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A regularização de construções no Registro de Imóveis

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Atualizado às 09:08

A averbação de alterações realizadas em imóveis é ato de natureza obrigatória, conforme estipulam os artigos 167, inciso II e 169 da Lei de Registros Públicos. De acordo com tais dispositivos, devem ser averbadas à margem da respectiva matrícula, todas as modificações ocorridas, tais como: edificações, reconstruções e demolições, retificações de área, mudança de designação numérica, etc.

Em virtude da obrigação legal de averbação das alterações realizadas em imóveis (princípios da especialidade objetiva e continuidade), é legítimo condicionar o prosseguimento de qualquer ato de registro (transmissão ou oneração), perante o Registro de Imóveis competente, à sua prévia regularização tabular, como é o caso das construções irregulares que despontam de forma comum nas cidades, ante a ausência de fiscalização do poder público.

A respeito da matéria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu ser indispensável a regularização da situação dos bens imóveis perante o Registro de Imóveis como condição prévia ao registro da partilha, tendo apontado a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi:

"A imposição judicial para que sejam regularizados os bens imóveis que pertenciam ao falecido, para que apenas a partir deste ato seja dado adequado desfecho à ação de inventário, é, como diz a doutrina, uma 'condicionante razoável', especialmente por razões de ordem prática - a partilha de bens imóveis em situação irregular, com acessões não averbadas, dificultaria sobremaneira, senão inviabilizaria, a avaliação, a precificação, a divisão ou, até mesmo, a eventual alienação dos referidos bens imóveis".

 "Em síntese, sem prejuízo das consequências ou das penalidades de natureza tributária ou daquelas oriundas do poder de polícia do Estado (embargo da obra, interdição ou demolição dos prédios edificados irregularmente ou imposição de sanções pecuniárias), nada obsta que, como condição de procedibilidade da ação de inventário, seja realizada a regularização dos bens imóveis que serão partilhados entre os herdeiros, como consequência lógica da obrigatoriedade contida nos artigos 167, II, 4, e 169 da Lei de Registros Públicos" (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. Fonte: STJ | 21/05/2018).

Convém ressaltar, que  a respeito do assunto, a majoritária jurisprudência já dizia: para transferir ou onerar imóveis no registro imobiliário é necessário regularizar a construção existente sobre o respectivo terreno.

"Princípio da Continuidade. Averbação de Construção.

"1. O vendedor tem legítimo interesse na suscitação da dúvida, tanto que deve fazer a venda boa, firme e valiosa, respondendo pela evicção. 2. Para preservar o princípio da continuidade dos atos de registro, deve proceder-se às averbações no Cartório de Imóveis, notadamente a de construção."

(Processo 1ª Vara. Relator: Dr. Gilberto Valente da Silva. Data:

16/8/1977. Fonte: 38/77. Localidade: São Paulo)

"EDIFICAÇÕES NÃO AVERBADAS - ÓBICE AO REGISTRO DE IMÓVEL

"Há óbice à inscrição imobiliária de contrato de compra e venda caso as edificações realizadas no imóvel e noticiadas no seu bojo não estejam averbadas na matrícula respectiva. Os atos registrais são vinculados em essência, por isso o não atendimento de qualquer prescrição legal impede de inscrever no registro imobiliário o seu contrato."(TJMG -Apelação Cível nº 1.0024.03.0064472/001. Relator Des. Lucas Sávio Vasconcellos Gomes).

Extrai-se do teor do Acórdão:

"As características do imóvel em epígrafe não coincidem com aquelas descritas na escritura de compra e venda de fls. 07/09 (...) Destarte, evidencia-se a existência de um descompasso na supra-indicada documentação quanto às edificações havidas, o que exige a regularização dessas edificações no registro imobiliário, ou seja, averbar as construções posteriores. Todavia, isso não foi feito, resultando esta circunstância em efetivo impedimento da inscrição imobiliária da escritura de compra e venda, como almejado pela apelante, porquanto tal averbação é obrigatória, nos termo do art. 169, caput, da Lei 6.015/73.(...) os atos registrais são, essencialmente, vinculados para poderem valer contra terceiros, assim, as exigências legais hão de ser atendidas com todo o rigor, sob pena da sua ineficácia frente a sociedade."

