizado pelo exequente/trabalhador, de modo que não podem sair impunes. Isso, claro, respeitados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, salvaguardados pela nossa Carta Magna (artigo 5º, LIV e LV), e, acima de tudo, o princípio de a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme dispõe o caput do artigo 805 do CPC. Por isso, a devedora subsidiária tem o lídimo direito de ver esgotada a execução em face da devedora principal quem de fato era a empregadora do exequente, e que seja efetivamente realizada a devida busca de patrimônio da devedora principal, e seus respectivos sócios, pelos convênios disponíveis na Justiça do Trabalho, observando-se, em arremate, a proteção dos seus lídimos direitos e acima de tudo a Justiça. *Karen Vargas é advogada trabalhista militante na área trabalhista há aproximadamente 16 anos. Atuando em todas as fases processuais, desde a fase de conhecimento do processo até a fase de execução. Atuando em  escritórios com ênfase na defesa dos interesses de empresas. Graduada Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialização em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE).
Com a alteração das regras referentes ao Direito Coletivo do Trabalho pela lei 13.467/2017, popularmente conhecida como "Reforma Trabalhista", um cenário desafiador se instalou para empregadores e trabalhadores, afinal, para muitas categorias, a vedação de pagamentos compulsórios visando o custeio das entidades sindicais se tornou um obstáculo às negociações coletivas e, desde então, muitos sindicatos que historicamente mantinham um bom relacionamento e negociavam sem maiores dificuldades, atualmente encaram o desafio de encontrar um ponto de equilíbrio que atenda aos anseios e necessidades de ambas as Partes. Neste contexto, é importante destacar que a discussão sobre a possibilidade de instituição de contribuição sindical compulsória instituída em assembleia já está ultrapassada, pois a atual redação trazida à CLT por força da lei reformista - que estabelece o  pagamento  da contribuição  sindical opcional,  exigindo  prévia  e  expressa  autorização  do  trabalhador  (artigos  578  e  579  da CLT) -  foi validada pelo Supremo Tribunal Federal que, ao julgar ação  direta  de  constitucionalidade  (ADI 5794)   e   ação   declaratória   de   constitucionalidade   (ADC 55), reconheceu a constitucionalidade da referida norma legal. Assim, o impasse nas negociações faz surgir uma zona cinzenta para as categorias que se encontram nesta situação, já que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que se firmou no sentido de que inexistindo instrumento coletivo negocial, a norma anterior estenderia sua eficácia até ser substituída por outra (Súmula 277), foi superado pela referida lei 13.467/2017, que deu a seguinte redação ao art. 614, § 3º, CLT: "Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.". É certo que o Supremo Tribunal Federal confirmou, ainda que em efeitos precários, a legalidade da redação atual do artigo 614, §3º, celetário, ao determinar a sustação dos efeitos da Súmula 277 do TST, por meio da medida cautelar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes, na ADPF 323, que consagrou o princípio da não ultratividade de normas coletivas, determinando "ad referendum do Pleno (art. 5º, § 1º, Lei 9.882, de 1999) a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciada." Assim, não há dúvidas de que em se tratando de normas coletivas autônomas (acordos e convenções coletivas), essas se aplicam, estritamente, às situações consolidadas durante sua vigência, sendo vedada a prorrogação de seus efeitos. E por conta de tal alteração que ainda gera grande insegurança jurídica, alguns questionamentos aguardam respostas, afinal a legislação trabalhista vigente não abarca todas as possibilidades que a ausência da renovação da negociação coletiva pode trazer. Dentre aquelas muitas que podemos destacar, por certo está o direito do trabalhador que percebe salário acima do mínimo ao reajuste salarial anual, já que, contrariamente ao que muitos pensam, não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que determine tal aumento compulsório aos empregados da iniciativa privada com patamar remuneratório superior ao mínimo legal. Na realidade, esta prerrogativa cabe aos sindicatos, que devem negociar em prol da categoria, na respectiva data base, conforme estabelece o artigo 10º  da lei 10.192/2001: "Os salários e as demais condições referentes ao trabalho continuam a ser fixados e revistos, na respectiva data-base anual, por intermédio da livre negociação coletiva." A manutenção de condições mais favoráveis decorrentes da negociação coletiva com vigência expirada, como, por exemplo, jornada de trabalho semanal de 40 horas semanais e não de 44 horas como previsto na legislação ordinária, adicionais de horas extras e noturno superiores ao mínimo legal, garantias de emprego não previstas em lei, além da manutenção de cláusulas sociais (v.g., auxílio creche, cesta básica, plano de saúde, vale alimentação, entre outros), não encontra, no momento, uma normativa legal específica que garanta segurança aos destinatários das normas coletivas que não foram renovadas. A junção dos entraves nas negociações e a expressa ausência de ultratividade para as normas coletivas pré-existentes ensejou a busca da Justiça do Trabalho pelos sindicatos, na tentativa de suprir a ausência de acordo, com o ajuizamento de dissídios coletivos. E daí decorre outra questão jurídica de absoluta relevância: a vedação à ultratividade se aplica às sentenças normativas proferidas pelos Tribunais como fonte heterogênea de direitos coletivos? O questionamento é pertinente já que o Precedente nº 120 do Tribunal Superior do Trabalho, assim estabelece: Nº 120 SENTENÇA NORMATIVA. DURAÇÃO. POSSIBILIDADE E LIMITES (positivo) - (Res. 176/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011) A sentença normativa vigora, desde seu termo inicial até que sentença normativa, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho superveniente produza sua revogação, expressa ou tácita, respeitado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência. Como se vê, referido Precedente Normativo repete, para as sentenças normativas, o intuito da súmula 277, que é o de prorrogar a vigência da norma de caráter coletivo no tempo como forma de mantê-la como fonte autônoma ou heterônoma de direitos incorporáveis ao contrato de trabalho, condicionada sua substituição a outra de equivalente natureza. Ora, a discussão se dá pelo fato de que a Súmula 277, na redação que lhe fora atribuída em 2009, assim determinava: Nº 277 Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. Entretanto, o  posicionamento até então adotado  foi  alterado pelo TST em  2012,  para constar na atual redação atual que, expressamente, excluiu a sentença normativa para fins de ultratividade na referida súmula, já que esta já é objeto Precedente Normativo 120, publicado em maio de 2011: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) -  Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.     Como dito anteriormente, a Súmula 277 do TST se encontra, atualmente, com os efeitos suspensos, aguardando posicionamento do STF sobre a questão da ultratividade da norma coletiva. Contudo, o Precedente Normativo 120 do TST não é objeto de nenhuma ação judicial questionando sua incompatibilidade com a alteração ocorrida no artigo 614, §3º, da CLT.  Assim, muitos sindicatos se apoiam neste fato para se recusar às novas negociações, sob fundamento de que se há sentença normativa proferida há menos de quatro anos e, como dito acima, esta se prorroga no tempo, independentemente de ter sido fixado período de vigência, não havendo necessidade de renovar as normas coletivas instituídas por sentença normativa, já que apenas outra sentença normativa ou norma coletiva nascidas no interregno ocorrido entre o julgamento e o fim do quarto ano após o início de seus efeitos lhe retirariam a força regulatória. Em realidade, analisando-se os termos do artigo 868 em conjunto com a redação atual do artigo 616, §3º, ambos da CLT, é possível concluir que ao Precedente Normativo 120 do TST se aplica a vedação da ultratividade, já que esta tem por objetivo substituição da norma coletiva anterior, originando novas condições de trabalho à categoria, pela manutenção ou estabelecimento de novas cláusulas. Vale ressaltar que, hodiernamente, a Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do   TST firmou seu entendimento declarando que o requisito constitucional de   comum acordo (art. 114, §2º, da CF) é precedente de constituição e desenvolvimento  válido e regular do processo, ou seja, a concordância das partes para a judicialização do conflito coletivo é pressuposto de natureza intrínseca ao prosseguimento e julgamento do mérito da controvérsia. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a   constitucionalidade   da   exigência   de   comum   acordo  para   o   ajuizamento   de dissídio coletivo de natureza econômica, com a fixação da tese de repercussão geral no Tema 841. Portanto, para fins de efeitos à categoria, ainda que oriunda de fontes normativas distintas, a natureza das normas coletivas autônomas ou heterônomas se submetem às mesmas regras de validade, ainda que o artigo art. 614, § 3º, não  mencione a sentença normativa, expressamente, superando a jurisprudência da SDC do TST, também no que se refere ao Precedente Normativo 120. Em conclusão, analisando-se os dispositivos legais aplicáveis ao deslinde do tema sob análise, em nosso entendimento a sentença normativa pode ter efeitos fixados por até quatro anos. Todavia, no silêncio quanto à extensão dos efeitos, esses não subsistirão automaticamente pelo quadriênio máximo previsto em lei  ou até que nova norma coletiva a substitua, mas, sim, pela período de vigência geral expressamente fixado pelo Tribunal prolator da decisão. Como último ponto de atenção, é importante ressaltar que algumas empresas optam por manter os benefícios instituídos por norma coletiva com vigência expirada, por mera liberalidade como uma decisão de negócio sob o ponto de vista administrativo e até mesmo estratégico visando a retenção de talentos e competitividade no mercado. Neste caso, por não se fundarem em norma coletiva de aplicação mandatória, tais benefícios adquirem natureza contratual, que aderem ao contrato de trabalho e não podem ser suprimidos, sob pena de modificação lesiva e, assim, nula de pleno direito, já que decorrem de decisão do empregador no exercício de seu poder diretivo e organizacional.
