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Lei 13.786/18: Pode o juiz reduzir a cláusula penal?

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Atualizado às 09:29


Texto de autoria de André Abelha

Legem habemus. A lei 13.786, de 28.12.2018, trouxe novas regras para o desfazimento de contratos de alienação de imóveis celebrados em regime de incorporação imobiliária ou de loteamento. Dentre elas, destacam-se aquelas insculpidas no artigo 67-A, introduzido na lei 4.591/641.

Antes de começarmos, abra-se um breve parêntesis. O adquirente só pode desistir da aquisição da unidade no prazo de 7 dias da assinatura do contrato, quando assinado em estande de vendas ou fora da sede da incorporadora (parágrafo 10º do art. 67-A). Depois disso, sua manifestação de vontade torna-se irrevogável, inexistindo direito à resilição unilateral do contrato.

Isso significa que o adquirente estará eternamente amarrado ao contrato? Claro que não. Sobrevindo circunstância que inviabilize o cumprimento da sua obrigação de pagar o saldo da unidade (perda de emprego, por exemplo), o contrato não poderá ser resilido, mas poderá ser resolvido, a seu pedido, pelo seu próprio inadimplemento, antecipado ou já em curso. Leia-se: não basta ao comprador alegar que não quer; é preciso provar que não pode. Fecha.

O novo dispositivo estabelece os limites da cláusula penal aplicável às hipóteses de resolução contratual por inadimplemento do adquirente: até 25% dos valores pagos para os casos em geral (inciso II) e até 50% nas incorporações submetidas ao patrimônio de afetação (§5º). A lei já nasceu envolta em imensa polêmica, com muitas vozes contrárias aos referidos percentuais, especialmente o maior.

Alguns juízes já arregaçaram as mangas, prontos para reduzir a multa nos seus processos. E adianto que este artigo não é, nem de longe, uma crítica a tais magistrados: haverá casos, de fato, em que a redução será possível.

Pois bem: neste cenário de ampla, pública e notória controvérsia, discute-se a (im)possibilidade de corte equitativo da pena pelo juiz. Afinal, a Lei nova afasta o art. 413 do Código Civil, que autoriza (aliás, impõe) sua diminuição? Existe antinomia entre tais dispositivos legais? É o que se pretende apurar neste brevíssimo artigo.

Como se sabe, a cláusula penal tem a função de estimular o cumprimento, pelo devedor, da obrigação por ela abrangida. Se o estímulo for insuficiente, e ainda assim sobrevier a inadimplência, o credor (se não optar pela sua execução específica, porque não lhe interessa, ou porque não a tem) poderá, em compensação, exigir a cláusula penal, cujo desiderato será, então, o de pré-liquidar a indenização a ser paga pelo devedor inadimplente.

Nessa linha, e por força do art. 416 do Código Civil, o credor, em regra, não precisará provar o dano. A cláusula penal é o teto e também o piso da indenização, a depender do que for convencionado no contrato: o p. único do art. 416 estabelece que o credor não poderá cobrar indenização suplementar, ao mesmo tempo que em fixa a cláusula penal como o mínimo da indenização, desde que assim previsto pelas partes, competindo ao credor provar o prejuízo sobressalente.

Em outras palavras: se meu prejuízo foi de R$ 500 mil, e a cláusula penal, por exemplo fixada em 20% do valor da obrigação, equivale a R$ 300 mil, duas coisas podem ocorrer aqui: (i) caso eu prove todo o prejuízo, poderei cobrar os R$ 500 mil, desde que o contrato tenha previsto a possibilidade de indenização suplementar; ou (ii) se eu nada provar, ou comprovar um dano de apenas R$ 100 mil, mesmo assim poderei exigir os R$ 300 mil (indenização mínima).

A cláusula penal, portanto, representa uma proteção da obrigação, e tutela o próprio contrato. As partes, no âmbito de sua autonomia privada, podem fixá-la dentro de certos limites.

Que limites são esses? Nos pactos em geral, isto é, nas situações em que não exista regra especial para a cláusula penal, o teto é o montante da obrigação (leia-se, 100% de seu valor), segundo o art. 412 do Código Civil2.

E não é mera coincidência a existência do dispositivo que vem logo na sequência. A mão que dá é a mão que tira. A mesma Lei que autoriza as partes a estabelecerem o mínimo da indenização prevê, no art. 413, sua redução judicial equitativa, sempre que verificado seu excesso manifesto. Tal análise é realizada no caso concreto, a partir da natureza e finalidade do negócio jurídico.

