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Dois fatos e um mito

terça-feira, 21 de setembro de 2004

Atualizado em 20 de setembro de 2004 12:09

Francisco Petros*


Dois fatos e um mito


Na última sexta-feira (17/9/04), a agência classificadora de riscos Standard & Poor's elevou o rating dos títulos externos do Brasil de B+ para BB-. A perspectiva (outlook) passou de "favorável" para "estável" o que significa que não deve haver novas revisões no crédito do Brasil no curto prazo. No que se refere aos títulos domésticos (emitidos em reais) não houve alteração de rating. Trata-se de uma excelente notícia para o país de vez que reduzirá os custos de suas emissões privadas e soberanas. A melhora da avaliação do risco-país deve-se fundamentalmente aos excelentes resultados da balança comercial e à redução dos passivos públicos indexados à taxa de câmbio. Vale ressaltar que a avaliação de crédito de um país não se refere per se a qualidade da gestão da política econômica, mas a capacidade de pagamento de suas dívidas. Um país pode permanecer estagnado por muitos anos em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em função de políticas econômicas equivocadas e manter a sua qualidade de crédito. É o que aconteceu com o Japão desde meados da década passada até o ano passado. Não obstante este aspecto, temos razão em comemorar a nova avaliação da Standard & Poor's.

Se do lado do crédito soberano a avaliação do país melhorou, de outro lado tivemos a preocupante notícia de que o Comitê de Política Monetária (COPOM) iniciou um "ciclo de ajuste da taxa básica de juros". Segundo informações do jornal O Globo no último dia 17/9/04, o presidente da República e o Ministro da Fazenda Antônio Palocci interferiram junto ao Presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles para que a taxa básica de juros não fosse elevada imediatamente para 17,5% ao ano. Trata-se de uma notícia grave e que deve aumentar a volatilidade da taxa de juros no mercado futuro e no custo de emissão dos títulos prefixados por parte do Tesouro Nacional. Lamentavelmente, os membros do COPOM têm contribuído de forma sistemática para a piora das expectativas dos agentes econômicos num momento em que o país começa a crescer sem que exista déficit nas contas externas conforme ocorreu nos últimos dez anos. É ilusório imaginar que esta postura pretensamente conservadora do COPOM não terá efeito sobre as decisões de consumo e investimento nos próximos meses e anos. Não devemos ter dúvidas: a falta de crescimento é o principal risco para um país! A própria agência Standard & Poor's alertou, no seu comunicado sobre a elevação do rating dos títulos externos brasileiros, que "o crescimento no investimento permanece em níveis baixos".

Há vários formadores de opinião, empresários, líderes sindicais, analistas e economistas que se mostram dispostos a refletir e combater as idéias que têm se propagado a partir da diretoria do BC. Isto é muito positivo, pois não é razoável que um conjunto de funcionários públicos nomeados possa monopolizar a visão sobre a execução da política monetária e, desta forma, destruir a ótima oportunidade que o país tem para dar um passo à frente, de crescer, de se desenvolver, de reduzir as inquietudes sociais e se projetar mais confiante em relação ao futuro. No âmbito internacional, economistas respeitados como Joseph Stiglitz, Paul Krugman, Heiner Flassbeck (diretor da UNCTAD), entre outros, têm alertado em relação à política monetária adotada no Brasil.

É essencial que o Brasil aumente o consumo interno através da recuperação dos salários e dos empregos perdidos ao longo dos últimos anos. A missão de manter saudáveis as contas externas por meio da obtenção de saldos crescentes da balança comercial tem de ser permanente. Entretanto, o Brasil é um país continental e que precisa aumentar o consumo doméstico para atrair investidores internos e externos para novos setores econômicos. É o que acontece com a China que atrai sistematicamente investimentos de todo o mundo na crença de que o consumo interno do país será crescente. No caso do Brasil, a oportunidade me parece ainda mais promissora, pois somos um país democrático, sem ameaças externas do ponto de vista militar, com uma natureza exuberante, com uma larga costa marítima, com um povo carente de educação, mas com vontade de trabalhar e assim por diante. Podemos nos tornar, pouco a pouco, um país exemplar do ponto de vista dos grandes temas do futuro: a preservação da natureza e o compromisso com o progresso social. A China, para citar o exemplo sempre tão glorificado pelos estudiosos, não tem estas oportunidades tão visíveis. Trata-se de um país ditatorial, poluidor, com uma mobilidade social constrangida politicamente, armamentista, etc.

Assim sendo, não nos parece razoável que sejamos submetidos a "formas definitivas" de pensamento como se tivéssemos alcançado o "estado da arte" em certas políticas públicas. Em matéria econômica, não é possível construir mitos e torná-los verdadeiros enigmas que agem sobre toda a sociedade sem que saibamos exatamente a razão para tanto. A história nos mostra o que ocorreu com as teorias liberais no século XVIII, o marxismo no século XIX e boa parte do século XX, o Welfare State nos anos 40 a 70 do século passado, no monetarismo a partir dos anos 70 e assim por diante. Todas estas teorias econômicas foram repensadas ao longo da história. Por que nós não podemos revisar com profundidade e seriedade a política de metas de inflação e o papel do BC? Não será este um mito que nos lança a um labirinto que limita o crescimento do país?

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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.


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