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Porandubas nº 663

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Atualizado às 07:48

Abro a coluna com pequena história de um ditador.

O ditador vai ao médico:

- E a pressão, doutor?

- O senhor sabe o que faz, meu marechal. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.

Quanto mais muda

Plus ça change, plus c'est la même chose.

Quanto mais muda, mais fica a mesma coisa. O ditado francês por aqui poderia ser esse: quanto mais muda, fica pior. É assim que se pode ler a bateria de mudanças realizadas por Bolsonaro, com a saída de dois ícones de seu governo: Luiz Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça e Segurança. No meio da pandemia, a crise política ganha fogo. O presidente dá mostras em seu dia a dia de que seguirá rigidamente a linha radical que traçou para sua administração: ele é quem manda, mesmo que, vez ou outra, diga que dá liberdade a seus ministros.

Guedes

Veja-se, por exemplo, a situação que quase abateu Paulo Guedes. No meio de uma entrevista sobre a pandemia, o general Braga Netto tirou do bolso do colete um mirabolante Plano Pró-Brasil, que teria sido engendrado sem a participação da equipe econômica. Coisa em torno de R$ 215 bilhões. O secretário Mansueto, do Tesouro, teria exclamado: de onde vamos tirar essa dinheirama para pagar uma montanha de obras? Deu-se ao pacotão uma alcunha: PAC 3 de Dilma. A encomenda, segundo se lê, teria sido inventada pelo hoje ministro Rogério Marinho, ex- subordinado de Guedes. Ao que se diz, os dois se afastaram. Sentindo a indisposição do ministro da Economia, Bolsonaro saiu-se com essa: quem manda na economia é Paulo Guedes. Teme reação drástica do açodado carioca.

Impeachment sem condição

É evidente que as acusações do ex-ministro Moro ao presidente - de querer, por exemplo, interferir nas investigações da PF - seriam motivo para levar a pauta do afastamento do presidente do cargo ao Congresso. Mas não há condições de que esse tema seja apreciado no momento. A pandemia é o foco. E não se pense que estamos nos aproximando de seu final. Seus efeitos correrão por todo o ano. Ademais, teremos uma eleição municipal no segundo semestre. Mas tudo vai depender da disposição do STF sobre o cronograma das investigações para apurar as acusações de Sergio Moro.

Eleições em novembro

Será muito difícil fazer eleição municipal em princípios de outubro. A data mais provável é 15 de novembro ou um uma data nos meados do mês. Mobilizar estruturas, preparar urnas eletrônicas ainda sob a fumaça da paisagem desolada, provocada pelo covid-19, animar candidatos, enfim, criar um clima eleitoral em tempos de medo e depressão são coisas que atrapalham as previsões. Quanto ao adiamento do processo eleitoral, impossível. Seria um golpe. Os eleitos de 2018 não ganharam esse esticamento por parte do eleitor.

Olheiras

Um pequeno detalhe: a crise abriu olheiras profundas nos membros do governo. Vejam as olheiras de Bolsonaro. A cara pálida do ministro Nelson Teich, da Saúde. Paulo Guedes, com sapato com cara de meia e de máscaras, resume a cena do momento.

Polarização tende a arrefecer

A clássica polarização que dividiu o país entre nós e eles, na época do PT, e hoje se faz presente com eles e nós, nesses tempos turbulentos do capitão Bolsonaro, pode, até, continuar, porém, em intensidade menor. Percebe-se cheiro de saturação. Esse clima de guerra amortece o espírito nacional. As margens estão saturadas de falsos profetas. E os habitantes do meio da pirâmide querem calçar novas sandálias. Ao PT, interessa a polarização. Ao bolsonarismo, interessa a polarização. Os extremos se tocam e se abraçam nos objetivos.

Choque de renovação

Um aviso: as eleições municipais darão um choque de renovação. O tradicional está saindo do cenário. Perfis novos, vacinados contra os velhos padrões, gente sem trocados no bolso para dar a cegos em porta de igreja, podem surpreender. A crise sanitária avoluma o repertório de queixumes e indignação contra perfis comprometidos com a velhíssima política. E não pensem que os candidatos com mais chances serão bolsonaristas.

Economia, a bússola

A recuperação da economia será a bússola do amanhã. Não será recuperada em pouco tempo. O país está ficando mais pobre. Só os muito ricos serão pouco afetados. A amargura brotará nos corações. Um sentimento de revolta calibrará os rumos. 2020 será um ano desastroso. 2021, pequena recuperação. 2022, país começará a se recompor. Não é fácil apontar futuros protagonistas. Lula estará onde? Onde estiver, sem chance. Bolsonaro estará onde? Na mesma linha, acho difícil que continue liderando um país-continente. Sua estatura é pequena.

Melhores serviços

Para não dizerem que só vejo desgraças, diviso no amanhã cheio de cinzas e flores mortas um painel de coisas positivas: a consciência com a eficiência do Estado será mais aguda. O Estado-provedor será mais forte, aumentando o colchão social. A iniciativa privada terá mais consciência de seu papel. Os empreendimentos coletivos, em parceria, se multiplicarão. A solidariedade se intensificará. A humanidade ganhará o centro dos corações. Não sou adivinho. Mas lido com meus pressentimentos.

O relaxamento

Tenho outro temor. O de que a índole expansiva do homo brasiliensis - voltada para o laissez faire, o divertimento, a descontração, a farra, o descompromisso com obrigações, a falta de zelo e de disciplina, sejam alavancas para a quebra da ordem estabelecida. O relaxamento antecipado poderá gerar uma segunda onda da pandemia. Desta feita, deixando milhares de vítimas nas margens e no interiorzão do país. Deus, nos salve.

Um registro

O Exército homenageou o desembargador Fábio Prieto, ex-presidente do TRF-3 com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito Militar, a mais alta distinção da instituição. Prieto, um juiz bem preparado e culto, foi o único da classe homenageado este ano. Ele sustenta a tese de que a reforma do Judiciário criou uma elite de sindicalistas de toga para intimidar e subordinar o que chama de magistratura séria e trabalhadora. Critica ainda a realização de políticas públicas por decisões judiciais, que considera prerrogativa dos cidadãos, a serem exercidas por meio de representantes eleitos. Fábio Prieto, um grande perfil na Galeria do Judiciário.

Indignação

Este analista repudia a expressão irresponsável da deputada Carla Zambelli, que acusa o ministro Alexandre de Moraes de ser ligado ao PCC. Nunca se viu disparate tão estapafúrdio.

Quatro chinelas

Fecho a coluna com uma historinha do Ceará.

O médico Francisco Ibiapina, de Jaguaribe, tratava com muito zelo de um cliente recém-casado e acometido de forte gripe. Fazia prescrições sobre o regime alimentar e sugeria cautelas para evitar recaídas. A um lado, a jovem esposa presenciava a conversa e atenta aos conselhos do doutor. Fixando nela os olhos amorosos e não se conformando com a desarrumação de sua lua de mel, o doente cochichou um pedido com voz rouquenha:

- Seu dotô, fazerá mal quatro chinela debaixo da minha rede?