Vacinas salvam vidas, isto é um fato inquestionável. Contudo, o presente artigo tem por finalidade refletir sobre ser ou não um ato discriminatório a demissão por justa causa de um empregado não vacinado, tudo sob a chancela pelo Poder Judiciário. A Constituição Federal, nos incisos III e IV de seu artigo 3º, afirma constituir como objetivo fundamental da República a erradicação da pobreza, redução de desigualdades, e a promoção do bem geral sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O inciso I do artigo 7º da Constituição Federal diz que é direito do trabalhador a proteção da relação de emprego contra despedidas arbitrárias. Outras duas proteções constitucionais que posso citar neste sentido são aquelas previstas nas alíneas "a" e "b" do inciso II do artigo 10 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde o legislador visou a proteção do emprego de trabalhadores eleitos para cargos da "CIPA" e da empregada gestante, impedindo sua dispensa arbitrária. Pode-se concluir, portanto, que a proteção da relação de emprego e sua manutenção são objetivos primários contidos na Constituição Federal, que fixa como preceito fundamental da República a vedação de qualquer tipo de discriminação ou limitação à pessoa humana. A Convenção da Organização Internacional do Trabalho - OIT nº 111, promulgada pelo Decreto nº 62.150 de 19 janeiro de 1968, proíbe toda e qualquer tipo de discriminação no emprego ou na profissão. Neste sentido, foi editada a Portaria nº 1.246, de 25 de maio de 2010, do Ministério do Trabalho e Emprego, que proíbe que empresas do país exijam teste de HIV, de forma direta ou indireta, em exames médicos admissionais, demissionais, avaliações periódicas ou em decorrência de mudanças de função do trabalhador. Por esta Portaria, ficou vedada a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego ou à sua manutenção. A Lei nº 9.029 de 1995, por sua vez, diz que fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, seja ela por motivos de sexo, origem, raça, cor, estado civil ou situação familiar. Referida norma aduz ser crime a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado ou qualquer outro meio que indique o estado de gravidez ou induza à esterilização. Essa lei tipifica como sujeitos ativos desse crime o empregador, mas também o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Vê-se que o intuito desta lei, portanto, é garantir o acesso e a manutenção no emprego, sendo vedada qualquer prática discriminatória ou limitativa, seja pelo particular, seja pelo ente público. Assim, entendo que nosso ordenamento jurídico sempre buscou impor medidas que impedissem a prática de qualquer tipo de discriminação ou limitação ao trabalhador, para o ingresso ao emprego ou para sua manutenção, seja por motivos de origem, raça, cor, sexo, posições política ou religiosa, ou qualquer outro tipo, tipificando essa prática como crime e tendo, inclusive, o ente público como agente ativo do tipo penal. Neste diapasão, com todo o respeito devido, penso ser muito delicado o posicionamento adotado pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), quando do julgamento do Recurso Ordinário interposto pela reclamante nos autos a Reclamação Trabalhista nº1000122-24.2021.5.02.0472, pois pode ser tido como uma prática limitativa ao emprego. No caso em epígrafe, a 13ª Turma do E. TRT/SP, por unanimidade de votos, negou provimento do Recurso Ordinário interposto pela reclamante que visava reverter a justa causa que lhe fora aplicada pela empresa, pelo fato dela não ter sido vacinada contra a Covid-19. Fundamentou o colegiado, de forma resumida, que "é público e notório que a Organização Mundial da Saúde tem afirmado e reiterado que para conter a propagação do vírus e evitar a propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas, é necessária a adoção de diversas medidas práticas concomitantes, tais como: o distanciamento social, higienização de mãos, correto uso de máscaras e, principalmente, a vacinação em massa da população". Ainda, em sua fundamentação, utilizou-se a Colenda Turma julgadora da lei 13.979 de 2020, mais especificamente do quanto disposto no artigo 3º, inciso III, que diz sobre a determinação de vacinação compulsória.   Ocorre que, no meu entender, o v. acórdão proferido viola a Constituição Federal, a Convenção da OIT nº 111, a lei 9.029/1995 e os termos da Portaria 1.246/2010 do MTE, pois claramente limita a manutenção do emprego e acaba por discriminar e segregar parte da população que, por motivos diversos, ainda não se decidiu pela vacinação. No meu modesto entender, a decisão em comento pode ser entendida como uma validação para a prática de atos discriminatórios, limitativos e segregacionistas, sob a pretensa conclusão de que as vacinas criadas para enfrentamento da Covid-19 seriam a única solução para a evitar a propagação do vírus. Mesmo se assim o fosse, o que sabidamente não é, pois é fato público e notório que mesmo as pessoas vacinadas podem contaminar e serem contaminadas, impedir que uma pessoa permaneça em seu emprego por não ter sido vacinada é sim uma prática discriminatória e limitativa que fere toda a legislação acima apontada, em total colisão com os princípios norteadores do Direito do Trabalho. A decisão em comento equipara-se a um "Passaporte da Imunidade/Vacinal" para o trabalho, criando uma norma ou uma exigência para a obtenção ou manutenção do emprego, contrariando princípios norteadores do Direito do Trabalho, como, por exemplo, o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego. A Organização Mundial da Saúde é contra a criação de tal medida. Em 6 de abril de 2021, um porta-voz da OMS defendeu que não é o momento para países adotarem o tal passaporte da Covid-19, baseados na vacinação, pois ainda existem incertezas sobre a eficácia dos imunizantes em barrar a transmissão da doença. Ainda segundo a OMS, pesquisas apontam que as vacinas impedem casos graves da doença, mas os imunizados ainda podem transmitir ou desenvolver a doença. Ora, se a própria OMS ainda não tem certeza sobre a eficácia das vacinas quanto à imunização e à transmissão do vírus, desaconselhando a criação do passaporte sanitário, então, sim, a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo é, no mínimo, prematura e temerária, pois. s.m.j, abre caminhos para a realização de atos discriminatórios, limitativos e, sobretudo, segregacionistas. Validar a dispensa de um empregado por justa causa pelo fato dele não ter se vacinado, pode dar ensejo a uma série de violações de direitos e liberdades individuais, tudo sob o manto legal. Concordar com essa modalidade de dispensa, fundamentando tal situação no fato do empregado não estar vacinado, é ir contra os princípios basilares do Direito do Trabalho que visam a proteção do emprego e a dignidade do trabalhador. Fere princípios constitucionais e limita direitos estabelecidos por meio de normas internacionais. Penso que a solução para esse dilema deve ser mais aprofundada, cabendo ao Poder Judiciário, em especial à Justiça do Trabalho, promover o debate e a troca de ideias nos mais diversos ramos da sociedade, a fim de buscar alternativas para a questão. Ainda é muito cedo para se cravar posições tão radicais quanto ao tema. A pandemia tem pouco tempo e a ciência ainda não conseguiu nos dar todas as respostas. Ao empregador, por outro lado, cabe adotar as medidas de segurança que são de conhecimento geral, como, por exemplo, a conscientização, o fornecimento de álcool em gel no ambiente de trabalho, a fiscalização do uso de máscaras e do distanciamento social, a implantação de barreiras físicas que impeçam ou limitem a troca de gotículas de saliva entre pessoas, a higienização e desinfecção constantes do ambiente de trabalho, a realocação do trabalhador para outro posto, se possível, o teletrabalho ou o home office, dentre outras. A rescisão contratual por justa causa ao não vacinado é medida de extremo rigor e, no meu entender, desproporcional e fora do alcance legal. Diante de tantas incertezas provocadas por essa por essa pandemia, a certeza que temos é que empregos devem ser preservados para que o trabalhador, hipossuficiente que é, não se veja desamparado por aquele que tem o dever de lhe proteger. Devemos ter paciência e bom sendo na tomada de decisões. *Thiago Monroe Adami é advogado. Sócio do escritório Adami, Gaspar e Torini Advogados Associados. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela escola Paulista de Direito.
Mesmo sem a conclusão da quarta etapa do programa, a estrutura do Open Banking já está sendo discutida pelo judiciário trabalhista e o tema pode definir o rumo de alguns players do mercado. Como se sabe, nem todas as instituições participam do Open Banking. O sistema financeiro aberto indica um caminho próspero e necessário, especialmente para elevar a concorrência, permitindo um produto de excelência ao consumidor final, em tese, mais acessível. Analisamos julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul para compreender como a Justiça do Trabalho tem recepcionado o tema. A principal discussão gira em torno do enquadramento sindical. Não é porque determinada Instituição Financeira (IF) participa do arranjo financeiro que todos os players são considerados bancos. O que define qual sindicato determinada empresa está vinculado é a sua atividade preponderante, e não as atividades desempenhadas por determinado colaborador - tal como preceitua o artigo 511 da CLT. Em sessão realizada no dia 23/09/2021, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo soube distinguir o "joio do trigo" ao analisar e julgar o processo 1000377-23.2015.5.02.0203. Na ocasião, o TRT Paulista negou provimento ao Recurso Ordinário do autor que pretendia o enquadramento sindical à categoria dos bancários. O empregador é uma Instituição de Pagamento (IP) e há época dos fatos estava vinculada ao Sindicatão. O acórdão foi preciso ao destacar que "informações da empresa em rede social não é prova a desconstituir os registros oficiais perante Órgão Estatais". Além disto, prestigiou a prova técnica ao fundamentar que "a opinião leiga não se sobrepõe a assertivas técnicas de especialistas". Em fase de instrução, o Juiz determinou a realização de prova pericial para "análise de documentação e para que seja esclarecido se de fato, a 1ª reclamada constituiu-se como financeira e se há financiamento de valores". Em outras palavras, a empresa não pode deixar que o julgador analise uma matéria tão sensível com a percepção apenas da prova testemunhal. É fundamental que a empresa formule requerimento para perícia técnica. A prova testemunhal se socorre da memória para lembrar dos fatos, já a perícia se fundamenta na ciência para contribuir com o julgador. A diferença de uma Instituição de Pagamento (IP) para uma Instituição Financeira (IF) é enorme. A começar pela expressa vedação de realizar atividades idênticas - O Banco Central veda que a IP, por exemplo, conceda empréstimo e financiamento para seus clientes. Mesmo que alguma IP atue como correspondente bancária de determinada IF, não se pode concluir que a Instituição de Pagamento atue como se banco fosse! Conforme Resolução nº 3.954 do Banco Central do Brasil, as Instituições Financeiras estão autorizadas a contratar empresas correspondentes bancários para desempenhar atividade administrativas, tais como: (i) encaminhamento de proposta de abertura de conta; (ii) realização de recebimento, pagamentos e transferências eletrônicas; (iii) recebimento e pagamento de qualquer natureza; (iv) execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da Instituição Financeira; (v) realização de operação de câmbio de responsabilidade da IF, além de outras hipóteses previstas no artigo 8º da citada Resolução. Quanto à licitude desta terceirização - contratar uma empresa para atuar como correspondente bancária -, o Tribunal Superior do Trabalho já concluiu ser lícita tal prática (RR 900-26.2016.5.20.0006). Destarte, superada discussão sobre a licitude do correspondente bancário e, mais, estando o Magistrado ciente das distinções entre uma IF e uma IP, não restam dúvidas de que eventual pedido de enquadramento sindical distinto deve ser julgado improcedente. Concluímos com entusiasmo as inúmeras decisões que negaram o pedido de equiparação aos bancários1. Entretanto, como o tema ainda é recente, verificamos, também, decisões que equiparam a Instituição de Pagamento com um banco[2]. Embora isto não seja autorizado pelo Banco Central, parte dos autores têm tido êxito. Portanto, para que se tenha uma correta conclusão da "atividade preponderante" da empresa, fundamental que seja feita uma perícia (contábil/societária), a fim de que o Magistrado esteja convencido de que as testemunhas tinham uma visão míope do negócio. No próximo dia 29 de outubro, aliás, terá início a terceira fase do Open Banking. Nesta fase, surge a possibilidade de compartilhamento dos serviços de iniciação de transações de pagamento. E, segundo o próprio Banco Central, "isso abre caminho para o surgimento de novas soluções e ambientes para a realização de pagamento". Estaremos atentos para saber o que o judiciário trabalhista conhece acerca do Open Banking! *Igor Cazarini Sevalli é bacharel em Direito pela FMU/SP. Advogado especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE), com formação em Compliance Laboral pela Wolters Kluwer (Espanha); coautor do livro "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno, 2020); Coautor do livro "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e coordenador da área trabalhista do escritório Tilkian Marinelli Marrey Advogados. __________ 1 Processos de nºs 0012114-55.2017.5.03.0134, 1001080-32.2017.5.02.0025, 1000123-86.2021.5.02.0705, 0010207-10.2020.5.03.0047 e 0010545-66.2020.5.15.0138. 2 Processo de nº 0010517-31.2017.5.03.0173.
