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Seguidores falsos, comentários e curtidas fake: ilícitos do mercado de fakes nas redes sociais

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Atualizado às 09:26

Texto de autoria de Nelson Rosenvald e João Victor Rozatti Longhi

"Social media is a virtual world that is
filled with half bots, half real people
"
(Rami Essaid, fundador da empresa de cibersegurança Distil Networks)

Influencers é uma palavra já incorporada ao nosso cotidiano. Antes restritos ao nicho das "celebridades", a cada momento a técnica de atrair a atenção das pessoas por meio das redes sociais altera a realidade em diversas profissões, trazendo a necessidade de se repensar o assunto em todo o mundo. Em tempos de pandemia, essa realidade se escancarou no cenário jurídico.

Como se sabe, hoje produzimos uma quantidade de informação muito superior à que podemos consumir. Por essa razão, se a informação é abundante, a escassez reside em nossa capacidade de armazená-la e processá-la. Nessa contenda entre a digitalização em massa das informações e a "inteligência analógica" do usuário, a atenção, portanto, é a commodity dos novos tempos. As plataformas digitais competem pelo melhor modelo de negócio capaz de prender cada vez mais o usuário ao passo que a "moeda de troca" são nossos dados pessoais, já que é possível revelar precisamente nossas preferências a partir da perfilhação. É a chamada de economia da atenção, conforme relata Tim Wu1.

Nesse caminho, aos poucos, muitas relações jurídicas vão paulatinamente se adequando a esse novo mundo. Se o que antes supostamente atestava a qualidade da opinião era a formação profissional ou a experiência em determinada área, paulatinamente vai se cambiando a notoriedade pela popularidade, através do critério numérico: "Quantos seguidores você tem?"

Alinhada a essa nova realidade está a prática, hoje disseminada, de compra de "seguidores robôs", que dão "fake likes", tecem comentários e aumentam o chamado "engajamento", o que conduz a uma posição de liderança de mercado frente à concorrência. Afinal, uma audiência de massa - ou a ilusão dela - não apenas atrai novos seguidores (que assumem ser aquela pessoa importante), podendo ser monetizada por meio de incremento na venda de livros, contratação de aparições ou palestras remuneradas (inclusive on line), sem contar que o valor imaterial da "atenção" convida a parcerias com players que anseiam em transferir para si uma pequena fração daquele universo de seguidores. Em suma, o déficit ético daqueles que visam inflar os seus números nas redes sociais por via fraudulenta acaba incrementando riscos sistêmicos.

Mas afinal, é licita a prática de quem "compra seguidores robôs", popularmente chamados de bots2?

Em primeiro lugar, deve-se destacar que os termos de uso dos sites apresentam regras contratuais claras no sentido de que não se permite adulterações de identidade com a finalidade de induzir em erro outros usuários3. Além disso, os chamados perfis fake nem sempre são criados ou mantidos por robôs, pois podem ter sido criados por um usuário real para fins humorísticos ou mesmo pelo nome social de pessoas trans.

Logo, seguidores robôs são essencialmente uma espécie de conta inautêntica criada com base na violação dolosa do contrato com as redes sociais com a finalidade de inflar artificialmente a quantidade de seguidores ou de interações entre o usuário e os bots, emulando seu engajamento.

Apesar de ilícita contratualmente, é uma prática tão difundida nas plataformas4 que parece ser tolerada já que "seguidores" e suas "interações" geram cada vez mais dados, elemento essencial do risco-proveito de seus modelos de negócio.

Em grande parte, os "bots" são relativamente fáceis de identificar. São marcados por contas com poucas imagens, nomes geralmente ininteligíveis, interações simples e, acima de tudo, na maioria das vezes zero ou quase nenhuma pessoa seguida pelo perfil e poucos "seguidores" (geralmente em maior número), denotando que são recentemente criadas com o propósito de realizar essas curtidas, postagens, enfim, "interações" fake.

Quantificáveis, portanto, os fake passam a ser compreendidos como objetos de direitos e se tornam bens jurídicos, para todos os fins. O "efeito manada" é visível, pois mesmo profissionais talentosos e reconhecidos em seu meio acabam sucumbindo aos fake followers com receio de serem suplantados na corrida pelos números. 'Race to the bottom" é a expressão utilizada no direito de concorrência para descrever essa insana competição.

