COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Política, Direito & Economia NA REAL >
  4. Política & Economia NA REAL n° 84

Política & Economia NA REAL n° 84

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Atualizado em 4 de janeiro de 2010 14:26

2009 : maior crise da história sem as consequências esperadas

O ano de 2009 nos trouxe uma sensação estranha, sobretudo em relação ao Brasil. A crise que se instalou na economia mundial no último trimestre de 2008 foi gigantesca. A maior de toda a história econômica. Se considerarmos este fato incomum, podemos avaliar o ano passado como muito bom na medida em que as consequências da crise foram muito menores que a imaginada inicialmente. God save Keynes ! Além disto, há uma chance concreta (e ainda não prevalecente) de que a superação da crise, sobretudo nos países capitalistas centrais, seja rápida - mais um ano ou dois. É preciso ficar alerta, no entanto. Nem todos os analistas acreditam que a crise (a financeira, principalmente) está totalmente debelada. Há quem preveja novos solavancos. Especialmente nos EUA. O país de Obama poderia voltar à recessão no segundo semestre. Os últimos dados sobre o emprego, divulgados na semana passada, foram um alerta.

Brasil : marolinha ?

Lula é conhecido pelos seus arroubos verbais. Todavia, façamos justiça : sua ação durante a crise foi muito positiva. Vejamos : teve sensibilidade política para localizar os pontos nevrálgicos da crise e tomou decisões corretas. Note-se que não foi nenhum formulador econômico que elaborou um plano de salvação. Foi o presidente que, à luz dos fatos e do que lhe era possível, ajudou decisivamente a superar a crise. Pois bem : o resultado do PIB, ao redor de zero em 2009, foi excepcional. Se considerarmos os dados do primeiro semestre do ano, foi ainda melhor. Portanto, o presidente não poderia imaginar que seria uma "marolinha" quando pronunciou o termo ao final de 2008, mas suas ações justificam a posteriori aquela frase.

Sinais de alerta

O enfrentamento da "marolinha" não deixou de ter custos. O primeiro déficit da história do FAT, em 2009, mostra que os efeitos da crise sobre o mercado de trabalho, inicialmente, foram mais arrasadores do que se imagina ou prega a vã propaganda oficial. Também o aumento dos saques no FGTS aponta na mesma direção. Os próximos levantamentos do IBGE, quando alcançarem os meses mais agudos da crise, veremos o quanto isso impactou a renda das famílias.

Remédio cavalar

É por esta razão que Lula exige dos bancos oficiais - BB e CEF - atenção total para o crédito ao consumidor. A determinação é facilitar a festa do consumo para manter a economia aquecida no ano da graça eleitoral de 2010.

Remédio cavalar - 2

Por esta razão também, os programas sociais serão turbinados. O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, anuncia até a possibilidade de incluir um novo critério na definição das famílias que podem ser eleitas para os benefícios do Bolsa Família : as condições de moradia.

Remédio cavalar - 3

Ainda pela mesma razão, o Orçamento, aprovado no finzinho do ano, debaixo de muita polêmica e pouca claridade, está generosíssimo em matéria de gastos. E perigosamente inflado no item receitas.

Brasil : seu melhor momento em décadas

Apesar disso, é otimismo para 2010. Não é preciso ir longe. Se compilarmos os dados de balanço de pagamentos, investimentos privados, consumo - especialmente das famílias mais pobres - e produção industrial, podemos afirmar que a chance do país dar um passo ainda maior nos próximos cinco anos é enorme. A ausência de vulnerabilidade externa imediata retira o principal calcanhar de Aquiles das políticas econômicas desde o final do regime militar. Continuamos otimistas em relação às perspectivas do país no médio prazo.

Brasil : riscos conjunturais ?

Do ponto de vista exclusivamente conjuntural, não há nenhum risco iminente à economia brasileira que seja visível, muito embora os riscos externos ainda sejam consideráveis - falaremos disto em notas subsequentes. Isso não quer dizer que tais riscos não existam, mesmo porque estes têm sido salientados por parte significativa dos formadores de opinião : a ausência de suporte fiscal para incrementar os investimentos públicos (com destaque para a previdência social), a ausência de reformas micro-econômicas fundamentais e a política cambial que é no médio prazo um atentado de peso à industrialização. (O Brasil ainda é um país muito dependente da evolução dos preços das commodities).

Brasil : riscos estruturais ?

Não há nenhuma reforma sendo encaminhada para modernizar o Estado brasileiro. A justiça é anacrônica, o Legislativo é disfuncional e o Executivo é, ora poderoso em excesso, ora fraco demais. O sistema tributário serve para sustentar todo este anacronismo e é ele que torna as coisas muito difíceis ao setor privado. Infelizmente, não há organização social e nem um sistema político que legitime e viabilize ações para levar o país à frente em relação às reformas estruturais. Tais riscos não impedirão o país de crescer no curto prazo, mas sempre serão obstáculos para que o Brasil seja de fato moderno.

