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Porandubas nº 440

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Atualizado às 08:59

Brasil do roubo

Abro a Coluna com duas historinhas. A primeira é bem adequada a esses tempos de descoberta de roubalheira.

Geladeira de graça

Um sujeito comprou uma geladeira nova e, para se livrar da velha, colocou-a em frente da casa com o aviso : "De graça. Se quiser, pode levar". A geladeira ficou três dias sem receber um olhar dos passantes. Ele chegou à conclusão : ninguém acredita na oferta. Parecia bom demais pra ser verdade. Mudou o aviso : "geladeira à venda por R$ 50,00". No dia seguinte, a geladeira foi roubada ! (Historinha enviada por Álvaro Lopes).

O mel de Frei Damião

Fausto Campos sempre passava pela BR-232, entre Serra Talhada e Custódia, em Pernambuco. Na beira da estrada, vendedores ofereciam o melhor mel do mundo, o mais puro. Um dia, resolveu levar uma garrafa. Perguntou : "o mel é puro" ? O vendedor : "o mais puro do mundo". Fausto arrematou : "pois vou levar esse mel para o Frei Damião". O vendedor apressou-se a esclarecer : "doutor, é melhor não levar esse pote. Quem tirou esse mel foi meu irmão e ele gosta de juntar um pouco d'água no mel para render mais. Desculpe. Na próxima vez, o senhor vai levar um mel 100% puro. Agora, só se o senhor quiser levar esse pro senhor. Mas pro Frei Damião, de jeito nenhum". (Historinha enviada por Delmiro Campos, filho de Fausto).

Mobilização menor : razões e significados

1. Banalização - Rotina

Os movimentos ganharam periodicidade e se repetem em todo o país. Deixaram de ser surpresa. Incorporaram-se ao cotidiano das pessoas. A banalização dos eventos deflagra a sensação de "coisa já vista". Perdem impacto.

2. Proximidade

Menos de um mês entre os dois eventos foi um tempo muito curto para motivação de correntes e grupos, atenuando a força da mobilização. O primeiro "canibalizou" o segundo.

3. O foco

O foco do discurso sob o empuxo da movimentação - impeachment - não canalizou os interesses gerais, situação traduzida por pesquisas que mostraram um índice muito baixo de crentes e, até, apoiadores da ideia. Na verdade, a corrupção esteve ao lado da saúde como tema de interesse maior dos participantes. Ou seja, o combate à corrupção ganhou destaque nas mobilizações.

4. Retração de Dilma

Na mobilização do dia 12, não tivemos a faísca acesa pela presidente Dilma, aquela que ela acendeu no Dia das Mulheres, em março, quando fez um longo discurso desenhando a moldura de um país harmônico e feliz. A presidente contribuiu para acirrar os ânimos sociais. Desta feita, ela estava longe do país. E nos dias anteriores, não se pronunciou sobre o tema.

5. Maturidade

Os participantes, em sua maioria, pertenciam à faixa dos cinquentões. Os jovens que encabeçaram a movimentação de junho de 2013 e, de certa forma, acompanharam os pais em 15 de março, tiveram participação menor nesta última mobilização. Significa dizer que o protesto ganhou mais força no segmento amadurecido, que frequenta esse tipo de evento embalado por uma profunda convicção. Nesse ponto, o amadurecimento cívico ganha destaque.

6. Lava Jato como pano de fundo

A movimentação ocorreu sob o pano de fundo da maior investigação sobre corrupção no país, que se desenvolve na operação Lava Jato. Os participantes, ao mesmo tempo em que exprimem seu apoio aos atores envolvidos na investigação - MP, Judiciário, Polícia Federal -, sinalizam expectativas no sentido de uma profunda assepsia nos veias do corpo político-governativo, com respectivas condenações dos indiciados. Tal expectativa gera a interpretação : "vamos esperar a conclusão desta operação para darmos a nossa resposta". O adiamento de uma grande mobilização mais adiante.

7. Manutenção do estoque cívico

Menos gente nas ruas não significa desinteresse. O momento dita as circunstâncias. Ou seja, não se deve atribuir ao menor número de participantes arrefecimento do civismo. A sociedade está olhando atrás das nuvens. Observa os eventos na área política. E por um algum sinal mais forte para voltar em peso às ruas, a qualquer momento.

8. Disputa organizativa

As cinco ou seis organizações que convocaram a mobilização lutam por uma liderança. Apesar do esforço para unificação da agenda, o que se viu nas faixas e cartazes foi uma profusão de temas, não apenas o clamor por impeachment. Ademais, poucos sabem declinar os nomes das organizações e seus líderes. O momento vivido pelo país até dispensa a convocação para as mobilizações por um líder de massas, mas, em termos futuros, os contingentes tendem a se sensibilizar com apelos de lideranças críveis e capazes de interpretar o clima das ruas. Claro, perfis não contaminados pela velha política.

9. Margens ainda distantes

A equação BO + BA + CO + CA começa a desmoronar, mas ainda não tem sido capaz de levar as margens para o centro das cidades. BOlso, BArriga, COração, CAbeça ! Bolso vazio é barriga roncando, coração enfurecido, cabeça revoltada ! A inflação ultrapassou os 8%. O bolso apertado e a demissão em massa de trabalhadores dispararão o canhão das margens. Nesse caso, poderemos ver no amanhã movimentos mais densos.