A situação extrapola o campo individual e gera distorções do ponto de vista econômico na esfera privada e traz riscos à qualidade do debate no campo político, dentre outros problemas. Em nosso meio, a alta literatura jurídica é substituída pelo acesso a conteúdo visual produzido por "campeões de audiência", cuja performance elimina a necessária passagem pelo estudo e introspecção, elementos essenciais de empregabilidade no novo mercado da advocacia, onde outro segmento de robôs já realiza as tarefas para as quais a maior parte dos novos profissionais era contratada.

Nas relações com os seus usuários, à míngua de legislação específica, há no mínimo uma flagrante violação da boa-fé objetiva consubstanciada em comportamento oportunista de quem celebra contrato de "compra de usuários", por meio de violações massivas aos termos de uso do site por terceiros, em afronta à função social dos contratos.

A questão se agrava quando são envolvidos os chamados influencers, usuários de redes sociais que atuam profissionalmente ao impulsionar conteúdo publicitário. A prática abusiva da inflação de seguidores altera não somente a precificação nos contratos interempresariais de publicidade, mas, quando induzida, pode acarretar uma falsa impressão ao consumidor de aceitação do produto ou serviço, em clara hipótese de publicidade abusiva5. Do ponto de vista de terceiros, empresas que atuem no mesmo ramo podem se sentir vítima de concorrência desleal.

Nos Estados Unidos, de forma pioneira, a procuradoria do Estado de Nova Iorque recentemente investigou e firmou um acordo contra uma empresa que mantinha as chamadas "fazendas de bots", fornecendo os serviços a anunciantes e influencers6. Na Nova Zelândia, por sua vez, o Facebook demandou contra uma empresa sediada no país acusando-a das mesmas práticas. O objeto da ação girou em torno de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) e a diretora jurídica da empresa, Jessica Romero, foi enfática: "[...], estamos enviando uma mensagem de que essa atividade fraudulenta não é tolerada em nossos serviços, [...]"7.

No Brasil, de influencers mirins8 a perfis falsos em sites de relacionamentos9, a litigância sobre a Internet gera precedentes dia após dia. Mas à exceção de divulgação de imagens íntimas sem autorização (art. 20, Marco Civil da Internet), todas elas caem na regra geral do artigo 19 caput e parágrafo primeiro do MCI, o qual determina que somente após ordem judicial que contenha o link exato (URL), a Rede Social é obrigada a bloquear o conteúdo. Após a lei, o STJ consolidou a jurisprudência nesta linha10 e no STF o tema é objeto de repercussão geral, sub judice (Tema 987)11.

Tim Wu, em outro artigo, analisa as consequências desse ambiente para a esfera pública e até mesmo para a democracia como um todo. O free speech foi engendrado quando atingir o público era difícil. Mas nas redes sociais é fácil falar, o difícil é ser ouvido. Logo, governos autoritários têm adotado a técnica de postar em massa nas redes sociais contrariamente à opinião de seus críticos por meio de bots, realizando uma censura que não impede ninguém de falar, mas abafa vozes em contrário. Uma censura reversa, portanto12.

A mesma coisa ocorre no nicho do direito: notáveis professores e autores de obras de vulto postam conteúdo nas redes sociais, mas quase não são lidos ou ouvidos. Esta seria a chance de jogar o "sarrafo para cima" no espaço virtual. Todavia, a commodity da atenção é praticamente monopolizada por influencers jurídicos, neutralizando outras vozes.

Essas e outras incongruências levaram Siva Vaidhyanathan a chamar as redes sociais de "redes antissociais"13. Resta saber se dependeremos da tolerância das plataformas ou se haverá lei que os obrigue a agir diferente, ao menos coibindo tais práticas.

*Nelson Rosenvald é procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Professor do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil - Universitá Roma Tre (IT-2011). Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra (PO-2017). Visiting Academic - Oxford University (UK-2016-2017). Professor Visitante na Universidade Carlos III (ES-2018). Doutor e Mestre pela PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil (IBERC). Fellow of the European Law Institute (ELI). Member of the Society of Legal Scholars (UK). Membro do Grupo Ibero-americano de Responsabilidade Civil. Membro do Comitê Científico da revista Actualidad Jurídica Ibero-americana (España).