Europa : dispersão do crescimento

Se o cenário local é promissor, lá fora os riscos são muito maiores. A Europa ainda está cambaleando em termos de crescimento e há enorme dispersão nos dados de consumo e investimento. Alemanha e França vão à frente e Itália, Espanha e Reino Unido - nesta ordem - vão bem atrás. A absorção das economias da Europa oriental na União Européia ainda não produz benefícios, mas atrai riscos consideráveis. Se há dúvidas em relação à fortaleza do dólar norte-americano é bom que também se tenha dúvidas sobre o euro e a libra, esta muito problemática em função da crise bancária. A taxa de crescimento da Europa permanecerá baixa e a administração da política fiscal e monetária da Eurolândia é um problema sério para o BC europeu. Além da demografia declinante e dos problemas imigratórios, cujos efeitos econômicos são muito visíveis.

EUA : chave do crescimento mundial

Os EUA estão mais fracos, mas persistem hegemônicos. Neste contexto, é risível acreditarmos que haverá consistência na recuperação da economia mundial sem que a economia que representa 25% do PIB mundial se recupere. A tarefa da administração Obama será a de manter os estímulos fiscais e monetários até que a demanda se restabeleça. Um dos problemas sérios para o cumprimento desta necessidade é que haverá eleição para o Congresso e o vacilante presidente norte-americano já gastou moeda política em excesso. Se a demanda ficar estagnada, ou for declinante, o cenário externo vai piorar significativamente. Tudo está numa "corda bamba". Há razões para otimismo quando analisamos os dados de produção industrial, expectativas de consumo e inflação. Todavia, o emprego patina e o setor bancário persiste débil. Em relação aos EUA a melhor aposta é a favor do país. Todavia haja desconfiança !

China : uma nova bolha ?

Se a recuperação da economia mundial depende decisivamente dos EUA, a China tem sido o sustentáculo de grande parte da corrente onda positiva. Porém, as dúvidas em relação à sustentação do espetacular crescimento chinês estão crescentes e não são novas. Não é possível se afirmar que os dados fiscais, a situação bancária e os planos de investimento do país sejam críveis o suficiente para que possamos dormir tranquilos. A China é uma ditadura política e sobra obscuridade quando olhamos o futuro, muito embora pouquíssimos queiram tratar do assunto. Uma coisa é certa : os valores dos ativos refletem otimismo. E é possível, para não dizer provável, que existam exageros nas avaliações que esta entidade desconhecida chamada mercado faz. Tomemos cuidados.

Em suma...

Não é desejo fútil de início de ano acreditar que 2010 possa ser um ano muito bom. Aqui e lá fora. Para o Brasil, mesmo diante das eleições, pode haver até mesmo euforia e a taxa de crescimento pode superar os 6%. Os riscos não são desprezíveis, mas não são dominantes. Os EUA podem ser o destaque na economia mundial, mas a balança entre riscos e oportunidades ainda está muito equilibrada para que se possa ser muito afirmativo em relação ao assunto.

Assim sendo...

Vejamos o nosso radar.

Radar NA REAL

As posições de risco podem ser mantidas num contexto de otimismo. Os mercados de ações, neste contexto, expressarão como sempre com mais vigor o movimento dos fluxos de capital (positivos). No Brasil, o mercado acionário será mais seletivo, afinal os preços já refletem a posição relativa privilegiada do país. Os mercados dos EUA podem ser o grande destaque, mas ainda sobre cautela. A queda do dólar aqui e lá fora pode ser contida, mas não revertida, caso a política monetária do FED seja de elevação da taxa de juros. Todavia, este será um movimento que dependerá sobremaneira da evolução endógena do consumo e do investimento na economia norte-americana. As commodities permanecerão valorizadas, mas esta não deve ser uma onda crescente. Não vale a pena apostar muito a favor do real (contra o dólar), mas muito dificilmente verificaremos uma desvalorização significativa do real frente às principais moedas internacionais. Enfim, o cenário é saudável e é preciso estar preparado para ele. Com confiança e certa moderação (como sempre recomendável).

8/1/10

 

TENDÊNCIA

SEGMENTO

Cotação

Curto prazo

Médio Prazo

Juros ¹

 

 

 

 - Pré-fixados

NA

alta

alta

 - Pós-Fixados

NA

estável

alta

Câmbio ²

 

 

 

 - EURO

1,4410

estável

estável/baixa

 - REAL

1,7264

estável/baixa

estável/baixa

Mercado Acionário

 

 

 

 - Ibovespa

70.262,70

estável

estável/alta

 - S&P 500

1.144,98

alta

alta

 - NASDAQ

2.317,17

alta

alta

(1) - Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) - Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável

Um mar de rosas para Dilma

Nas condições descritas acima, a se confirmarem, como tudo indica que vão se confirmar, o mar eleitoral parece correr para os braços do presidente Lula e de sua candidata. Não existem, como se viu, ameaças econômicas no curto prazo. O governo e os marqueteiros de Dilma vão ressaltar esse bom momento. E o eleitor médio não vota olhando muito além do seu dia. Somando-se a isto a perplexidade da oposição, que até agora não encontrou (pelo menos que se tenha na vista) um antídoto para a euforia que será levada pelo governo à ruas e a extraordinária máquina de campanha que está sendo montada para carregar o porta estandarte da ministra da Casa Civil, intui-se facilmente que a candidatura Dilma será amplamente competitiva. Não se iludam com sua posição secundária, no momento, nas campanhas. Se ela vai ganhar, é outra coisa.

