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Porandubas nº 400

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Atualizado às 07:58

Abro a coluna com historinhas sobre Ademar, Brizola e Simonsen

Como Adhemar virou político

Getúlio Vargas não gozava de prestígio na imprensa em 1932. Nesse ano, veio descansar numa fazenda no interior do Estado. Mas adoeceu. Chamaram um médico local muito respeitado e jeitoso, doutor Adhemar de Barros. O ilustre paciente tomou remédios e adormeceu. Mais tarde, ao despertar, ainda encontrou o dedicado médico à cabeceira :

- Que horas são ? - perguntou Getúlio.

- As horas que o senhor desejar, presidente, respondeu o médico, gentil.

Ali nascia a amizade que faria de Adhemar o interventor do Estado de São Paulo. A decolagem do homem político estava selada.

A burguesia em Miami

Os jornalistas pernambucanos Ivanildo Sampaio e Ernani Régis contam no livro "Quincas Borba no Folclore Político" a reunião de Leonel Brizola com amigo, em 1982, quando disputou o governo do RJ. Um jovem esquerdista insistia para que o manifesto de lançamento da candidatura propusesse reforma agrária e distribuição de renda radicais. Com a prudência curtida em anos de exílio e sofrimento, Brizola descartou :

- Meu filho, o Brasil não é Cuba nem a burguesia cabe em Miami.

Simonsen, o sincero

Mário Henrique Simonsen, engenheiro, economista, professor, brilhante intelectual, presidente do BC no governo Castelo Branco, ministro da Fazenda do governo Geisel e ministro do Planejamento do Governo João Figueiredo, decidiu pedir demissão. Estava insatisfeito e parecia saturado da vida pública. Fez a carta de demissão e foi entregá-la ao presidente que se exercitava no haras que mantinha na Granja do Torto. O ajudante de ordens pediu para o ministro aguardar um pouco. Três, quatro, cinco cigarros depois, aparece o general Figueiredo, saindo da ducha, dorso nu, toalha enrolada :

- Presidente, vim aqui trazer este documento.

Figueiredo, em pé, abre a carta e lê o pedido de demissão. Explode :

- Quer dizer que o senhor está dizendo que o meu governo é uma merda ?

Impávido, sem titubear, Simonsen responde :

- É isso mesmo !

E saiu calmamente fumando mais um cigarrinho.

(Caso contado pelo amigo Barros, o bom e experiente jornalista Guilherme Barros, a quem Simonsen narrava os bastidores da política e fazia confidências)

Sismo no meio da pirâmide

Tento ler a movimentação social que, desde junho do ano passado, toma conta das ruas do país. E, a cada semana, incorporo mais uma pedrinha no tabuleiro. Vamos à pedrinha : parcela da população brasileira é arrastada para cima e para baixo da pirâmide social pelas ondas de marés enchentes e marés vazantes. A primeira carrega as pessoas da classe C, a chamada nova classe média, para um passeio pelos territórios do grupo B, às vezes com direito a uma escapulida (rápida) ao topo, onde habita a categoria A. Quem propicia a subida é grana extra. A segunda maré, a baixa, empurra o contingente para as águas do fundo. Isso se dá quando a renda das famílias fica apenas no parco rendimento de aposentadoria, pensão ou bolsas, sem os ganhos com bicos e atividades paralelas.

O bolso apertado

Quando o bolso aperta, a equação BO+BA+CO+CA fica desarrumada. Lembram-se ? BOlso cheio, BArriga satisfeita, COração agradecido, CAbeça apoia patrocinadores. No sufoco do bolso apertado, quem foi induzido a consumir e se vê sem condição de ressarcir despesas, passa a usar de maneira indiscriminada cartões de crédito e a resvalar pela inadimplência. Tal radiografia, flagrada por pesquisa encomendada pelo Consultative Group to Assist the Poor (CGAP), organismo ligado ao Banco Mundial, pode explicar fenômenos que estão a ocorrer no país, a partir de manifestações de movimentos organizados e categorias profissionais. Ponderável parcela da classe média que muda de condição, muitas vezes de um mês para outro, acaba ingressando no perigoso meio-fio da instabilidade, tornando-se, ela própria, um dos eixos a mover a engrenagem da insatisfação social.

