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Porandubas nº 654

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Atualizado às 08:06

Abro a coluna com hilária discussão em Paulista/PE.

E verbo não 'vareia'

A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens".

- Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa.

- Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia".

(Historinha contada por Ivanildo Sampaio)

Abre-se o ano político

O ano político começou com o fim do recesso parlamentar. De volta à Brasília, deputados e senadores captaram o "estado d'alma" de suas bases. E pelo que se conhece da índole de brasileiras e brasileiros, ênfases foram anotadas: as mulheres mostram mais indignação que os homens, principalmente nas áreas mais carentes; a população reclama do abandono de espaços urbanos muito deteriorados; reclama que políticos só voltam a querer conversa com o povo em ano eleitoral; constata-se sentimento de que a reeleição de prefeitos e vereadores será mais difícil que em pleitos anteriores.

Clima político

A temperatura no território da política será mais quente que a do ano passado. O corpo parlamentar dividirá sua agenda entre contatos frequentes com as bases e as tarefas congressuais. O governo deverá enfrentar um paredão mais exigente, crítico e pragmático. A cobrança dos congressistas ao governo será dura. Não aceitarão conversa mole. Desejarão o troco, com juros e correção monetária, sob pena de faltar votos para que o governo aprove suas pautas. De pronto, o governo tentará aprovar a lei do saneamento. Grande debate haverá sobre as reformas tributária e administrativa, do alto interesse do ministro Paulo Guedes.

O clamor das bases

Parte do tempo parlamentar, principalmente a partir do segundo semestre, será dedicada ao giro nas bases, que terão uma cesta de pedidos, demandas velhas e novas, reivindicações que integram a micropolítica. Candidatos à prefeitura e à Câmara de Vereadores farão enorme pressão sobre governadores, deputados estaduais, Federais e senadores. O confessionário será longo e a fila que quer indulgências atravessará quarteirões. Afinal, a base a ser escolhida é quem sustentará o edifício político de 2022. Bolsonaro diz que não vai se intrometer na campanha. Balela. E como vai... Trata-se de construir a fortaleza que o resguardará para a campanha da reeleição.

Federalização da campanha

Como se infere facilmente, o Brasil polarizado levará esse contexto para a campanha municipal. O verbo e a verba, portanto, deverão ser reforçados com o empuxo da máquina federal. O PT e oposições se preparam para articular o discurso. Pinçarão as coisas ruins, desastres e eventos negativos que bateram nas portas do Palácio do Planalto, a partir da desastrada atuação do ministro da Educação. O governo puxará o Bolsa Família, com o 13º, o aumento do salário mínimo acima da inflação, o resgate (mesmo lento) do emprego, a moralização (??) da administração, dados que mostrem avanços.

E a linha central?

Os dois lados da polarização, portanto, preparam estratégias, táticas, programas, projetos, pacotes embrulhados com os celofanes do céu. Claro, sob a perspectiva das duas bandas. Mas as cores do inferno serão exibidas. E a linha da moderação, do bom senso, da harmonia, racionalidade? Poderá ser engolida (canibalizada, como se diz em marketing) pela estridência das duas grandes tubas de ressonância que tocarão nas extremidades do arco ideológico.

São Paulo, pleito emblemático

No arquipélago eleitoral, São Paulo será uma ilha muito observada. Na metrópole, vivem os maiores conjuntos de trabalhadores braçais, as maiores classes médias (A, B e C), as massas mais carentes, as mais fortes organizações sociais, os maiores redutos de profissionais liberais etc. Tudo é grande em São Paulo, a começar por sua densidade eleitoral, cerca de nove milhões de votos. Portanto, a tendência eleitoral no epicentro das mídias tradicionais e das redes tecnológicas deverá ter algum efeito sobre outros centros. Efeito da pedra jogada no meio do lago.

Batalha contundente

Bruno Covas, o prefeito tucano, deverá defender o continuísmo de sua administração. Um político em franco combate à doença que o aflige. Do lado do PT, a tentativa de escolher um perfil com chances. Fernando Haddad ou mesmo Marta Suplicy, que já foi do PT. Haddad não quer. Prefere se preservar para o pleito presidencial de 2022. Marta é rejeitada por alas do PT. Mas Lula é simpático à candidatura da ex-prefeita. Os outros pré-candidatos petistas não têm grandes balaios de votos. Celso Russomanno, deputado e populista, do partido Republicanos, é cobiçado pelos tucanos, que querem vê-lo na chapa de Bruno Covas.

Salvador, também emblemática

Outra campanha emblemática será a de Salvador. De um lado, o candidato (ou candidata) do governador Rui Costa, do PT, de outro, o candidato do prefeito ACM Neto. Rui parece simpatizar com a candidatura de uma mulher, Denice Santiago, negra e major da Polícia Militar da Bahia. Grande apelo popular. ACM Neto, presidente nacional do Democratas, quer eleger o vice-prefeito Bruno Reis como candidato da legenda. A campanha medirá forças entre as duas maiores lideranças políticas da Bahia. E será acompanhada com atenção especial.