10. Discursos diretos e indiretos

A ausência de uma agenda concreta - substantiva - reparte o discurso das mobilizações entre duas partes : as demandas diretas e as indiretas. As demandas diretas dizem respeito aos problemas que afligem as pessoas em seu dia a dia, a partir das frentes de saúde, segurança, educação, transportes. As demandas indiretas, abstratas, abrigam as esferas da política e da gestão, incluindo coisas como impeachment, combate à corrupção. Tais demandas frequentemente transformam-se em slogans e palavras-chave, eis que deixam de apontar o modus operandi das questões levantadas. Impeachment, por exemplo. Que, hoje, não tem a mesma moldura dos tempos de Collor. Como fazer isso, sem um objeto concreto, uma razão clara, uma sólida argumentação técnico-jurídica ? Ainda mais quando se sabe que essa questão se insere em complexa operação política.

11. Copo transbordando

Muitos esquecem que temos uma tradição de mobilização. Brasil das ruas é desenvolvimento de uma tendência que nasceu no ciclo da redemocratização. Desde as Diretas Já registramos movimento de ruas, em altos e baixos momentos. Todos os governos, desde o de Sarney, a partir dos meados de 80, conviveram com movimentos sociais nas ruas. No ciclo Lula, os movimentos ganharam impulso a partir da força dada às centrais sindicais. Formou-se um pacto entre Estado e sindicalismo. As ruas foram tomadas de vermelho, passando a sinalizar dois Brasis. O do meio e das pontas, com incentivo do Estado à desorganização social. Portanto, o copo transborda há bastante tempo. Daí a sensação do "eterno retorno" que imanta os ciclos políticos. Baixa um sentimento de inocuidade. "Por que vou a essa mobilização ? Prefiro ficar em casa".

12. Classes médias, certa acomodação

As classes médias estão na frente desse exercício de democracia direta. A classe média A, mais alta, também se mobiliza, mas é a classe média B - profissionais liberais, professores, pequenos e médios empresários e comerciante - que se faz mais presente. A classe media C, a emergente, começa a adensar sua participação, na esteira de um bolso que se esvazia sob o recrudescimento da inflação. Os ganhos obtidos - TV de 42 polegadas, carro novo, lazer - se dissipam. Mas as classes médias não tendem a acorrer em massa a todas as mobilizações. Ao contrário dos contingentes profissionais abrigados sob as bandeiras de centrais sindicais, por exemplo.

13. O desemprego, primeiros sinais

O que vemos hoje ? O esfacelamento do ciclo de distribuição de renda sob ameaça de desemprego e inflação. O boom das commodities da era Lula se desfaz. Os serviços públicos degringolam. A volta às ruas é um protesto contra o status quo. Centros e margens, cada qual com sua taxa de participação, se movem. O programa de distribuição de renda do lulismo foi um sucesso, mas os 30 milhões que subiram ao andar do meio da pirâmide ameaçam descambar para os degraus da base. Se o desemprego apertar os cintos, os movimentos serão mais cheios.

14. A estética verde-amarelo

O que emerge das movimentações sociais dos últimos tempos é o simbolismo acentuado pela estética verde-amarelo que enfeita as ruas. Sob o jogo cromático, podemos claramente perceber que o país está dividido entre duas escalas de cores : a verde-amarela e a vermelha, esta última sinalizando o PT, a CUT, o MST, o MTST, enfim, que, juntas, integram o conjunto de entidades que banalizaram o fenômeno das mobilizações. Portanto, hoje essas cores aparecem esmaecidas diante da apropriação do verde-amarelo pelos setores e organizações que ingressam na corrente contra status quo. Na verdade, o discurso do Nós (os camisas vermelhas) e Eles (os verde-amarelos) acirraram ânimos de muitos grupamentos, a partir dos médios. Que passaram a reagir contra os escândalos : mensalão, petróleo, maracutaias de todos os lados, envolvendo atores políticos de múltiplos partidos.

À guisa de conclusão

- O grau civilizacional de uma Nação pode ser aferido pela maior ou menor identificação com o sistema do qual faz parte. Assim, para enxergar o perfil do Brasil, basta colocá-lo diante do espelho da civilização ocidental que o reflete. Tomemos emprestadas as duas imagens do Ocidente que o professor Samuel P. Huntington utiliza em seus ensaios.

- Na primeira, as nações ocidentais dominam o sistema financeiro internacional, manobram moedas fortes, fornecem a maioria dos bens acabados, controlam o ensino de ponta, realizam as grandes pesquisas científicas, dominam o acesso ao espaço, as comunicações internacionais, a indústria aeroespacial e as rotas marítimas, enfim, compõem a maior clientela do mundo.

- Na segunda imagem, distingue-se um conjunto de Nações em crise, com parcela de seu poder político, econômico e militar em declínio. Nesse cenário, apontam-se lento crescimento econômico, alto desemprego, enorme déficit público, baixas taxas de poupança, criminalidade e imensa desigualdade social.

Com qual dessas imagens a Nação brasileira mais se parece ?