Nosso ordenamento pátrio possui diversas previsões trabalhistas destinadas à proteção da maternidade e ao trabalho da mulher. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção nº 103, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, principal norma internacional em vigor sobre a proteção à maternidade. Os dispositivos protecionistas têm por objetivo assegurar direitos para que a mulher gestante não seja discriminada em razão da maternidade, garantindo o equilíbrio contratual e iguais condições no mercado de trabalho. Assim, em meio às graves crises sanitária e econômica causadas pela Covid-19, foi publicada a lei 14.141/21 que determina o afastamento da empregada gestante de suas atividades presenciais, sem prejuízo de remuneração, enquanto perdurar a situação de emergência de saúde pública, observadas as orientações da Organização Mundial de Saúde - OMS. A referida Lei tem por objetivo afastar a funcionária gestante do trabalho presencial com a manutenção de sua renda, sendo facultada a opção de teletrabalho ou outra forma de trabalho remoto. Contudo, o grande obstáculo da imposição legislativa é que muitas atividades necessitam ser realizadas no local da prestação de serviço, sendo incompatíveis com as formas remotas de execução. A matéria controvertida da lei 14.141/21, portanto, se debruça objetivamente em relação a fonte pagadora nos casos impossibilidade do exercício da profissão a distância. A Lei em comento foi omissa no tocante ao afastamento das empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas a distância. Ou seja, a lei 14.141/21 não definiu de quem será a responsabilidade da manutenção da fonte de renda das gestantes. Historicamente, uma longa jornada já foi trilhada com a promulgação de normas voltadas para a proteção da mulher trabalhadora. Contudo, há de se lembrar que o ônus financeiro do afastamento da gestante, sem contraprestação dos serviços dada a incompatibilidade dos meios remotos com a função desempenhada, não pode recair exclusivamente sobre o empregador. Cabe ressaltar que, em tempos de pandemia, se mostrou latente a preocupação do legislador no delicado equilíbrio de preservação de emprego e renda das empresas. Inclusive, a própria Constituição Federal estabelece que é dever do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Por outro lado, o repasse de custos ao empregador irá contribuir negativamente para o paradigma da contratação de mulheres, fomentando a discriminação no mercado de trabalho e, sobretudo, colaborando para o aumento da desigualdade de gênero. Diante das controvérsias e lacunas trazidas pela lei 14.141/21, é preciso destacar o entendimento inicial do Poder Judiciário, conforme julgados das Varas Cíveis Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª região sobre o tema, que imputou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a responsabilidade do pagamento das verbas relativas ao afastamento das gestantes, cabendo restituição integral caso o pagamento seja realizado pelo empregador. Destarte, o encargo está fundado no dever constitucional do Estado de garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Os custos com a proteção à maternidade devem ser pagos pelo sistema público de seguridade social, jamais pelo empregador da iniciativa privada, tal como estabelece a Convenção nº 103 da OIT em seu art. 4, item 8, diante do regime cooperativo de proteção da criança regido pelo princípio da solidariedade. Cabe salientar, ainda, que a Reforma Trabalhista trouxe a inovação do art. 394-A, §2º da CLT, criando a hipótese de concessão de salário-maternidade antecipado, assegurando à empregada gestante afastamento do trabalho em razão de desempenho de atividade em ambiente insalubre. Essa obrigação, aliás, decorre do sistema solidário e contributivo que vigora no Brasil. Assim, idêntico entendimento pode ser aplicado a lei 14.151/2021, por analogia, tal como ocorre nos casos de insalubridade, cujo afastamento da gestante se dá como medida de saúde e segurança em proteção à maternidade. Finalmente, resta claro que a lei 14.151/2021 quer proteger a mulher gestante no mercado de trabalho, mas, notadamente, precisa de edição legislativa para sanar as lacunas deixadas em relação a responsabilidade do ente pagador, em particular quando as empregadas gestantes não têm condições de exercer suas atividades a distância. Em arremate, até que seja apresentada alguma medida legislativa para sanar as incongruências citadas, as empresas podem demandar judicialmente requerendo que ônus da manutenção da fonte de renda das gestantes seja de responsabilidade da Previdência Social. *Nayara Felix de Souza é advogada Trabalhista do escritório Bruno Junqueira Consultoria Tributária e Empresarial. Bacharel em Direito pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Pós-graduanda em Mediação, Conciliação e Arbitragem.
A pandemia do coronavírus causou profunda transformação em todo o mundo. Seja na forma de convivência, nas restrições causadas e, como não poderia deixar de ser, nas relações de trabalho, notadamente em relação ao zelo e ao maior cuidado dos empregadores acerca das medidas de saúde, higiene e segurança que, se já eram importantes antes da pandemia, passaram a ser questão de ordem após esse histórico evento, a fim de evitar a caracterização de doença ocupacional decorrente da Covid. No plano legislativo, várias normas foram promulgadas para disciplinar procedimentos relacionados ao mundo do trabalho, mas iremos nos ater a duas delas e que trouxeram importantes mudanças que servem de norte para que o empregador possa se desincumbir do ônus de descaracterizar o nexo causal entre a eventual infecção do empregado pelo coronavírus e o ambiente de trabalho. A primeira é saber o que, efetivamente, o STF decidiu ao apreciar a constitucionalidade da MP 927/2020, em especial o art. 29, que previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Em suma, o STF não reconheceu automaticamente a COVID como doença ocupacional, apenas asseverou que o ônus da comprovação do nexo causal não pode e nem deve ser do empregado, mas sim do empregador. Ou seja, se a regra explicitada no dispositivo declarado inconstitucional era de que os casos de COVID não seriam ocupacionais, presume-se, agora, que tais casos são de natureza ocupacional, especialmente, mas não exclusivamente, quando se desempenhar atividade essencial, salvo se o empregador comprovar que adotou todas as medidas de higiene, saúde e segurança para evitar a contaminação. Assim, o STF decidiu que existem situações que, a priori, estabelecem nexo causal entre a doença e o trabalho, a exemplo do acometimento de profissionais de saúde que estejam na linha de frente no combate ao COVID. Decidiu também que em todos os casos caberá ao empregador fazer a prova de que adotou, no ambiente de trabalho, todas as medidas de higiene exigidas pelas autoridades sanitárias, como forma de evitar a transmissão e infecção pelo novo coronavírus. Trata-se de presunção juris tantum, que pode e deve ser desconstituída mediante prova em contrário. Devemos registrar, entretanto, a possibilidade de que, mesmo na área de saúde, em algumas situações o nexo causal seja desconstituído. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do TRT da 18ª Região, em sessão de 16/06/2021, proferiu decisão no processo nº 0010736-32.2020.5.18.0008, afastando o nexo causal entre a doença e o trabalho exercido por um técnico de enfermagem que atuava somente em homecare, ressaltando que o empregador fez prova de que o empregado não trabalhava em ambiente hospitalar exposto ao contato com pacientes com coronavírus. Há, ainda, jurisprudência que vem se firmando no sentido de que se a prova, a cargo do empregador, evidenciar que foram adotadas todas as medidas de proteção à saúde do trabalhador para combate à pandemia, exigidas pelas autoridades sanitárias, afasta-se o nexo de causalidade, ainda que o empregado trabalhe em ambiente cujo risco de contágio seja mais acentuado. É como decidiu o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Caruaru/PE, em sentença proferida no último dia 20/07/2021, no processo nº 0000875-16.2020.5.06.0312. Por outro lado, já há decisões firmando tese de que no caso de empregados que exercem suas atividades sob risco acentuado de contágio, como em ambiente hospitalar, a responsabilidade do empregador seria objetiva, isto é, independente de culpa, tornando-se desnecessário aferir se foram ou não adotadas as medidas de proteção, ao passo que para os trabalhadores que não estão expostos a risco acentuado no ambiente de trabalho aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, o qual precisará comprovar a adoção das medidas protetivas para que a doença não se caracterize como ocupacional. É o que decidiu a 1ª Turma do TRT da 4ª Região, em acórdão publicado no dia 15/07/2021, no processo nº 0020390-19.2020.5.04.0821.  Analisando o art. 20 da lei 8.213/91, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho elaborou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, fazendo registro sobre a caracterização da COVID como doença ocupacional nos casos em que houver o risco acentuado: "Inicialmente, é importante esclarecer que a COVID-19, como doença comum, não se enquadra no conceito de doença profissional (art. 20, inciso I), mas pode ser caracterizada como doença do trabalho (art. 20, inciso II): "doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente". A COVID-19 não consta da lista prevista no Decreto nº 3.048, de 1999 (anexo II), mas pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se o disposto no §2º do mesmo artigo 20: § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. As circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador. Além dos casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados, outras atividades podem gerar o enquadramento." A teor do § 2º do art. 20 da lei 8.213/91, a caracterização da COVID como doença ocupacional deve ser excepcional, já que se trata de patologia que não integra a relação estabelecida no Decreto 3048/99, o que atrai a necessária comprovação de que a doença resultou de condições especiais de trabalho, e sem a adoção das medidas de proteção contra o coronavírus. Acresça-se a essa conclusão o fato de que o art. 20, §1º, "d", da lei 8.213/91 prevê expressamente que:    "Art. 20. [...] § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: [...] d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho". (g.n.) Portanto, para que a Covid seja considerada doença ocupacional, será preciso coexistir as seguintes situações: a) A doença é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (risco mais acentuado que o normal); b)  Que haja evidências concretas de que alguns trabalhadores se contaminaram concomitantemente; c) Que o empregador não tenha se desincumbido do ônus de demonstrar, de forma concreta, que envidou todos os esforços e implementou todas as medidas no sentido de evitar a contaminação.  Apesar da possibilidade de exclusão do nexo de causalidade entre o trabalho e a Covid-19 nas hipóteses acima destacadas, é imprescindível que o empregador tenha em mente as medidas de prevenção para evitar a disseminação do vírus no ambiente de trabalho. Existe, ainda, outra norma importante e que deve servir de norte para o empregador nas relações com seus empregados, qual seja, a lei 13.979/2020, que prevê em seu art. 3º, III, "d", que:  "Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: [...] III - determinação de realização compulsória de: [...] d) vacinação e outras medidas profiláticas" Acrescente-se, ainda, a previsão expressa no inciso III-A do mesmo artigo, que impõe ao empregado o "uso obrigatório de máscaras de proteção individual". Assim, da mesma forma que o empregador deve adotar todas as medidas de saúde, higiene e segurança do trabalho, visando neutralizar ou mesmo impedir a contaminação dos seus empregados, o empregado também deve fazer a sua parte, sendo desaconselhável recusar a vacinação, salvo motivação justificada, sendo-lhe, entretanto, garantido o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e o respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, na forma dos incisos I a III do parágrafo 2º do art. 3º da mesma lei 13.979/20201. Diz-se desaconselhável a recusa do empregado à vacina, pois, apesar de a vacinação não ser obrigatória, é medida compulsória, podendo-se aplicar sanções ao empregado diante da sua recusa, principalmente em razão desse comportamento importar em risco para toda a sociedade. Nesse cenário, importante alertar o leitor para a possibilidade de aplicação até mesmo da pena máxima prevista na lei trabalhista, qual seja, a dispensa por justa causa, desde que o direito à informação, citado no parágrafo acima, lhe tenha sido garantido. Nesse sentido, podemos citar recente acórdão do TRT da 2ª Região, no processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472. A obrigação do empregado de cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho está expressa no art. 158 da CLT. O STF, ao julgar o ARE 1.267.879, declarou a natureza compulsória da vacinação. Confira-se a Tese fixada:  "6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". (STF, Tribunal Pleno, ARE 1267879, Relator: Min. Roberto Barroso, publicado em 08/04/2021) Assim, caso fique demonstrado que o empregado teve ciência da necessidade de se vacinar e não o fez, nem apresentou qualquer justificativa, ao empregador é possível adotar medidas disciplinares, inclusive, a justa causa.  