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A lista tríplice de um nome só

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:35

Certa feita, em uma comunidade cigana, um pai disse à filha: "aceito que você se case com quem desejar, desde que o noivo seja Igor, Hiago ou Aguilar". Inconformada, a jovem arremata: "neste caso, a escolha terá sido muito mais sua do que minha".

No diálogo hipotético, a razão está com a filha. Comparativamente, quem elabora uma lista tríplice desfruta de mais liberdade do que aquele que escolhe, por último, apenas um componente individualizado do elenco de três possibilidades. Listar três nomes é uma tarefa com maior envergadura de liberdade. Em seguida, o universo de escolha é afunilado de uma maneira tal que resta muito pouco a quem escolhe por último: A, B ou C.

No que concerne à escolha dos Magníficos Reitores, foi exatamente isso que o ordenamento jurídico brasileiro entendeu de fazer. Prestigiou-se mais a própria universidade que o Presidente da República. Este só poderá escolher em um universo previamente delimitado pela própria instituição de educação superior, que foi constitucionalmente contemplada com autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial (art. 207, caput, CF/88).

Em termos mais simples, o Direito brasileiro reconheceu ao Chefe do Executivo apenas um resíduo de liberdade quando se trata de nomear Reitores universitários, afinal, não lhe é dado escolher quem lhe aprouver. O ato de nomeação há de circunscrever-se a uma estreita moldura, mas cabe à comunidade acadêmica emoldurar. Juridicamente, a escolha presidencial foi debilitada, mas não eliminada.

Uma lista tríplice traduz uma dupla garantia:

a) Para quem a elabora, em face da autoridade nomeante: "você só poderá nomear pessoas listadas no rol". Em outra formulação: o Presidente da República está proibido de nomear pessoa alheia à lista;

b) Para a autoridade nomeante, em face de quem a elabora: "é minha prerrogativa ter, pelo menos, três opções de escolha". Em síntese: o Presidente da República tem a prerrogativa de escolher, ainda que a nomeação só recaia sobre pessoas listadas.

No ano de 2016, o Ministro Edson Fachin foi bastante claro quanto ao seu ponto de vista sobre o tema. Segundo ele, "[...] o ato de nomeação ou recondução de um Reitor de uma universidade é prerrogativa do(a) Presidente da República, revestida dos critérios de conveniência e oportunidade. Dentre os que figuram na lista tríplice, porque já atendem aos requisitos da lei, não há hierarquia e o(a) Presidente pode escolher livremente o nomeado" (MS 31.771/DF).

Como se vê, as palavras de Fachin exprimem uma ideia muito simples: todos os listados são optáveis. É a interpretação correta e qualquer um sabe disso, até mesmo os neófitos no estudo do Direito. Também é o que consta do art. 16, da Lei n.º 5540/68, com a redação dada pela lei 9192/951.

Na literatura especializada, o ato presidencial é considerado como "discricionário". Não pairam dúvidas a esse respeito. No artigo intitulado "Autonomia universitária e seus reflexos na escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior", o professor - e hoje Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás - Fabrício Macedo Motta é categórico: "Percebe-se que a escolha do Reitor é atribuída ao Presidente da República como ato discricionário, condicionado à escolha dentre os integrantes da lista tríplice organizada pelo colegiado máximo da Universidade" (2018, p. 297-298).

Aproximadamente 4 (quatro) anos depois, entretanto, a opinião correta de Fachin foi multiplicada por (-1).

Na ADI 6565, o mesmo Ministro Edson Fachin conferiu à lei 5540/68 e ao decreto 1916/96 uma pretensa interpretação conforme a Constituição, "[...] a fim de que a nomeação [...] recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista". Na Lógica, se diz que as proposições são mutuamente exclusivas. Elas se excluem. Não há como conciliá-las. Trata-se de uma guinada hermenêutica que nos remete à Música Popular Brasileira, quando Raul Seixas, de maneira sincera, proclamava "eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes".

O que mudou de lá para cá?

A Constituição é a mesma. A lei é a mesma. O princípio da autonomia universitária (art. 207, CF) já existia antes e continua a existir agora. Lista significa rol, ou seja, uma disposição de coisas ou pessoas. Inexiste lista de um item só. Com esse novo entendimento, a escolha do Chefe do Executivo desaparece do mundo jurídico.