Logo, uma lei especial que estabeleça teto diferente para a cláusula penal terá o condão de afastar, para os contratos por ela abrangidos, o art. 412 do Código Civil. Esse é justamente o caso do novo art. 67-A da lei 4.591/64, que fixa os limites em 25% ou 50%, conforme o caso3.

Da mesma forma, uma lei especial que supostamente venha a condicionar de forma diferente a redução equitativa da multa prevalecerá, para as situações que regular, sobre o art. 413 do Código Civil. E esse é o ponto: a lei 13.786/18 não traz um só dispositivo que regule a matéria. O art. 413 continua a pleno vapor, mesmo para os contratos de alienação de unidades em incorporação imobiliária e de lotes. Não há antinomia.

Conclusão número um: não se pode afastar a possibilidade de redução, pelo Judiciário, da penalidade contratual pactuada nos contratos imobiliários, mesmo que ajustada pelas partes dentro dos limites previstos na lei 13.786/18.

Isto não significa, contudo, um cheque em branco para o juiz. O dispositivo em questão traz uma condição claríssima para a redução: excesso manifesto. Reparem: não basta um excesso qualquer; ele deve ser manifesto, ululante, exagerado.

E a quem compete o ônus de demonstrar tal excesso?

O atual Código de Processo Civil, em seu art. 373, distribui o ônus da prova entre as partes litigantes conforme sua respectiva posição processual. Em relações paritárias, o ônus da prova é atribuído ao autor, a quem cabe comprovar os fatos alegados. O réu, a seu turno, carrega o ônus de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado.

Em relações de consumo, quando verossímil a alegação, ou quando houver hipossuficiência, segundo as regras ordinárias de experiências, o ônus da prova pode ser invertido em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII).

Salvo raras exceções, são de consumo os contratos celebrados entre incorporadores e adquirentes. Mesmo no caso do investidor do mercado imobiliário, assim considerado quem compra o imóvel não para uso próprio, mas com o objetivo de realizar um investimento, buscando lucro na revenda eventual ou renda de aluguéis. O investidor, como destinatário final do produto (ainda que o imóvel não se destine à sua própria residência ou negócio), é consumidor. Em certos casos, como soa evidente, não haverá hipossuficiência do consumidor-investidor.

Mas e daí? Para a inversão do onus probandi, não há requisitos concomitantes. Basta a presença de um deles. Então, até o consumidor-investidor-todo-poderoso poderá livrar-se do ônus, transferindo-o para o incorporador, quando sua alegação for verossímil. Se os fatos alegados soarem realmente verdadeiros para o juiz, será o quanto basta.

Para ser específico: se o adquirente alegar e demonstrar, no caso concreto, que a cláusula penal estabeleceu a retenção de corretagem mais 50% dos valores pagos, e se para o juiz a multa lhe parecer exagerada, estará aberta a porta para a inversão. Significa dizer: em tais situações - que provavelmente serão ampla maioria -, caberá ao incorporador comprovar que a multa contratual não é manifestamente excessiva.

Naturalmente, o incorporador não pode ser surpreendido pela inversão na sentença, sob pena de cerceamento de defesa. Cabe ao juiz, antes do início da produção das provas, e mesmo no rito especial da lei 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis), definir a quem cabe tal ônus.

Portanto, e resumindo, para terminar, tudo em um só parágrafo: (i) depois de 7 dias, o contrato torna-se irrevogável, não cabendo desistência, mas pode o consumidor resolver o contrato se provar que não pode mais cumpri-lo; (ii) credores em geral podem cobrar até 100% de multa (art. 412 do CC), havendo teto menor para os incorporadores: 50% em incorporações afetadas, e 25% nos demais casos; (iii) pode o juiz reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva para o caso concreto, desde que ela seja, como a expressão indica, efetivamente exagerada; e (iv) caberá ao incorporador, desde que haja decisão interlocutória nesse sentido, prévia à fase probatória, comprovar, no caso concreto, que não há excesso na cláusula penal, sendo ela adequada para cobrir os prejuízos decorrentes do inadimplemento do adquirente.

Como se vê, as águas ainda correrão, e caberá aos profissionais da área atuarem para que se alcance a solução mais razoável na aplicação das novas regras, sem maniqueísmos. Afinal, não há lei tão boa que não possa ser estragada, nem lei tão ruim que não gere bons frutos. Depende de nós.

__________

1 "Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente. [...] II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. [...] § 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga".

2 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

3 Art. 67-A, inciso II, e §5º da lei 13.786/18, respectivamente.