Diante da análise realizada, podemos concluir que, mesmo após o STF ter declarado inconstitucional o art. 29 da MP 927/2020, - norma que, inclusive, já caducou -, a Coviud-19 não é doença caracterizada automaticamente como de natureza ocupacional. Muito pelo contrário, seguindo a ordem das legislações trabalhista e previdenciária vigentes, a caracterização da doença ocupacional é excepcional, derivando de risco acentuado no ambiente de trabalho que advém da natureza da atividade (podendo, nesse caso, atrair a responsabilidade objetiva do empregador pela teoria do risco), ou da ausência de adoção das medidas de prevenção à transmissão do coronavírus, notadamente aquelas exigidas pelas autoridades sanitárias, o que enseja relação entre o trabalho e a doença (nexo causal), bem como caracteriza a negligência do empregador (culpa), fazendo incidir a sua responsabilidade subjetiva. Nesse contexto, é de suma importância que o empregador cumpra todas as medidas sanitárias de proteção e as fiscalize (a exemplo da fiscalização do uso de máscaras e ampla divulgação e orientação sobre vacinação), mantendo sempre em seu poder as evidências das condutas adotadas, de modo a se desincumbir do seu encargo probatório em eventual reclamação trabalhista. *Luis Henrique Maia Mendonça é advogado especialista em Direito Processual Civil, sócio do MMC & Zarif Advogados.   **Mariana Larocca S. Rodrigues Mathias é advogada especialista em Direito do Trabalho, sócia do MMC & Zarif Advogados. __________ 1 Nesse sentido, vide julgado do STF nas ADI's 6586 e 6587, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, publicado em 07/04/2021.
Nos últimos anos, o tema relativo ao assédio moral tem sido analisado sob os mais variados aspectos (psicológico, sociológico, jurídico) e sob as mais diversas abordagens (relativamente aos sujeitos envolvidos, aos fatores socioeconômicos e organizacionais do trabalho, às consequências na saúde física e mental do trabalhador etc), resultando em uma extensa bibliografia a respeito.  O presente artigo, de forma suscinta, examinará o assédio moral sob o seu aspecto configurativo, atendo-se, especialmente, a um dos requisitos caracterizadores deste tipo de violência no trabalho: a delimitação temporal.  Cabe esclarecer que o estudo ora proposto resulta da seguinte indagação: configura-se assédio moral a conduta abusiva praticada de forma pontual, mesmo que mais de uma vez, porém não de forma reiterada e prolongada no tempo?  O ponto de partida desta pesquisa, evidentemente, é a análise da conceituação do fenômeno em comento, da qual é possível se extrair os elementos caracterizadores do assédio moral.  É fato, no entanto, que não existe um conceito fechado sobre o tema. Verificam-se junto à doutrina variadas definições acerca do assédio moral. Também a jurisprudência cuida de conceituar o fenômeno a partir de elementos caracterizadores diversos.  Nesse prumo, Rodolfo Pamplona Filho define o assédio moral "como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social". Assim, para o jurista, os requisitos caracterizadores do assédio moral são: a) conduta abusiva; b) natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) reiteração da Conduta; e d) finalidade de exclusão.1  Já o Desembargador Federal do Trabalho, Dr. Sérgio Pinto Martins, diz que o assédio moral "é uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém."2  O autor afirma que este tipo de violência se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: a) conduta abusiva; b) ação repetida; c) postura ofensiva à pessoa; d) agressão psicológica; e) finalidade de exclusão do trabalhador e g) dano psíquico emocional.  A jurisprudência trabalhista aponta, ainda, outros requisitos necessários para configurar o assédio moral, conforme é possível verificar pela ementa abaixo:  "RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. A princípio, vale ressaltar que para configuração do dano moral na esfera trabalhista mostra-se necessária prova inequívoca de que o empregador tenha agido de maneira ilícita, por ação ou omissão, cometendo abusos ou excessos no poder diretivo, de modo a causar ofensa pessoal, violação à honra, imagem ou intimidade de seu funcionário, acarretando abalo emocional apto a ensejar a reparação pretendida. A doutrina e a jurisprudência têm apontado como elementos caracterizadores do assédio moral, a intensidade da violência psicológica, o seu prolongamento no tempo (tanto que episódios esporádicos não o caracterizam) e a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, com a intenção de marginalizá-lo, pressupondo um comportamento premeditado que desestabiliza, psicologicamente, a vítima. O direito à reparação do dano nasce a partir do momento em que ocorre a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial, como a vida, a honra, a intimidade, imagem etc. No caso em tela não restou evidenciada a conduta ilícita da reclamada, eis que não comprovadas nos autos as humilhações e a forma vexatória de cobrança de metas." (TRT da 2ª Região; Processo: 1001950-31.2017.5.02.0202; Data: 13-06-2019; Órgão Julgador: 12ª Turma - Cadeira 1 - 12ª Turma; Relator(a): MARCELO FREIRE GONCALVES)  Do debate doutrinário e jurisprudencial, existente acerca dos elementos caracterizadores do assédio moral, inegável que os pontos em comum são a conduta abusiva e a ação repetida e prolongada no tempo.  Portanto, essencialmente, a configuração do assédio moral ocorre com a prática da conduta abusiva reiterada e ao longo de determinado lapso temporal, de modo que o elemento relativo à delimitação temporal é considerado o principal para a caracterização do referido fenômeno.3  Segundo os estudos pioneiros do assédio moral, estabeleceu-se como necessário para caracterizar o fenômeno "que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de 6 (seis) meses."4  Nehemias Domingos de Melo afirma que "para caracterizar o assédio moral, não basta a situação vexatória esporádica ou ocasional. Há que resultar de uma ação prolongada e continuada (alguns chegam a estimar esse tempo em seis meses), de exposição constante, de reiterados ataques."5  Neste mesmo sentido, é a decisão proferida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, in verbis:  "INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A caracterização do assédio moral pressupõe uma cotidiana, exagerada e ilegal perseguição de um trabalhador em seu ambiente laboral. A referida perseguição, que configura o assédio moral, dá-se, ordinariamente, ao longo de um certo lapso temporal, não se limitando, portanto, a um fato isolado, mas a um conjunto de atitudes lastimáveis que resultam na opressão do trabalhador, retirando-lhe a autoestima e a capacidade profissional, atingindo a sua vida privada, honra, imagem e intimidade, passando a ser exigível, por consequência, reparação. Não existindo comprovação dos fatos alegados, indevida é a indenização por dano moral." (TRT da 2ª Região; Processo: 1000308-70.2020.5.02.0702; Data: 10-06-2021; Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 1 - 1ª Turma; Relator(a): MOISES DOS SANTOS HEITOR)  Alguns doutrinadores, entretanto, defendem "não ser necessária essa regularidade e esse prazo para que o fenômeno seja reconhecido, sendo evidentemente indispensável o prolongamento no tempo por meio de mais de um ato."6  Destaca-se que o TRT da 9ª Região, em acórdão publicado em 2004, entendeu pela ocorrência do assédio moral, afastando a necessidade da presença do requisito temporal, in verbis:7  "ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO. IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃO TENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO. Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral tem merecido reflexão e debate em função de aspectos que, no atual contexto social e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições de trabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. A pressão sobre os empregados, com atitudes negativas que, deliberadamente, degradam as condições de trabalho, é conduta reprovável que merece punição. A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado, inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que se prolongou o comportamento. A reparação do dano é a forma de coibir o empregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, em indiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providência no curso do contrato de trabalho, o que, certamente, colocaria em risco a própria manutenção do emprego. Recurso provido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos provocados pelo assédio moral." Acórdão do TRT 9ª Região, autos TRT-PR-09329-2002-004-09-00-2. ACO-00549-2004. Publicado em 23.01.2004.  Seguramente, a ação abusiva e humilhante no trabalho, mesmo observada de forma isolada, pontual, ou, ainda não prolongada, porém capaz de provocar no trabalhador profunda dor emocional, de produzir um dano à sua dignidade, demanda a configuração da violência moral.  Defende tal posicionamento Leda Maria Messias da Silva, ao afirmar que "pode acontecer que uma única conduta do agente agressor, tenha um efeito tão negativo na vida da vítima, que isto venha a repercutir em uma série de atos desencadeados por aquela única conduta, então, será o caso de caracterização do assédio, por uma única conduta."8  Engessar a caracterização do assédio moral à exigência de um prazo mínimo e de uma periodicidade determinada, desconsiderando a análise das circunstâncias do caso concreto, pode implicar injustiça, haja vista que uma única conduta é hábil a gerar dano à honra e à intimidade do trabalhador.  Todavia, ainda que se entenda que a caracterização do assédio moral dependa da repetição e prolongamento no tempo, a violência sofrida pelo indivíduo no ambiente de trabalho pode configurar causa de rescisão indireta por rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador (art. 483, "a" e "b", da CLT), por perigo manifesto de mal considerável (art.483, "c", da CLT), por descumprimento de deveres legais e contratuais (art. 483, "d", da CLT), ou por ato do empregador ou de seus prepostos que lesione a honra e a boa fama do empregado ou de pessoas de sua família (alínea "e" do art. 483 da norma consolidada).9  Derradeiramente, a violência moral no trabalho é conduta reprovável que afronta o patrimônio moral do trabalhador, devendo ser coibida e punida, independente de reiteração e de extensão ao longo do tempo. *Ana Paula Bodra é advogada trabalhista, especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNITAU.  __________ 1 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 70, n. 9, p. 1079-1089, set. 2006. 2 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 3 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 4 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 5 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 6 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 7 ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 203-214, abr./jun. 2007. 8 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 9 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.