Bolsonaro mais flexível

Como se comportará o presidente Jair neste 2º ano político? Mais flexível, sem dúvida, sob pena de ver aumentada a oposição ao governo no Congresso. Mas não se espere dele mudanças na "arte" de produzir peripécias: falas polêmicas, recados diretos e indiretos, frituras de ministros. Uma no cravo, outra na ferradura. O capitão tem um foco: a base radical que se engaja de coração em sua defesa. Fala todo tempo para ela. E, apesar de ter havido alguma contração nesse núcleo, as pesquisas ainda o mostram como favorito ou perto do favorito, sendo Moro candidato. Este ministro tem um índice de avaliação melhor que o de Bolsonaro. Neste 2º ano, a articulação do governo junto ao Congresso tende a melhorar. Até porque se não melhorar, mudanças virão. Até se encontrar o perfil adequado para a tarefa.

Moro no STF

A nomeação do ministro Sérgio Moro para o STF entra na casa de 85, entre 0 e 100. O ideal dos ideais para Bolsonaro? Moro como vice. Mas quem garantiria que, não sendo indicado para o STF, ele continuaria no governo? Até poderia ficar mais um tempo. Mas, na política, há uma mosca de olho azul.

A quarentena

O Governo decidiu trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, epicentro do coronavírus. Ponto para o Governo. Eles serão isolados numa quarentena de 18 dias. Um desafio. Há infectologistas como David Uip, que questiona a eficácia da quarentena sanitária prevista pelo Ministério da Saúde. Diz que há pouca informação sobre o tempo de incubação do novo coronavírus, não existindo de que o período de transmissão seria coberto.

PT e seu retrofit

O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, sugere uma ampla aliança entre as oposições. E pede ao PT que tente mudar sua cara, a partir da mudança de nome. O que se chama de "retrofit", termo surgido na Europa e Estados Unidos, que significa "colocar o antigo em forma" (retro do latim "movimentar-se para trás" e fit do inglês, significando adaptação, ajuste). Na arquitetura, abriga um conjunto de ações de modernização e readequação de instalações. O objetivo é preservar o que há de bom na velha construção e adequá-la às exigências atuais.

Dará certo?

Ora, colocar uma embalagem nova num produto desgastado mais parece um drible para enrolar eleitor. Mudar nome de partido sem mudar as pessoas ou reinserir um programa ideológico é querer dar uma solução perfunctória, inútil. Como se diz no vulgo: tapar o sol com peneira. Convém lembrar o conceito de identidade e de imagem. Identidade é a soma do escopo programático, tradição, lutas, história de sucesso e insucesso, quadros, enfim, tudo que lembre a grandeza do partido. Imagem, por sua vez, é a projeção da identidade, a percepção sensitiva captada pelos cidadãos, a ideia que se tem da agremiação. Mudar a imagem sem resgatar a identidade é coisa inútil.

A persistência

Fecho a coluna com um valor apreciado na política: a persistência.

E lembro: na política, nem sempre a menor distância entre dois pontos é uma reta como na geometria euclidiana. É uma curva. Por exemplo: Fernando Henrique só chegou à presidência da República depois de ter perdido a eleição de prefeito para Jânio Quadros, em São Paulo. Uma curva em sua vida.

Colombo

A persistência é uma das principais virtudes dos grandes homens. Cristóvão Colombo aferrava-se à obsessão de que poderia chegar ao Oriente pelo caminho do Ocidente. O pensamento não lhe dava trégua. Esta foi a diferença entre Colombo e os seus contemporâneos. Estava convencido. Queria partir. Mas seria forçado a esperar muito. Enquanto aguardava, falava do sonho. D. João II, rei de Portugal, interessou-se pelo assunto e submeteu o projeto de Colombo a uma junta de sábios. Estes condenaram a ideia. Quando morreu a esposa, Colombo gastou a maior parte de suas economias com o enterro. E foi para a Espanha.

Fernando e Isabel

Fernando e Isabel, empenhados em dispendiosa guerra com os mouros, deram apenas meio ouvido à proposta do genovês. A rainha, entretanto, foi simpática a ele. Concedeu-lhe uma pensão, enquanto a junta de notáveis do Reino estudava o assunto. Depois de dois anos, a pensão foi suspensa. Obrigado a se manter sem ajuda, durante os oito anos seguintes vendeu livros e mapas que confeccionava. Seus cabelos ficaram brancos. Foi atacado pelo artritismo. Mas nunca desesperou. E, um dia, realizou seu sonho.