Recentemente, em face da alteração do Código de Normas do Estado de Santa Catarina, a exigência da regularização da construção existente  passou a impedir a prática de registros posteriores na matrícula e o caput do art. 692- A, do Código de Normas, passou a exigir a apresentação da CND referente ao INSS dos trabalhadores da obra, na forma do que dispõe a Lei 8212/90, para a averbação da construção perante o Registro de Imóveis.

Assim, em consonância ao entendimento do STJ, o Código de Normas veio normatizar o que a majoritária jurisprudência já assentara: a obrigatoriedade da averbação da construção, e, ainda, previu que não sendo esta regularizada, a possibilidade de averbar "a necessidade de regularização da situação como condição para atos registrais posteriores".

Com isso, estipulou procedimento adequado à solução de problema tão comum enfrentado no dia a dia pelo Registrador.

Atualmente, conforme Provimento n. 13, de 11 de fevereiro de 2020, está em vigor o art. 692-A, com a seguinte redação:

Art. 692-A Para averbação de construção civil é necessária a apresentação de "habite-se" e da Certidão de Regularidade Fiscal para Obras ou documento equivalente.

§ 1º No caso de construção em imóvel localizado na zona rural é exigida apenas a declaração do proprietário de que naquele foi realizada edificação.

§ 2º A prévia averbação de construção civil é requisito para o registro de negócio jurídico.

§ 3º Ausente o requisito previsto no § 2º, o título poderá ser cindido para que se faça o registro do negócio jurídico, com a averbação da necessidade de regularização como condição para atos registrais posteriores. (grifei).

Utilizando-se do procedimento acima, o Estado, por meio do Registrador, seu delegatário, passa a fiscalizar e exigir a regularização de obras de construção civil, como prevê o ordenamento jurídico pátrio, já que a averbação de construção é obrigatória (art. 169 Lei 6.015/73), evitando que a situação da clandestinidade se perpetue no Estado de Santa Catarina.

Esta medida é sobretudo de cunho preventivo. Com ela evitar-se-á que novas obras sejam realizadas e mantidas na clandestinidade, sem o controle do Estado, porquanto obra não averbada é o mesmo que obra clandestina porque tal situação implica para a União: a perda da arrecadação da contribuição federal do INSS referente aos trabalhadores obra cujo prazo decadencial[1] é de 5 (cinco) anos [art. 47, II c/c  art. 37, VII, da Lei 8212/91], além do que os valores econômicos agregados ao terreno pela obra deixam de ser declarados para fins de imposto de renda (IR); e para o Município e para o Estado de Santa Catarina: a arrecadação abaixo do valor real de mercado do imposto de transmissão (ITBI-ITCMD), quando das alienações/sucessões "causa mortis" e doações, afetando a sociedade brasileira como um todo.

Convém salientar, que a contribuição social vinculada à mão-de-obra empregada na construção civil liga-se ao imóvel e transmite-se ao adquirente e que a ausência da comprovação da inexistência de débitos tributários em face do INSS, acarreta a nulidade do ato registral e a responsabilidade solidária do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, nos termos do artigo 48 da Lei 8212/90.

Em face da entrada em vigor do art, 692-A, há, entretanto, recurso interposto pela Anoreg-SC (autos n. 0000678-88.2018.8.24.0600), pendente de julgamento perante o Conselho da Magistratura do TJSC, "tencionando uma determinação aos ofícios de registro de imóveis de Santa Catarina para que se abstenham de exigir a CND para efetuar averbação de construção".  "A Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina (Anoreg/SC) interpôs recurso administrativo alegando que a dispensa de apresentação da CND para a prática de atos no Registro de Imóveis já teria sido implementada por meio da Circular n. 02/2018 desta Corregedoria-Geral da Justiça e, por essas razões, requereu a reconsideração da decisão, a fim de que seja repristinada a redação do art. 692 do CNCGJ com as alterações promovidas pelo Provimento n. 13/2015 e alterado o seu caput, para consignar a dispensa da CND para efeitos de averbação da construção, tal como pugnam estes requerentes" (Decisão de 21/07/2020 - Processo n. 0086574-26.2019.8.24.0710).

Há, também, Pedido de Providências da FIESC e CBIC (processo n. 0086574-26.2019.8.24.0710), em andamento perante a egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, no mesmo sentido.