O trabalho remoto é uma tendência do mercado que vem se desenhando há algum tempo e que se intensificou após a pandemia do novo coronavírus. Inesperadamente, as empresas tiveram que se adaptar à nova realidade imposta pela necessidade de manter o isolamento social e, mais do que uma necessidade, passou a ser um dos itens de maior desejo dos empregados. O home office foi amplamente implementado e o regime de teletrabalho, disciplinado pelo artigo 75-A e seguintes da CLT, ganhou maior espaço de aplicação. Se antes as empresas eram resistentes a esta forma de trabalho, justamente por se tratar de algo novo trazido pela lei 13.467/2017, agora o que se observa é a resistência dos trabalhadores em retomar atividades presenciais. A lei 13.467/2017 completou 4 (quatro) anos de sanção presidencial em julho/2021 e, mesmo após esse tempo, ainda há muitas dúvidas sobre o que é teletrabalho e como pode ser implementado, além dos riscos que pode gerar ao empregador, o que se intensificou com a disseminação do home office. De maneira geral, a diferença primordial entre as suas hipóteses, isto é, de teletrabalho e de home office, consiste no fato de que o teletrabalho precisa estar previsto no contrato de trabalho, além de que está fundamentado na lei celetista. O teletrabalho, portanto, não se restringe ao trabalho desempenhado de forma remota, assim como também o é o home office. Ele apresenta certas exigências de acordo com o que a nova redação da CLT determina. A título de exemplo, essa modalidade de prestação de serviços é aquela realizada preponderantemente fora das dependências da empresa, com a utilização de meios telemáticos, desde que não constitua trabalho externo. Por sua vez, o home office não foi algo inovador trazido pela reforma trabalhista ou pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, desde 2011 o artigo 6º da CLT tratava do trabalho desempenhado na residência do empregado, o qual não deve apresentar nenhuma distinção entre aquele prestado nas dependências do empregador, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego. No home office não há qualquer exigência específica de previsão contratual tal como no teletrabalho, podendo ser estabelecido pelas políticas internas da empresa. Nesse sentido, será do empregador o encargo de estipular as regras do trabalho, de modo que cada empresa poderá ter seu regime próprio. Em ambas situações, empregados vêm percebendo como vantajoso o trabalho remoto em relação ao modelo presencial. Eles argumentam que experimentaram uma flexibilidade de horários que antes não era possível, o que os fez poder conciliar melhor responsabilidades profissionais e pessoais, além de poder passar mais tempo com a família. Além disso, defendem o ganho de autonomia em relação ao seu tempo, bem mais precioso atualmente. Se do lado dos empregados esse foi o ganho experimentado, do lado das empresas houve enorme economia financeira com estrutura física, seja com equipamentos e maquinários, seja com a redução de contas e aluguéis. E mais do que isso, de acordo com estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a Em Lyon Business School com 1.075 respondentes, no período de 15 a 29 de março1, a produtividade do trabalho remoto vem sendo maior se comparada ao trabalho presencial. Delineado esse contexto, as empresas foram além e passaram a oferecer vagas de emprego que podem ser desenvolvidos de qualquer lugar do mundo, o que vem fazendo brilhar os olhos dos candidatos e empregados. É o chamado "anywhere office". Essa novidade não se confunde com o teletrabalho, pois ainda não encontra respaldo na lei, tampouco precisa ser estabelecida expressamente no contrato de trabalho. A mais importante diferença consiste no fato de que no "anywhere office" não há apenas preponderância da prestação de serviços fora da empresa, mas sim exercício do trabalho de forma integralmente distante. Na mesma linha de raciocínio, esse modelo vai além do home office, pois pressupõe que o empregador não pode exigir do empregado certa disponibilidade, ou seja, que o empregado não será chamado a comparecer presencialmente nas dependências da companhia. Assim, abre-se espaço para os casos em que o empregado se encontrará não só em cidade distinta a do empregador, mas até mesmo em país diverso. Afinal, o "anywhere office" não impede que o empregado exerça suas atividades em território nacional, internacional, ou, até mesmo, em ambos. Diante disto, surgem as dúvidas: nestas hipóteses, estaríamos diante de um contrato internacional de trabalho? Qual será a lei aplicável a esta relação empregatícia já que coexistiria em ordenamentos jurídicos distintos? As respostas aos questionamentos não são prontas e devem ser construídas caso a caso, de modo que aqui não pretendemos esgotar o assunto, mesmo porque é delicada a questão da legislação aplicável a uma relação jurídica e carece de muito debate, sobretudo quando se trata de contrato de trabalho que tangencia outras áreas do direito, tal como previdenciário e tributário, bem como permite discussões sobre equiparação salarial, isonomia entre empregados, hipossuficiência do empregado e direito coletivo. De toda forma, para colocarmos o tema à reflexão, inicialmente é preciso recorrer ao Direito Internacional Privado e à análise dos elementos de conexão existentes, que nada mais são do que os aspectos presentes no contrato de trabalho que o tornam internacional. Para as hipóteses em que se exige o deslocamento espacial do empregado, há normas que conduzem à solução do conflito de aplicação de regras existente, tais como Código de Bustamante, Convenção de Roma, Convenção do México e Tratado de Assunção. São indicados pelo Direito Internacional Privado os seguintes os elementos de conexão: (i) local da celebração do contrato (lex loci actum); (ii) local da execução do contrato (lex loci executionis); (iii) lei da jurisdição (lex fori); e, (iv) nacionalidade das partes. Nesta esteira, considerando que o trabalho "anywhere office" estaria sendo executado em outro país, é possível concluir que seria um contrato internacional. De acordo com o teor das normas do Direito Internacional Privado, a regra da solução dos conflitos das leis aplicáveis oscila entre o local da execução do contrato e a autonomia da vontade das partes. E, neste sentido, de acordo com o artigo 198 do Código de Bustamante2 (decreto 18.871/1929), Tratado Internacional ratificado pelo Brasil, a lei aplicável seria a do local de prestação de serviços. Tal entendimento, todavia, não é compartilhado pela jurisprudência brasileira, na medida em que as decisões judiciais, em sua maioria, elegem a lei brasileira ou aquela mais favorável ao empregado, regramento que também é admitido como critério para fixação da lei aplicável (princípio da norma mais benéfica). Aliás, os Tribunais Brasileiros, não raras as vezes, fundamentam as suas decisões de conflito de normas internacionais no princípio do centro de gravidade, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, que estabelece o afastamento do Direito Internacional Privado quando, excepcionalmente, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se uma ligação muito mais forte com outro direito. Estes posicionamentos jurisprudenciais ganharam força, inclusive, após o cancelamento da súmula 207 do C. TST, que determinava que deveriam ser aplicados os dispositivos da lei do local de prestação da obrigação. Segundo Amauri Mascaro Nascimento3, mencionada súmula foi construída e pacificada no intuito de proteger os trabalhadores estrangeiros que prestavam o labor no Brasil, de modo que não seria analogicamente aplicada aos casos reversos, isto é, a aqueles empregados brasileiros contratados para exercício da atividade no exterior, razão pela qual teve seu cancelamento decretado. Em contraponto, pode-se levar como premissa que o contrato de trabalho "anywhere office" não pode ser considerado como internacional, mas um contrato de trabalho brasileiro, porém sujeito às leis do país de origem, em que pese não haja determinação quanto ao local de exercício do trabalho. Isto porque é possível entender a questão da liberdade de escolha do lugar de trabalho como um benefício concedido ao empregado, previsto expressamente ou não no contrato de trabalho, mas, no mínimo, regulamentado pelas normas e políticas internas da empresa. Parte-se do pressuposto, nestes casos, de que a materialidade do trabalho pode ser exercida de qualquer lugar efetivamente, o que não acontece em casos em que há conflito de normas aplicáveis devido à necessidade de prestação de serviços naquele local específico. Assim, se cabe exclusivamente ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, seria justo imputar à empresa o ônus de arcar com a aplicação de uma lei diversa daquela que se pretendia, no caso a brasileira? Não obstante os pontos trazidos acima, há quem defenda que sim, pois, de acordo com artigo 2º da CLT, o empregador arca com os riscos da atividade econômica e, tendo permitido ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, deverá se responsabilizar com eventuais consequências negativas. Feitas estas colocações, o que se percebe é que o dinamismo social, indubitavelmente mais veloz do que a atualização das regras que acompanham a sociedade, mais uma vez deu espaço a uma lacuna na legislação, a qual, todavia, está em vias de ser preenchida, com a iminência da alteração da CLT por meio do PL 4.931/2020. Este projeto visa alterar determinados dispositivos da CLT, mais especificamente os artigos 75-A e seguintes, que justamente tratam do teletrabalho, além de incluir o artigo 75-I que versa exclusivamente sobre o teletrabalho transnacional. De acordo com a nova disposição celetista, em seu parágrafo 2º, em casos de execução de trabalho em outra localidade, serão aplicáveis as leis do local da prestação de serviços, sendo este conceito interpretado como o local do estabelecimento da empresa que mantém o vínculo: "Art. 75-I. Considera-se transnacional o teletrabalho quando o empregado estiver em país diverso do qual se localiza o estabelecimento da empresa ao qual esteja vinculado. § 2º No caso de teletrabalho transnacional, aplicar-se-ão as leis do local da prestação de serviços, assim entendido como sendo o local do estabelecimento da empresa ao qual o empregado se encontrar vinculado."  Mais do que isso, a proposta legislativa propõe alteração do artigo 651 da CLT, com vistas a determinar inclusive o foro de eventual reclamação trabalhista nestas hipóteses de trabalho transnacional: "Art. 651 (...) § 4º Na hipótese prevista no § 6º do art. 75-C desta Consolidação, é assegurado ao empregado em teletrabalho apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado ou no local de sua residência no Brasil. § 5º Na hipótese de teletrabalho transnacional, é assegurado  ao empregado apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado no Brasil." Diante disto, podemos concluir que o conflito de normas aplicáveis em casos de contratos de trabalho "anywhere office" estará solucionado? Ora, enquanto não se tem resposta a esta pergunta, o que certamente se pode afirmar é que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não aborda estes aspectos atrelados às novas formas de prestação de serviços. Portanto, o tema deve ser ponto de atenção para as empresas, o que não exime o Poder Legislativo de tratar da questão com brevidade a fim de regulamentar estas situações e conferir segurança jurídica às partes. *Livia Rodrigues Leite é advogada Especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário pela FGV. Graduada pela FACAMP. __________ 1 Disponível aqui. 2 Art. 198. Também é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e protecção social do trabalhador. 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 18. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 319-320.  