O fundamento apontado para essa interpretação oposta à anterior é cada vez mais frequente nos dias hodiernos, qual seja, "a existência de uma mutação jurisprudencial relativa à discricionariedade do Presidente da República para romper a ordem das listas tríplices elaboradas democraticamente pelas Universidades Federais" (ADPF 759 MC).

Como sempre, as "mutações".

Uma "mutação" dos nucleotídeos que se operou após o MS 31.771 e antes da ADI 6565 - afinal, esta já declarou a pré-existência desse tal estado de coisas. Uma mutação natural ou induzida por um agente mutagênico?

Na filosofia pré-socrática de Heráclito, o mundo é cambiante. Tudo "flui como um rio" (panta rei). Pelo menos, essa foi a interpretação que alguns filósofos deram à epigrama "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio", não obstante a filosofia de Heráclito permaneça, em alguma medida, enigmática e obscura até os dias de hoje.

Para o Justice Scalia, da Suprema Corte dos EUA, este princípio de metamorfose não é um princípio suficientemente informativo da interpretação constitucional, porque em muito pouco contribui - se é que contribui - para elucidar as coisas. Segundo ele, "Panta rei is not a sufficiently informative principle of constitutional interpretation" (1997, p. 45).

Preferimos o significado original ao significado que deriva de uma "mutação" repentina.

Quando se trata de interpretar normas constitucionais, é de bom alvitre - e denota humildade - ter conhecimento daquilo que foi estabelecido originalmente pelo Constituinte.

O conceito de "autonomia universitária" foi amplamente disputado na Assembleia Nacional Constituinte. A principal preocupação, na época, era financeira: gerir-se com seus próprios recursos. Mas o fato é que alguns constituintes propuseram que a comunidade acadêmica escolhesse os seus próprios Reitores.

O constituinte Nilson Gibson (PMDB), na Subcomissão de Educação, Cultura e Esporte, apresentou uma emenda que acrescentava sufrágio direto para órgãos diretivos e escolha dos órgãos superiores da administração geral por parte do próprio corpo universitário. A iniciativa foi rejeitada.

Em momento posterior, já na fase da Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação (Emenda 8S0463-6), o constituinte Nelson Wedekin (PMDB) propôs o acréscimo de um dispositivo pelo qual "a administração das universidades será formada por professores, escolhidos pelo voto livre de toda a comunidade universitária".

Na justificação, o constituinte explicitou sua preocupação de "enfatizar o aspecto mais importante da autonomia universitária, que é o direito de seus professores, alunos e funcionários escolherem livremente os seus dirigentes universitários. Tanto na Administração Superior e Geral, como nos órgãos diretivos setoriais".

As iniciativas, contudo, não sobreviveram ao filtro do crivo popular. Ainda que possam ser compreendidas como desejáveis, simplesmente foram rejeitadas pelo constituinte originário.

Pois bem. Apesar da verdade histórica apresentada, na ADI 6565, o Ministro Fachin proferiu seu voto para que o Presidente da República:

a) necessariamente, escolha reitores universitários da lista tríplice;

b) necessariamente, escolha o mais votado da lista tríplice.

Aparentemente, há uma maneira bem mais simples de descrever isso.

De toda sorte, a ADI 6565 foi objeto de destaque do Plenário Virtual para o Plenário Físico, devendo aguardar o pronunciamento dos demais Ministros. Mesmo após o destaque, o Ministro Fachin julgou a cautelar da ADPF 759, que também versa sobre o tema da escolha de reitores pelo presidente da República.

Dizem que só não muda de ideia quem não as tem. Do MS 31.771 à ADI 6565, foi uma grande mudança. Talvez considere melhor seguir desta maneira, "do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".

Referências bibliográficas

MOTTA, Fabrício Macedo. Autonomia universitária e seus reflexos na escolha dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: n.º 116, pp. 227-307, jan./jun. 2018.

SCALIA, Antonin. A Matter of Interpretation. Federal Courts and the Law. Princeton University Press, 1997.

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1 Art. 16. A nomeação de Reitores e Vice-Reitores de universidades, e de Diretores e Vice-Diretores de unidades universitárias e de estabelecimentos isolados de ensino superior obedecerá ao seguinte: I - o Reitor e o Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, sendo a votação uninominal; (Redação dada pela lei 9.192, de 1995)