Porém, entendo particularmente que nem a egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, nem o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, poderão determinar aos Registros de Imóveis do Estado a não exigência de tal documento de regularidade fiscal, porque a Lei 8212/90 está em vigor e não foi apreciada sua constitucionalidade ainda pelo STF.

Outrossim, sobre o assunto, já há parecer da egrégia Corregedoria-Geral de Justiça do ano de 2018, onde é tratado o tema em debate (a não exigência de certidão para prática de averbação de construção), no qual o Corregedor concluiu que a Circular n. 02/2018 CGJSC "trata-se de orientação que não limita a qualificação registral",  não valendo assim como determinação.

Portanto, resta claro que cabe a cada Registrador atuar dentro da sua circunscrição de modo a cumprir as Leis em vigor, podendo exigir a CND ou deixar de exigir, em se convencendo para tanto, até porque possui responsabilidade solidária tributária, prevista na mesma Lei.

A respeito do assunto em debate, o desembargador Saraiva Sobrinho, Corregedor-Geral de Justiça do Rio Grande do Norte, opinou pela legitimidade e legalidade da exigência da Certidão Negativa de Débitos (CND-INSS), após a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Norte (ANOREG-RN) indagar sobre a subsistência da obrigatoriedade da apresentação do documento nos atos de registro de imóveis. O questionamento do órgão se fundamentou no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, nºs 394-1 e 173-6, provenientes do Supremo Tribunal Federal (STF).

"A manifestação da Corregedoria, após o Pedido de Providências n° 02485/2015, movido pela ANOREG, ressaltou, por outro lado, que, embora o Provimento permaneça em vigor, ele não possui força de lei, que decorre de poder regulamentar e, desta forma, se torna incapaz de suprimir comandos que emanam de legislação federal.

A Corregedoria ainda destacou que, nos termos do artigo 48 da Lei nº 8.212/1991, a responsabilidade do Registrador que dispensa tal certidão, quando do registro da escritura, é solidária a do contratante que a dispensou. Assim, com base no artigo 47, da Lei nº 8.212/1991 junto ao artigo 257 do Decreto nº 3.048/1999, é indispensável a apresentação da CND do INSS, para fins do registro da propriedade junto ao Registro de Imóveis.

"Ao consultar o teor dos julgados da Excelsa Corte, pode-se aferir que a inconstitucionalidade do artigo 47 da Lei 8.212/911 não foi objeto de discussão, tendo aquela Corte, ao ser provocada sobre o tema em sede de Reclamação, optado por não conhecer da matéria. Logo, pelo princípio da presunção da constitucionalidade das normas, não pode e não deve a Administração afastar a eficácia de determinada Lei em vigor, sob pena, inclusive, de se incorrer em improbidade administrativa, enfatiza o corregedor geral."

De outro lado, cabe salientar a importância das contribuições previdenciárias para a manutenção do SUS (Sistema Único de Saúde), aposentadorias, licenças médicas, pensões por morte, enfim, sua receita é imprescindível à sociedade brasileira como um todo, razão pela qual comungo da ideia de que é salutar e de boa prática a manutenção da exigência da CND do INSS para averbação de construção de qualquer obra, uma vez que, com tal medida, o Registrador estará atuando de modo a ajudar a sociedade brasileira como um todo e, em especial, contribuindo para o bem-estar dos trabalhadores de construção civil, os quais dispenderam seu tempo, força e saúde para a consecução de obras e podem vir a ficar sem seus direitos sociais garantidos, caso o Registro de Imóveis não mais exija e deixe de fiscalizar a comprovação do recolhimento da contribuição previdenciária.

Finalmente, é importante deixar claro que, especificamente quanto às incorporações imobiliárias, cabe ao o incorporador proceder à obrigatória averbação de construção (art. 167, II, 4, c/c art. 169 da LRP) e ao registro da instituição de condomínio, na forma e art. 1331 e ss. do Código Civil e Lei 4591/64 (art. 9º), apresentando o "habite-se" e a CND do INSS da obra ao Registro de Imóveis, conforme prevê o art. 44 da lei 4591/64.

Estatui o artigo 44 da Lei 4.591/64:

Art. 44. Após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação.