A audiência é o ponto culminante do direito processual trabalhista. Trata-se de um ato complexo, uma vez que concentra e atrai os demais atos processuais. Não há dúvida que a audiência, em especial a audiência trabalhista, constitui o ato mais importante da ciência do Direito Processual Trabalhista. Audiência Trabalhista, portanto, é um ato formal e solene, que conta com o comparecimento dos sujeitos do processo: das partes, advogados, juiz do trabalho, servidores da Justiça do Trabalho, testemunhas e peritos. Atualmente, em tempos de pandemia, estamos vivenciando mudanças significativas na realização desse ato processual. Prova disso, o que antes era realizado presencialmente, na estrutura física da Justiça do Trabalho - com a oportunidade da observação atenta dos olhares entre os atores sociais, bem como a aproximação das partes - passou a ser realizado de modo virtual. Com o fechamento dos fóruns e consequente isolamento social, houve o impulsionamento de inovações tecnológicas. Como resultado disso, tal situação produziu reflexos no Processo Judicial Eletrônico. Em pouco tempo, foi necessário evoluir e avançar o que provavelmente somente ocorreria em longos anos. E, neste cenário, as audiências que representam um ato processual complexo ganharam maior destaque na prática trabalhista. Isso porque nos deparamos com a nova e atual discussão sobre videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso? O tema foi abordado no Ato Normativo nº 45 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT.GP.SG Nº 45/2021), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados na videogravação de audiências realizadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Ressalta-se o artigo 1º do Ato: "Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC." Entrementes, a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a vigência do Ato nº 45 (CSJT.GP.SG Nº 45/2021) por despacho assinado em 21/07/2021. A validade do ato normativo, que entraria em vigor, foi objeto de controvérsias, inclusive contestada por diversas entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil. Os aspectos técnicos de solução das dificuldades, como a preparação prévia das equipes de magistrados, sobretudo das técnicas de degravação, serão analisados pelo CSJT.1 Diante das constantes mudanças, destaco que nesse momento, 22 de julho de 2021, o ato está suspenso. Corremos um grande risco dessa mensagem se tornar ultrapassada em pouco tempo. Antes de refletirmos sobre a provocação, faz-se necessário tentarmos destacar o conjunto normativo, em outras palavras, o emaranhado de atos normativos que visam regulamentar os atos processuais realizados de modo virtual. Vale destacar o art. 236, §3º, do Código de Processo Civil, que assegura a prática de atos processuais por vídeoconferência: "§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real." Além disso, a Recomendação nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, de 9/4/2021, que orienta os tribunais brasileiros a gravar atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais. Outra normativa observada é a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ nº 105, de 6/4/2010), que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, e o teor da decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no Processo Nº PP-1001015-64.2020.5.00.0000, ambos dispensando a transcrição dos depoimentos. Ainda, destacamos a Resolução CNJ nº 345, de 9/10/2020, que incentiva a prática de atos processuais exclusivamente por meio eletrônico. Muito se tem discutido sobre a não transcrição dos depoimentos pessoais das partes e testemunhas na ata de audiência. Há quem defenda que a videogravação da audiência trabalhista por se tratar de medida benéfica. Visto que o ato processual se tornará mais célere, afastará prejuízos processuais, uma vez que os depoimentos ficarão gravados e acessíveis a todos os sujeitos do processo. É o que se espera. De certa forma, pode-se observar aspectos positivos, ao conferir a fidedignidade dos atos processuais ocorridos na audiência, sobretudo a releitura da linguagem corporal no momento dos depoimentos pessoais, ou, ainda, diante de requerimentos feitos pelas partes. Diversamente disso, existem opiniões contrárias. Afinal, a posterior análise do processo, de certo modo, poderia ser prejudicada, uma vez que estaríamos diante da ausência da transcrição dos depoimentos pessoais na ata de audiência. Nesse sentido, não há como deixar de observar o art. 851 da Consolidação das Leis Trabalhistas: "Art. 851 - Os tramites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão."  Considerando o que havia sido proposto no Ato nº 45 do CSJT, os registros em ata de audiência se tornariam ineficientes? E, mais, o duplo registro, aqui destacado o Ato de registrar em Ata de Audiência e da gravação em vídeo, tornam menos célere a marcha processual ou garantem o contraditório e a ampla defesa? São indagações pertinentes a outras tantas mudanças, mormente em um curto lapso temporal, sem que tenhamos oportunidade para um melhor desempenho. Em contrapartida, discute-se a real necessidade de se registrar os depoimentos e demais intercorrências ocorridas durante a audiência, visto que a gravação do ato processual estaria disponível. Quanto ao princípio da eficiência, discute-se o tempo despendido. O ato de registrar em ata de audiência seria tempo perdido, ou gastaríamos mais tempo assistindo as videogravações. Criou-se, portanto, uma celeuma. O princípio da cooperação, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, impõe a todos os sujeitos da relação jurídica o dever de colaboração. Em nome da nossa responsabilidade social e profissional, nós operadores direito temos o compromisso do exercício constante de nos adaptarmos e nos atualizarmos. Desafiando melhor a dificuldade abordada, uma possível solução para a celeuma seria a manutenção do registro em ata de audiência, do modo como sempre foi realizado, e somando-se a isso a videogravação como uma ferramenta técnico-processual.  Em arremate, faz-se necessário que a Justiça do Trabalho e os tribunais com a sua competência delegada criem uma padronização, de modo a se adotar uma conduta quanto as audiências telepresenciais ou por videoconferência. Além disso, que sejam disponibilizadas ferramentas tecnológicas, treinamento, e, principalmente, tempo hábil, para que os envolvidos na relação processual tenham segurança jurídica. *Juliane Cristina Silvério de Lima é advogada. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela EPD. Fundadora do Projeto Audiência Trabalhista de A a Z. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 22/7/2021.
A origem do sindicalismo está na união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho no auge da Revolução Industrial. Esse movimento - primeiramente coibido por leis estatais - foi sucedido por uma fase de tolerância para, posteriormente, passar a ser plenamente reconhecido. A atividade sindical deve ser livremente exercida, devendo ser coibida toda e qualquer forma de obstrução, bem como deve sempre buscar a concreção da tutela coletiva de seus representados. A esse respeito a viga mestra é a liberdade sindical, espécie do gênero liberdade de associação, e que representa a base de todo o arcabouço jurídico engendrado para tutelar a livre atuação de trabalhadores, empregadores e seus respectivos sindicatos. Alinhada com a liberdade invariavelmente está a implantação do modelo da pluralidade sindical, que deixa mais concreto essa liberdade sindical e o fortalecimento dessas instituições, de modo a estabelecer analogicamente uma livre concorrência entre eles, e não uma imposição legal de representação como é feito pela unicidade sindical e a representatividade obrigatória. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 assegura tanto o direito de livre associação quanto a liberdade sindical (artigos 5º, XVII a XXI, e 8º caput e I). Não obstante a positivação demonstrada, a liberdade sindical como direito fundamental padece de plena efetividade por conta da estrutura da organização sindical ainda vigente no Brasil, afora a manutenção da unicidade sindical, um dos grandes obstáculos à plena efetivação da liberdade sindical. Pautado nessa liberdade, o foco do direito coletivo do trabalho, enxergado de maneira ampla, possui nas relações sindicais a tutela específica e, ao mesmo tempo, ampla dos interesses coletivos dos trabalhadores e empregadores representados por seus entes sindicais. Logo, contraditório dentro de um sistema de liberdade sindical, como aliás é normatizado inclusive no plano constitucional, fato é que existir qualquer controle estatal - como é o caso, por exemplo, da manutenção da unicidade sindical e da representatividade obrigatória, que são ideias de sindicato monolítico obrigatório - obviamente se contrária à liberdade sindical. Não obstante, nesse modelo já de duvidosa liberdade sindical, pois, ainda há nítida interferência estatal, sobrevém a lei 11.648/08 outorgando a qualidade de ente sindical as centrais sindicais, o que é totalmente dissociado da liberdade e autonomia sindicais plenas e, inclusive, contraditório ao modelo da unicidade sindical. Ademais, essa intervenção contraria a estruturação piramidal já existente em nossa Constituição Federal, isto é, a imposição legal para que as centrais sindicais sejam consideradas entes sindicais causa um colapso estrutural no sistema já existente, pois, ante a unicidade e o sistema confederativo (artigo 8º, IV, da CF/88, destacando que tal padrão existe desde a década de 1930, consoante decreto 19.770, de 1931), não há compatibilidade para que as centrais ocupem qualquer lugar na estrutura, sem que, no caso, seja feita uma prévia e necessária reforma sindical. Essa forçosa limitação imposta pelo Estado é contrária ao quanto preconizado pela Convenção nº 87 da OIT, por manter conduta intervencionista do Estado, propiciando inclusive um sindicalismo corporativista. Gino Giugni1 define claramente que nos sistemas de liberdade sindical é assegurada a liberdade jurídica de constituir organizações com qualquer orientação ou estrutura. Esse modelo, ao nosso sentir, desfavorece a efetividade da atuação plena sindical, e, por consequência, a tutela dos interesses coletivos, pois, o cerne principal dos sindicatos é a representação de seus tutelados para a busca de melhorias nas condições sociais e de emprego havida pelas negociações coletivas, a qual deixa de ser evidenciada por haver uma representatividade imposta (unicidade) e não conquistada (unidade). É nesse o cenário que os entes sindicais atuam, sendo clara e muito ativa as legitimidades dos sindicatos de base, das federações e das confederações. As entidades sindicais, conforme Santos2, constituem espécies particulares de associação, com elementos peculiares que justificam variações na sua disciplina em relação à disciplina geral. E entre essas peculiaridades estão os poderes e as prerrogativas sindicais, os quais relevam o poder de estipular acordos e convenções coletivas de trabalho com abrangência categorial. Logo, por serem uma espécie de associação, aos sindicatos - além dos poderes, prerrogativas e deveres decorrentes de sua personalidade sindical - lhes são aplicáveis todos os dispositivos constitucionais referentes às associações. Contudo, mesmo ao passo da legitimidade dos entes sindicais para as ações coletivas, temos evidenciado a limitação dessa legitimação, com lastro na divisão do modelo sindical por categorias (artigo 511, parágrafos 1º e 2º, da CLT), ou seja, os sindicatos estão legitimados às matérias laborais de interesse metaindividuais,  mas limitados a categoria ou abrangência dessa. Indubitável restou essa legitimidade dos sindicatos quando o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2006, analisando o Recurso Extraordinário nº 193.503-1-São Paulo, em acórdão relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, deixou assentado que o artigo 8º, III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. E nada obstante todo acima exposto e a clarividente legitimação desses entes sindicais, o quadro atual é de