Entre nada e cinco mil

A expressão desolada de um microempreendedor sobre seus ganhos mensais arremata a situação que abriga milhões de brasileiros : "ganho algo entre nada e R$ 5 mil; não dá para adivinhar quando e quanto vai entrar". A insegurança que grassa por classes, espaços, setores e profissões tem se avolumado nos últimos meses, apesar de constatarmos que a taxa de desemprego se mantém estável (em torno de 5%, em março último, nas cinco maiores regiões metropolitanas). A questão é a baixa qualidade do emprego, que leva muitos a buscar outros meios de sobrevivência. Ademais, o cobertor social tem sido curto para cobrir novas demandas.

Serviços precários

A precária estrutura de serviços não tem recebido do Estado alavancagem para oferecer bom atendimento ao povo. Portanto, por conta do estranho fenômeno que aqui se forma - uma classe C mutante que tateia na escuridão entre as portas do céu e do inferno, passando pelo limbo - as pessoas decidiram abrir a locução sob propícia temperatura ambiental. As políticas sociais do governo abriram buracos. A decisão de implantar gigantesco programa de distribuição de renda - elogiável, porquanto se vive, hoje, o menor nível de desigualdade de nossa história - não tem sido acompanhada de uma política educacional estruturante, capaz de elevar o grau civilizatório de milhões de pessoas que ascenderam na vida. Basta avaliar a estratégia de indução ao consumo, adotada pelo governo brasileiro para enfrentar a crise por que passaram as economias mundiais, a partir de 2008.

Crédito e poder de compra

Especialistas, dentre eles, Celso Amâncio, ex-diretor das Casas Bahia (OESP, 18/5/2014), dizem : "o governo incentivou o consumo, mas crédito é uma coisa e poder de compra é outro". Quer dizer, o banco até oferece crédito, mas os novos consumidores não dispõem de educação financeira. Acabam usando e abusando de cartões de crédito, um pagando o outro. O governo forjou, de um lado, o populismo econômico para abrir as portas do consumo aos grupos emergentes, mas, por outro, deixou de oferecer a eles ferramentas (e valores) que balizam comportamentos da classe média tradicional. A cesta de compra dos emergentes inchou : TV por assinatura, internet, plano de saúde, escola privada para os filhos, moto ou carro novo. A ignorância em matéria financeira acabou estourando o bolso de tantos quantos achavam ter encontrado o Eldorado.

Manjaram ? Isso provoca o sismo

Sob essa engenharia, pode-se compreender o movimento das "placas tectônicas" que geram sismos nas camadas do centro da pirâmide. Como se recorda, o losango tem sido apresentado como o formato do novo Brasil : de topo mais espaçado, alargamento do meio e estreitamento da base. Ocorre que o saracoteio da classe C - que ora dança na pista do meio, ora na de baixo -, não permite apostar na substituição definitiva da pirâmide pelo losango. O que se vê na configuração é um redemoinho nas camadas centrais, a denotar insatisfação e impactos que afetam a vida de milhões de brasileiros, principalmente os habitantes de grandes cidades, cujas rotinas sofrem com congestionamentos, mobilizações, greves e paralisações de frentes de serviços públicos.

Clima de Copa e eleições

É verdade que parte considerável da tensão urbana se deve ao momento especial do país : vésperas de Copa do mundo e de campanha eleitoral. A estratégia de sensibilização do poder e de atores políticos ganha fôlego. Mas é inegável que há uma força centrípeta em ação, aqui mais forte e organizada, ali mais tênue e dispersa, dando a impressão de que o gigante "deitado eternamente em berço esplendido" faz parte da retórica do passado. A dissonância se forma em nossas mentes quando somos levados a cantar (sem interpretar os versos) nosso belo hino nacional. Remanesce a questão : e para onde as altas e baixas marés carregarão a classe C (que soma 64 milhões de pessoas) e, ainda, que consequências serão sentidas em outros conjuntos ? A hipótese mais provável é a que, a continuar o vaivém dos grupos emergentes, os sismos continuarão a balançar o losango e este voltará a dar lugar à velha pirâmide.

Pesquisas

Onde estão as pesquisas para governos de Estado ? Não aparecem na mídia. O momento é de muita especulação. E mudança. Alguns Institutos, por precaução, deixam de fazê-las, esperando que as "camadas tectônicas" se ajustem às plataformas. O que se pode falar é sobre tendências. Regra geral, há uma tendência de se repartir as coisas negativas com os governantes, que simbolizam o status quo. Governante subindo nesse momento é coisa rara. Pode, sim, resgatar índices anteriores.