Dilma e seus precipícios

As principais ameaças à consolidação de Dilma como candidata competitiva e com elevadas chances de vitória vêm do seu próprio território e de seus próprios demônios. A saber, em resumo :

1. Seu estilo quase indomável, grosseiro em várias ocasiões, dado a destemperos. Uma espécie de Ciro Gomes de saia - ou de terninhos.
2. O apetite de seu partido, o PT, resistente em abrir espaços para os aliados.
3. O apetite do PMDB, que, se não totalmente satisfeito, poderá tirar palanques e tempo no rádio e na televisão da ministra.
4. O descontentamento de outros aliados de Lula - PSB e Ciro Gomes à frente - com a preferência dada ao PT e ao PMDB. Eles terão de ser bem azeitados.
5. Ações do governo, como Programa Nacional de Direitos Humanos, versão III. Criou tantos embaraços, tantas divergências internas e externas, ataca em todas as frentes, que já gerou desconfianças, temores e está atingindo a própria campanha de Dilma. Lula, habilidoso como é, deverá contornar esta crise. Mas sequelas ficarão.

A oposição de seus dilemas

Nada de novo no front oposicionista, desde que o governador de MG, Aécio Neves, renunciou à candidatura à presidência para continuar candidato à presidência ou tornar-se o grande eleitor dos tucanos. Serra está como sempre esteve, MG também estabelecida de onde nunca se arredou, e tucanos e democratas curtindo as mesmas incertezas e as mesmas perplexidades. A oposição só vai mostrar suas primeiras artimanhas num encontro previsto para o fim do mês, em BH. Uma homenagem a Aécio para não deixá-lo, nem a Minas, desgarrar-se do ninho.

Realidade ou desejo ?

Alguns tucanos, de ouvido mais apurado, negam que tudo esteja como antes em seu quartel. Segundo eles, dá para notar que o governador de MG já não nega mais com tanta ênfase a possibilidade de vir a ser o vice na chapa encabeçada pelo governador paulista Serra. Será ? Os sismógrafos dos governistas, que não querem ver esta dupla junta na sucessão nem em sonhos, ainda não registrou tal mudança de tom em Aécio. Fato ou simples torcida ?

Conselho útil

De um cínico de plantão em Brasília, depois de analisar a panorama político-eleitoral e econômico dos próximos meses : "Vamos festejar e aproveitar. 2011 ainda está muito longe".

Pragmatismo dos bons

Do mesmo personagem, a respeito das tertúlias envolvendo o Programa Nacional de Direitos Humanos - versão III : "O projeto tem coisas boas e asnices. Mas ninguém deve se preocupar. Afinal, é uma carta de intenções, que depende de o governo elaborar projetos e o Congresso aprovar. E dado ao proverbial déficit de execução do governo e ao conhecido déficit laboral do Congresso, nada vai acontecer de fato. Só um desgaste desnecessário para Lula e turbulências na campanha de Dilma."

Política monetária no Brasil

Não são poucas as previsões que dão conta de que o nosso BC apertará a política de juros em 2010. A questão chave é quando e quanto. Afinal, é uma precipitação afirmar que os riscos de a inflação subir são elevados. Não são. Portanto, o BC se baseará essencialmente nos dados de "PIB potencial" para estabelecer as duas variantes da taxa básica de juros (quando e quanto). Ora, o problema é que este cálculo de "PIB potencial" é altamente duvidoso e subjetivo. De toda forma, a maior probabilidade é que o BC já aumente a taxa de juros neste primeiro trimestre, mesmo que a sua necessidade seja duvidosa do ponto de vista técnico. O nosso BC é bem cauteloso. Por fim, ainda pouco se sabe sobre como ficará a liderança da autoridade monetária, com ou sem Henrique Meirelles. Este é um ponto vital e nada desprezível num ano eleitoral. Meirelles joga com dois tempos : o tempo da economia e o tempo eleitoral. Não é o melhor, vide crise na Argentina.

Nossos parceiros

Crise séria entre o governo de Cristina Kirchner e o presidente do BC da Argentina. Na Venezuela, Hugo Chávez, depois da desvalorizar a moeda e impor câmbio duplo no país, ameaça botar o Exército na rua para vigiar as lojas que aumentarem preços por conta do novo valor do dólar. É no que dá políticas fiscalmente irresponsáveis e medidas econômicas artificiais ou emergenciais que se prolongam no tempo.