esmagadora maioria do encabeçamento das ações civis públicas pelos Ministérios Públicos, do que pelos entes sindicais, estatística essa ressaltada por Mancuso3. A tutela coletiva exercida pelas centrais sindicais seja judicialmente ou extrajudicialmente é, ao nosso sentir, inexpressiva como veremos abaixo. Por regra, em nosso ordenamento jurídico as centrais sindicais são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, que adquirem personalidade jurídica (ainda não sindical) com o registro de seus atos perante o cartório de registro público, vindo a obter a personalidade sindical apenas com o advento da lei 11.648/08. Diante desse desenho piramidal é preciso ainda respeitar o seu agrupamento, que se dá por critério de homogeneidade, dado pela divisão em categorias e pelo princípio da unicidade sindical, não havendo, assim, liberdade para a vinculação entre as diversas entidades sindicais que compõem a pirâmide, já que o sistema se organiza tendo em conta as outras restrições constitucionais existentes à liberdade de organização, quais sejam, a unicidade sindical, a base territorial mínima e a sindicalização por categoria. Não estamos aqui a diminuir ou desprezar a importância política aglutinadora e da enorme capacidade das centrais sindicais na defesa dos interesses de seus "representados", mas essas da forma como concebidas são incompatíveis com o modelo constitucional, de modo que a lei 11.648/08 que lhes outorgou a roupa de ente sindical o fez de maneira não só contrária ao texto constitucional, como também é certo que a mens legis buscava apenas o caráter econômico ligado à extinta obrigatoriedade da contribuição sindical, da qual rentabilidade econômica não participavam essas centrais. Nesse prisma, as centrais sindicais não integram o sistema confederativo sindical brasileiro, sendo entidades de representação geral dos trabalhadores de âmbito nacional, que não dispõem de poderes inerentes às entidades sindicais, principalmente a de representação jurídica. É relevante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro concentra no sindicato as funções de representação e de negociação, sendo que as demais entidades sindicais (federações e confederações, respectivamente) podem exercer essas funções em caso de inércia ou de inexistência do sindicato de base (arts. 617 e 611, § 2º da CLT). Entrementes, a Constituição de 1988 ampliou a legitimidade sindical, por meio das confederações, para propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da declaratória de constitucionalidade (art. 103, inciso IX da CF/88). Neste prumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que só as entidades sindicais de terceiro grau, ou seja, as confederações serão legitimadas a ajuizar ações que versem sobre o controle de constitucionalidade (ADIn 4184/DF), deixando as centrais sindicais de fora desse rol, já que essas são organizações intercategoriais ou multicategorias em uma linha horizontal compreendendo diversas categorias. A própria lei das centrais sindicais que as outorgou a qualidade de ente sindical não lhes atribuiu legitimidade processual, mas sim, apenas, prerrogativas genéricas, tais como: coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores (art. 1º, lei 11.648/08). A respeito das centrais sindicais terem legitimidade para tutela de interesses coletivos, temos que o assunto é bastante denso e controvertido, porém vem prevalecendo que essas não têm representatividade jurídica, segundo Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich4, pois, quando não houver sindicato representativo da categoria econômica ou profissional, poderá a representação ser instaurada pelas federações correspondentes e, na falta dessas, pelas confederações (por aplicação analógica do artigo 857, parágrafo único da CLT). A legitimidade processual é tão inexistente que, em 12 de março de 2021 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, em votação no plenário, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5306, ajuizada pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), contra a Lei Complementar Estadual 502/2013 de Mato Grosso, tendo prevalecido o voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a jurisprudência do Supremo é de que as centrais sindicais não têm legitimidade ativa para ajuizar ação de controle concentrado de constitucionalidade. Importante trazer a lume que a ilegitimidade das centrais sindicais para ajuizar ou tutelar interesse processual coletivo reside no fato dessas congregarem integrantes das mais variadas atividades ou categorias profissionais ou econômicas, não se qualificando, assim, como uma confederação sindical nem como uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como bem evidenciou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto da citada ADIn 5306. A ausência de tutela dos interesses coletivos pelas centrais sindicais, através das ferramentas ou ações coletivas, resta crível, ao passo de sua ilegitimidade e falta de interesse vinculante específico de agir, todavia, essas também não vem defendendo os interesses coletivos sequer pela via material. No tocante à tutela exercida pelas centrais sindicais  no campo extrajudicial ou medidas efetivas para tutelar os interesses gerais dos trabalhadores, como asseveram Krein e Colombi5,  foi aferido que nos maiores períodos de crise, a exemplo dos anos de 2014 e 2015, as atividades das centrais sindicais não passaram de gritos, passeata, eventos discursivos que em nada contribuíram para a tutela material do trabalhador. Ao nosso sentir, a situação trazida mostra o caráter somente econômico da lei 11.648/08 com o fito de ao adjetivar as centrais sindicais como ente sindical, busca apenas outorgar a essas legitimidade para participar da divisão econômica milionária, à época, aferida pela arrecadação da contribuição sindical, almejando com isso o fortalecimento de um estado que intervêm na ordem sindical e, em contraponto, mantém uma total desproteção do trabalhador por essas entidades nada efetivas no plano concreto na defesa dos interesses coletivos. A lei 11.648/08, a rigor, não trouxe novidades, não oferecendo às centrais nada além dos espaços e das fontes de recursos aos quais elas já tinham alguma forma de acesso pela própria competência (que, evidentemente, varia de uma para outra), tendo feito a  lei apenas institucionalizar os acessos e garantir a pluralidade de centrais, razão pela qual estabeleceu padrões reduzidos para obtenção de índice de representatividade. Visou também a legislação garantir os interesses corporativos da centrais, porém pautada inarredavelmente sobre a manutenção da unicidade compulsória na organização de base para manter seus controles sobre elas e o sistema. Logo, mantemos assim um velho sistema sob uma hipotética nova roupagem, mesmo após reforma trabalhista, com um sindicalismo corporativo e nada tutelar de sua coletividade representada, contribuindo para a não concreção dos direitos e de tutela coletiva, permanecendo, inclusive, a cidadania no mesmo ritmo, isto é, desprestigiada, pois, sindicato ou sistema sindical fraco ou monopolizado significa ausência de evolução social, econômica e de condições melhores de trabalho aos hipossuficientes empregados. ____________  1 GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 2 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Pagina 50 a 51. 3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109. 4 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 5 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. ____________  ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 BRASIL. Constituição Federal de 1988.  Acesso em: clique aqui. Acessado em 21/01/2021. ________. Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em: clique aqui. GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Página 50 a 51.
Introdução A lei 14.112/2020 não só alterou a lei 11.101/2005, mas atualizou a legislação referente à recuperação judicial, à decretação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. O novo comando legal passou a vedar o prosseguimento das execuções relativas a créditos ou obrigações sujeitos à falência ajuizadas contra o devedor solidário. A interpretação lógica e sistemática da lei invoca como postulados básicos os princípios da universalidade e indivisibilidade do juízo falimentar, além do princípio da par conditio creditorum. Assim, eventuais créditos do exequente devem ser habilitados junto ao Juízo Universal, e não mais serem executados na Justiça Especializada. A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial implica imediatamente (i) na suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor que estão sujeitas ao regime desta lei; (ii) na suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e (iii) na proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. Dessa forma, a execução do crédito trabalhista está subordinada ao juízo universal e ao processamento da recuperação judicial ou da falência. Natureza jurídica do crédito trabalhista  A natureza jurídica do crédito trabalhista é alimentar e preferencial, nos termos do artigo 100 §1º - A da CRFB/88. Durante o processo de falência os créditos trabalhistas têm preferência de pagamento, num limite de até 150 salários-mínimos por trabalhador, sendo que eventual saldo remanescente passa a ter a mesma paridade dos créditos quirografários. O artigo 6º da Lei 14.112/2020 reitera, consolida e sistematiza a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. No seu art. 6º foram incluídos os incisos I, II e III que, de forma indubitável, determinam a suspensão das execuções já ajuizadas contra o devedor, inclusive dos credores particulares do sócio solidário, sujeitos à recuperação judicial ou à falência. A literalidade do termo "inclusive" se traduz em "até mesmo", ou seja, a decretação da falência implica na imediata suspensão de todas as execuções ajuizadas contra o devedor solidário relativas aos créditos sujeitos à falência. Dessa forma, a fase executória, os atos de execução em si devem ser imediatamente suspensos, haja vista que os créditos trabalhistas serão inscritos no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença resultante das ações na fase de conhecimento. Portanto, é inquestionável que todos os créditos trabalhistas, inclusive daqueles direcionados ao sócio solidário, ficam suspensos em prol do sistema de direito concursal brasileiro. Há expressa vedação legal para se proceder quaisquer meios de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor solidário, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. A novidade na incorporação ao texto legal tem seu cerne na fase executória e os atos de execução em si que deverão ser suspensos. Por esses motivos não se podem utilizar, doravante, entendimentos anteriores a vigência da Lei 14.112/20, que teve seu início para normatizar decisões presentes. Entrementes, o §2º do artigo 6º da lei 11.101/2005 foi mantido, de modo ser permitido pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação de créditos trabalhistas, sendo que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Responsabilidade solidária A responsabilidade do sócio pelas dívidas trabalhistas ocorre quando não se localiza nenhum bem de propriedade da empresa, ou seja, a inexistência de bens da empresa capazes de garantir a solvabilidade do débito exequendo. A inclusão de sócio no polo passivo é medida excepcional e adotada sempre que restam frustradas as tentativas de satisfação integral do crédito ante a não existência de bens suficientes da empresa executada, independentemente de sua responsabilidade direta ao processo trabalhista. A responsabilização dos sócios pela satisfação de créditos trabalhistas seguia o entendimento majoritário da doutrina e se fundava na inércia do executado em pagar ou indicar bens para saldar sua dívida, de acordo com o §5º do artigo 28 do CDC, aplicado subsidiariamente ao processo do Trabalho. No entanto, não havia até então previsão legal específica para a responsabilização do sócio, o que gerava decisões divergentes entre os juízos, pois parte se utilizava da teoria maior que exigia a comprovação da fraude ou confusão patrimonial para que autorizassem a desconsideração. Para Bernardes1 (p. 305) a "inovação trazida no artigo 10-A da CLT é benéfica por trazer a previsão genérica de responsabilidade subsidiária do sócio nos processos trabalhistas em consonância com a jurisprudência majoritária no cenário anterior à reforma". Destarte, para regular a desconsideração da personalidade jurídica foi inserido o artigo 855-A da CLT, estabelecendo a aplicação ao processo do trabalho do incidente previsto nos artigos. 