Ronaldo e Aécio

Ronaldo "Fenômeno" anuncia que vai trabalhar para Aécio Neves, seu amigo. Só vejo uma função para ele : embaixador da "boa vontade" para fazer alguma articulação com círculos esportivos. Vai agregar votos ? Não. Vai abrir visibilidade ? Sim. E isso em campanha eleitoral é muito importante.

Motivos para campanha contundente

Os pré-candidatos começam a se preparar para enfrentar o pleito mais contundente de nossa contemporaneidade. Por que o mais contundente ? 1. Pelo fato de o país viver um momento de mudanças ; 2. Pelo fato de o PT ter maiores dificuldades em realizar o seu intento, o de alcançar a hegemonia política ; 3. Pelo fato de recursos de campanha serem mais escassos, por medo dos doadores de enfiarem a mão no bolso ; 4. Pelo fato de o país ainda vivenciar o clima do mensalão, com denunciados na prisão ; 5. Pelo fato de se visualizar a "corrosão de materiais", 20 anos de poder tucano em SP e 12 anos de PT na área Federal ; 6. Pelo fato de termos candidatos competitivos para a presidência do país ; 7. Pelo fato de vermos a expansão da movimentação das ruas, na esteira de uma democracia participativa ; 8. Pelo fato de termos um eleitorado mais racional e mais exigente ; 9. Pelo fato de o país, pela primeira vez, ir às urnas com uma classe média pontuando em primeiro lugar ; 10. Pelo fato de o conceito de mudança impregnar todas as classes sociais.

Repasse de 30%

De acordo com o previsto na lei 8.666/93, artigo 65, inciso II, alínea d., Estado e prefeitura de SP deveriam repassar o adicional de periculosidade às empresas de Segurança Privada contratadas pelo governo. No entanto, estão demorando a pagar os 30% do adicional desses contratos, estabelecido na lei 12.740/12, regulamentada pela portaria 1.885/13 do MTE. O atraso tem levado as empresas do segmento à quase insolvência. Vale ressaltar que as empresas de segurança de todos os Estados vêm, desde dezembro de 2013, pagando por sua conta a periculosidade de seus vigilantes. Governantes e assessores deveriam saber que se as empresas por eles contratadas começarem a falir devido à defasagem de preços dos contratos celebrados, o Estado terá de arcar com a demanda trabalhista dos empregados vinculados ao contrato.

De 3G

O ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, disse que a tecnologia de terceira geração (3G) de telefonia móvel só estará totalmente implantada no Brasil em 2019. Se levará tanto tempo, por qual motivo o governo quer apressar o leilão de tecnologia mais moderna, a 4G, na frequência de 700 MHz ? Tem razão a presidente do Sindicato das Prestadoras de Serviço em Telefonia, Vivien Suruagy, quando diz que o governo está sendo precipitado e quer apenas fazer caixa com este leilão, de olho no superávit primário.

Para 4G

A 4G em funcionamento no Brasil opera na frequência de 2.5 GHz. Mas tem poucos consumidores, pois a infraestrutura é precária e os aparelhos são muito caros. As operadoras estão temerosas, não recebem informações necessárias da Anatel, mas serão obrigadas a desembolsar muito dinheiro no leilão sem saber se haverá retorno. Para piorar a situação, existem problemas de conflito de sinal entre televisores digitais e celulares com a tecnologia 4G na frequência 700 MHz, cuja resolução vai exigir altos investimentos. Quem paga, se o governo só quer receber ?

Arenas esportivas

Vespasiano, o imperador, em 22 de junho de 79 d. C., pouco antes de morrer, em carta ao filho Tito, aconselhava-o a concluir a construção do Colosseum (Coliseu), que daria a ele "muitas alegrias e infinita memória". Pois, entre um banheiro, um banco de escola ou um estádio, o povo preferia sentar nas arquibancadas deste último.

Conselho aos atletas

Na última nota, a coluna oferece pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos governantes. Hoje, volta sua atenção para os atletas da Seleção brasileira :

1. Não se deixem contaminar com aplausos nem apupos. Não deixem que eventuais balbúrdias de rua prejudiquem seu rendimento. Entrem na Copa de maneira inteira : mens sano in corpore sano(mente sã em um corpo são).

2. É preciso ter confiança em si mesmo. Os ambientes e o clima serão impregnados de estrelismo, auras cívicas e muitas lantejoulas. Cuidado para não se deixarem levar por glórias antecipadas.

3. Coragem para enfrentar os desafios. "Somente aqueles que acreditam ter forças para subir a montanha mais alta, sabem até onde podem chegar".