Dispõe a Lei dos Registros Públicos:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

I - o registro:

17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio;

II - a averbação:

4) da mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edificação, da reconstrução, da demolição, do desmembramento e do loteamento de imóveis;

Art. 169 - Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel.

Aqui convém ressaltar que, a ausência da regularização de um empreendimento incorporado (condomínio edilício) faz com que inúmeras transações "de gaveta" ocorram na comarca, à margem da lei, em franco desrespeito ao Sistema Registral, ficando sem serem recolhidos os tributos devidos. O Estado deixa de arrecadar e a sociedade deixa de receber (na saúde, educação, no ordenamento urbano, etc.), os benefícios oriundos dos tributos que deveriam ter sido recolhidos aos cofres públicos. Enfim, a conduta do incorporador que deixa de regularizar a obra no Registro de Imóveis afeta a sociedade brasileira como um todo.

Assim, em face de sua importância social e ainda levando-se em conta que se trata de averbação e registro obrigatórios por lei, caso o incorporador não aja no prazo de conclusão da obra (apresentando o "habite-se" e a CND do INSS ao Registro de Imóveis, bem como documentos para instituição do condomínio edilício), cabe ao Registrador notificar o incorporador para tanto, e, caso ainda assim o mesmo não proceda à devida averbação da conclusão da obra e  ao registro da instituição do condomínio, é recomendável  seja efetuada comunicação ao Ministério Público Estadual da comarca (arts. 127 e 129 CRFB/1988 e art. 6º da Lei 7347/85), a fim de que tal órgão exija a regularização do incorporador que colocou um produto no mercado e não cumpriu a promessa firmada com o consumidor.

Com a comunicação ao parquet, o Registrador  estará agindo de modo a beneficiar a sociedade como um todo, pois a ausência da regularização de uma obra (Condomínio Edilício) implica não só em prejuízos aos adquirentes frustrados (consumidores), mas também na perda de arrecadação tributária para o Município, Estado e União,  porque só com a averbação da obra e a instituição do condomínio, os imóveis nascem no mundo jurídico como unidades condominiais (art. 1331 do Código Civil), ganhando status de propriedade com a obtenção de matrículas próprias e individualizadas, passíveis de escrituração e transferência a terceiros. Outrossim, a ausência de regularização de obras, ofende, ainda, os direitos sociais garantidos constitucionalmente de se ter uma cidade regular (direitos difusos e coletivos).

Em suma, com tal medida o Registrador atua a fim de que a situação da clandestinidade seja desencorajada na sua comarca.

Conclusão:

No Estado de Santa Catarina, é obrigatória a prévia regularização das construções, para registro de atos posteriores na matrícula.

A exigência da CND do INSS para a averbação de construção perante o Registro de Imóveis está prevista em Lei (8.212/90) e, atualmente, o art. 692-A do CNCGJSC estabelece a mesma obrigação, sendo dever do Registrador de Imóveis de Santa Catarina exigir tal documento, até (pelo menos) o julgamento pelo Conselho da Magistratura do TJSC, do recurso interposto pela Anoreg-SC.

Com relação às incorporações imobiliárias, cabe ao o incorporador proceder à obrigatória averbação de construção e ao registro da instituição de condomínio, na forma da Lei, no prazo de conclusão da obra, e, em não o fazendo, o Registrador pode atuar de forma a exigir a devida regularização.

*Franciny Beatriz Abreu é Registradora Pública da Comarca de Porto Belo/SC.

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1- O STF julgou a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da lei 8.212/91, que estipulavam o prazo de decadência das contribuições previdenciárias em 10 (dez) anos e editou a Súmula vinculante número 8. O motivo da declaração de inconstitucionalidade foi o art. 146, III, b), da Constituição Federal. Assim, o prazo para decadencial para as contribuições previdenciárias passou a ser o previsto no CTN, isto é, de  5 (cinco) anos. Para obter o reconhecimento da decadência o interessado terá que comparecer a uma agência da Receita Federal do Brasil da circunscrição em que se realizou a obra de construção. Deverá preencher um formulário chamado DISO - Declaração de informação sobre obra e juntar documentos que comprovem que a obra foi construída há mais de 5 (cinco) anos. A Instrução Normativa n. 03/SRP (art. 482 e seguintes) estipula a relação de documentos passíveis de comprovar a decadência do crédito tributário.