133 a 137 da lei 13.105/2015. A responsabilidade não é presumida, pois ela decorre da lei ou da vontade das partes, nos termos do art. 265 do Código Civil. Em relação a terceiros, como ocorre com o crédito trabalhista, os bens particulares dos sócios, conforme dispõe o art. 1.024 do CC, não podem ser executados por dívidas da sociedade, exceto depois de executados os bens da pessoa jurídica. Prazo para pagamento dos créditos trabalhistas A arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, será de competência do juízo falimentar nos termos do art. 7º - A da lei 14.112/2020. A regra geral do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, no plano de recuperação judicial, é de um ano. Entretanto, a Lei nº 14.112/2020 incluiu a possibilidade do prazo estabelecido ser estendido em até dois anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente: (i) apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz, (ii) aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do §2º do art. 45  lei; e (iii) garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas. Dessa forma, as alterações promovidas pela lei 14.112/20 possuem características ampliativas em relação às possibilidades de negociações dos credores elastecendo o prazo para que as empresas em crise possam quitar seus débitos, bem como estimular a atividade econômica. Os créditos trabalhistas na falência estão limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho têm prioridade de pagamento e ocupam a primeira posição na classificação dos créditos. Os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite serão considerados quirografários e obedecerão a ordem de classificação disposta no art. 83, inciso VI, alínea "c" da lei 14.114/2020. Falência da sociedade empresária  A falência constitui um novo estado jurídico que produz vários efeitos sobre os devedores e credores. Um dos efeitos é o alcance da pessoa do falido, os contratos firmados, seu patrimônio e o direito dos credores. Segundo o art. 76 da lei 11.101/2005, o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Nessa senda, os créditos trabalhistas originam-se da relação jurídica entre empregado e empregador, e, logo, estão dentre os créditos regulados pela Lei de Falências.   O processo de execução, ou cumprimento da sentença trabalhista segundo Calcini, Guimarães e Jamberg2  (p. 111), "se faz no interesse do credor, de modo que os atos executivos devem ser direcionados para o cumprimento da obrigação contido no título executivo, revelando, de outro lado, o prestígio do poder jurisdicional de fazer cumprir suas decisões". Desde a vigência da lei 11.101/2005, de forma positiva, as Justiças Comum e Especializada suscitam para si a competência para a satisfação dos créditos trabalhistas, gerando incontáveis conflitos de competência que acarretam em maior morosidade. Diante dessa perspectiva a Lei nº 14.112/2020 veio pacificar tais questionamentos e assentou a competência do Juízo Falimentar para a satisfação de créditos sujeitos no juízo universal, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.  Desconsideração da personalidade jurídica O princípio da desconsideração da personalidade jurídica, além de previsto no direito do trabalho, está disposto em outros ramos do direito como: empresarial, civil, consumidor e tributário. Este instituto, inicialmente, foi utilizado pela jurisprudência para obstar situações de abuso da personalidade jurídica com finalidade de lesar credores. A sociedade deixava de ter a função social da propriedade prevista no art. 170 da Constituição Federal, sendo utilizada de forma desvirtuada, com fins diversos. Bezerra Leite3 (p.124) preleciona que a "despersonificação do empregador, ou desconsideração da personalidade jurídica do empregador, constitui, a rigor, princípio do direito material trabalhista" (arts. 2º, 10 e 448, todos da CLT). Segundo Bernardes4 (p.298), o sócio pode ser responsabilizado por dívidas trabalhistas a partir da instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica "por força da qual se supera episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica". Para Miessa5 (p. 1.266) "é sabido que a pessoa jurídica não se confunde com a figura de seus sócios. No entanto, o sócio tem responsabilidade secundária, ou seja, seu patrimônio poderá ser atingido para arcar com o pagamento de dívida da pessoa jurídica". O artigo 82-A da lei 14.112/2020 prevê a vedação da extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada sendo possível a desconsideração da personalidade jurídica. Esta, porém, somente pode ser autorizada nas hipóteses do Código Civil (art. 50, CC) e na forma procedimental prevista pelo Código Processual Civil (arts. 133 e seguintes, CPC), ou seja, através de instauração do incidente próprio. A Justiça do Trabalho, antes da inovação trazida pela lei 14.112/2020, permitia mesmo na falência que a execução continuasse em desfavor do sócio solidário que já integrava o polo passivo, devido ao entendimento que os bens dos sócios não se confundiam com os bens da massa falida. Assim, alguns credores trabalhistas recebiam a totalidade dos seus créditos no curso do processo trabalhista, enquanto no falimentar os demais estavam sujeitos a receberem percentual menor, ou seja, ocorria uma ruptura do princípio da par condictio creditorium, prática vedada no processo falimentar. Se não fosse dessa forma, não haveria a necessidade da existência do juízo universal, que tem a competência para dirimir os conflitos entre os credores e o devedor insolvente, assim declarado judicialmente, julgando todas as ações que envolvam interesses da sociedade. Ademais, a universalidade do juízo falimentar decorre de disposição legal, nos termos dos arts. 3º e 76, ambos da lei 11.101/2005. A indivisibilidade do juízo falimentar se refere às ações propostas quando já decretada a falência, sendo que a atração do juízo universal alcança apenas as ações ajuizadas pela massa falida ou contra ela. Resistência da Justiça do trabalho em remeter os processos para o juízo universal A Justiça do Trabalho vem sendo impactada nos últimos anos pela Reforma Trabalhista, pela Lei da Liberdade Econômica, pela Nova Lei de Falências, pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), dentre outras Leis, Medidas Provisórias e entendimentos do Supremo Tribunal Federal. O princípio da proteção, essência do Direito do Trabalho, aplicado pelas regras in dubio pró-operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, resultam numa resistência histórica do cumprimento, na prática, de disposições legais de outros ramos do direito. Em que pese as normas postas suspenderem as execuções trabalhistas e determinarem a remessa dos processos para o juízo concursal, ainda se observam diversos julgados contrários, deflagrando total arbitrariedade dos magistrados trabalhistas. Interpretar e aplicar o Direito do Trabalho é respeitar a competência das outras áreas do Direito, pois o ordenamento jurídico é uno e o Direito deve ser expresso de forma sistemática e coordenada. O art. 6º, §2º, da lei 11.101/05 prevê que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Observe a importância da Justiça do Trabalho que entrega o bem da vida pretendido à quem de direito, para que juízo universal, que tem o poder-dever-função garanta a inclusão do crédito na classe própria. Assim, todos os ramos do direito estão imbricados com vista a regular as relações humanas e alcançar a paz social como valor maior cabendo aos juízos o respeito pela jurisdição que lhes compete. Overruling da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores  O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de ser cabível o redirecionamento da execução em face dos bens dos sócios da empresa falida, na medida em que tais bens não se confundem com os bens da massa falida. O overruling consiste na superação de um precedente normativo, que pode se dar de forma expressa ou tácita, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil. Novos dispositivos legais foram introduzidos pela lei 14.112/2020, pelo que se depreende uma real superação da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Trabalhista em relação à temática. Em recente acórdão publicado em 18 de maio de 2021, entenderam os Desembargadores da 1ª Turma do TRT/RJ da 1ª Região que não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico pátrio, que "autorize que a superveniência da decretação do regime falimentar possa irradiar efeito desconstitutivo sobre pagamentos pretéritos licitamente efetuados"6. Entretanto, está-se diante de situação pretérita, quando os bloqueios ocorrem antes da sentença de quebra. Dessa forma, patrimônio do sócio solidário se mantêm apartado do patrimônio da massa para a satisfação do crédito trabalhista. E, por esse motivo, antes da decretação da falência, e consonante com a jurisprudência atual, este deverá ser colocado à disposição do Juízo Trabalhista e, por conseguinte, não ser objeto de atratividade pelo Juízo Universal Falimentar. Contudo, após a decretação da falência, a Justiça do Trabalho deixa de ser competente para continuar a executar patrimônio de sócio solidário, encerrando a sua atividade jurisdicional com a quantificação da dívida e a expedição de certidão para habilitação do crédito trabalhista no quadro geral de credores perante o Juízo Universal Falimentar, nos termos da lei 14.112/2020. Conclusão  Por todo o exposto, claro está que às inovações trazidas pela lei 14.112/2020 têm aplicabilidade imediata aos processos trabalhistas em curso, visto que se trata de norma processual, passando a ser aplicada no processo laboral a partir de sua vigência no ordenamento jurídico. O crédito trabalhista deve ser satisfeito com a pronta expedição de certidão de crédito para que o exequente se habilite nos autos da falência, nos termos do art. 83, I, da Lei Falimentar. Deferido o processamento da falência, exaure a competência da Justiça do Trabalho para promover qualquer ato executório em desfavor do devedor falido ou de socio solidário. A atratividade do juízo universal visa garantir a isonomia prevista no citado artigo 5º, para que todos os credores venham a receber o mesmo tratamento, respeitando o princípio da igualdade. Entendimento em sentido contrário, em arremate, chancelaria escancarada fraude ao concurso de credores, sendo poucos os privilegiados em detrimento da massa falida com burla a ordem obrigatória de classificação dos créditos na falência conforme previsão do artigo 83 da lei 11.101/2005, o que não se permite no ordenamento jurídico. *Heloísa Helena do Valle Marcello é pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Economia e Capital. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Pedagoga e advogada. __________ 1 Bernardes, Felipe. Manual de Processo do Trabalho/Felipe Bernardes. 3. Ed. Ver. atual. e ampl. - Salvador: JusPodivm, 2021 p. 305. 2 Guimarães Rafael. Execução Trabalhista na prática/ Rafael Guimarães, Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg. Execução Trabalhista na Prática - Leme, SP: Mizuno, 2021. 3 Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho - 16. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 124. 4 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho - 3ª ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 298. 5 CORREIA, Henrique e MIESSA, Élisson. Tribunais e MPU - Noções de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho - Para Técnico (2020). 5ª Ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p.1.266. 6 PROCESSO nº 0018200-40.2006.5.01.0342 (AP).