**João Victor Rozatti Longhi é defensor público no Estado do Paraná. Professor visitante de Doutorado e Mestrado da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e de Graduação do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu (CESUFOZ). Pós-Doutor em Direito na UENP. Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da USP - Largo de São Francisco. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da UERJ. WU, Tim. The Attention Merchants: the epic scramble to get inside our heads. Nova Iorque: Vintage Books, 2016. p. 6.

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1 WU, Tim. The Attention Merchants: the epic scramble to get inside our heads. Nova Iorque: Vintage Books, 2016. p. 6.

2 O termo bot vem do inglês robot. Para maiores aprofundamentos, V. THE NEW YORK TIMES, The Follower Factory: Everyone wants to be popular online. Some even pay for it. Inside social media's black market. NICHOLAS CONFESSORE, GABRIEL J.X. DANCE, RICHARD HARRIS and MARK HANSEN. JAN. 27, 2018. Disponível aqui. Acesso em 06 jun. 2020.

3 A exemplo do Instagram: Promova interações sinceras e significativas. Para nos ajudar a acabar com o spam, evite coletar curtidas, seguidores ou compartilhamentos artificialmente. Também evite publicar comentários ou tipos de conteúdo repetitivos ou entrar em contato com pessoas repetidamente para fins comerciais sem o consentimento delas. Não publique conteúdo que envolva, promova, incentive, facilite ou admita a oferta, a solicitação e o comércio de avaliações falsas de usuários. Não é necessário usar seu nome real no Instagram, mas exigimos que os usuários do Instagram nos forneçam informações precisas e atualizadas. Não se passe por outra pessoa nem crie contas com o objetivo de violar nossas diretrizes ou enganar outras pessoas. Disponível aqui. Acesso em 05 jun. 2020.

4 TILT. O canal sobre tecnologia do UOL. Estudo: quase metade das contas postando sobre Covid no Twitter são robôs. Disponível aqui. Acesso em: 06 jun. 2020.

5 Para maiores aprofundamentos, V. BARBOSA, Caio César do Nascimento Barbosa; SILVA, Michael César; BRITO, Priscila Ladeira Alves de. Publicidade ilícita e influenciadores digitais: novas tendências da responsabilidade civil. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 01-21, mai.-ago./2019 Disponível aqui. Acesso em: 06 jun. 2020.

6 NEW YORK STATE, Attorney General James Announces Groundbreaking Settlement With Sellers Of Fake Followers And "Likes" On Social Media. Settlement is First in the Country to Find that Selling Fake Followers and "Likes" Is Illegal Deception and that Fake Activity Using Stolen Identities Is Illegal Impersonation. Disponível aqui. Acesso em: 06 jun. 2020.

7 CNBC. Tech: Facebook is suing a New Zealand company and three people over fake Instagram likes

Saheli Roy Choudhury 25 abr 2019. Disponível aqui. Acesso em 06 jun. 2020.

8 TJSP; Apelação Cível 1096977-67.2019.8.26.0100; Relator (a): Dimas Rubens Fonseca (Pres. da Seção de Direito Privado); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Central Cível - Vara da Infância e da Juventude; Data do Julgamento: 14/05/2020; Data de Registro: 14/05/2020)

9 ANADEP -Associação Nacional dos Defensores Públicos - SP: Surpreendida com perfil falso com suas fotos e número de telefone em app de paquera, jovem procura a Defensoria e obtém determinação judicial para bloqueio da conta. ASCOM-SP. 05/06/2020. Disponível aqui. Acesso em 06 jun. 2020.

10 [...] 6. Na hipótese, conclui-se pela impossibilidade de cumprir ordens que não contenham o conteúdo exato, indicado por localizador URL, a ser removido, mesmo que o acórdão recorrido atribua ao particular interessado a prerrogativa de informar os localizadores únicos dos conteúdos supostamente infringentes. [...] (REsp 1694405/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018. Grifo Nosso)

11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 987 - Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.

12 Cf. WU, Tim. Is the first amendment obsolete? In: BOOLINGER, Lee C.; STONE, Geoffrey R. (Eds.). The Free Speech Century. Oxford: Oxford University Press, 2019, p. 282.

13 Cf. VAIDHYANATHAN, Siva. Anti-social media: how Facebook disconnects us and undermines democracy. Oxford: Oxford University Press, 2018, p. 3.

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Esta coluna é exclusivamente produzida pelos associados do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil).