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Igualdade de gênero na Previdência Social

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Atualizado em 15 de fevereiro de 2019 14:45

Dentro dos debates atuais da reforma previdenciária, um tema especialmente controvertido é a possível equiparação de idades de aposentadoria entre homens e mulheres. Como tenho exposto nos últimos anos, esse caminho me parece natural e mesmo necessário, não somente como forma de buscar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema protetivo, mas, também, de alcançar modelo justo de proteção social.

Todavia, a proposta do atual governo parece seguir caminho diverso. Usualmente, a aposentadoria precoce das mulheres é apresentada como forma de compensação pela dupla jornada trabalho e família. A preocupação não é insubsistente, pois mudanças podem ser especialmente prejudiciais às mulheres, as quais, em regra, vivem mais, recebem menos e são mais dependentes de benefícios previdenciários que homens. No entanto, talvez a aposentadoria precoce não seja o melhor caminho.

A prestação previdenciária visa atender a determinado evento e, no caso da aposentadoria por idade, o risco coberto é a idade avançada. Em razão da presunção de incapacidade, não haveria razão para a antecipação de benefício para mulheres, pois essas vivem, aproximadamente, oito anos a mais que homens. A jornada de trabalho maior, para tal fim, seria irrelevante, podendo, no entanto, justificar outras formas de compensação social que não aposentadorias precoces.

No contexto norte-americano, a questão da igualdade de aposentadoria entre homens e mulheres foi sedimentada com o Civil Rights Act de 1964, o qual, no Título VII, veda tratamento diferenciado de acordo com o sexo ou gênero. De modo geral, tal limite tem sido admitido para fins de aposentadoria. A questão foi debatida em precedente importante da Suprema Corte norte-americana (Manhart v. City of Los Angeles), ao analisar a diferenciação em desfavor das mulheres, que deveriam contribuir mais em razão da maior expectativa de vida. Entendeu a Corte que a distinção em desfavor das mulheres violaria a seção 703(a)(1) do Civil Rights Act de 1964. Apesar de o tema concreto da decisão ter tratado da diferenciação de gênero em plano de previdência complementar, o precedente teve enorme impacto, sendo adotado como referência por diversas Agências, eliminando qualquer tipo de distinção de gênero, especialmente em matéria previdenciária. A Equal Employment Opportunity Commission, por exemplo, ao interpretar a seção 703(a)(1) do Civil Rights Act de 1964, concluiu que a vedação de tratamento diferenciado entre sexos não seria somente restrita ao empregador, como expressamente previsto, mas a qualquer contexto. Em razão dos precedentes da Corte e a necessidade de reforma do sistema, as emendas de 1983 suprimiram praticamente todas as distinções de gênero existentes no Social Security Act.

Na União Europeia, a equiparação tem sido a regra. A questão foi abordada em Opinião do Advogado Geral da Corte Europeia de Justiça, no Case C-236/09, Association Belge des Consommateurs Test-Achats ASBL e outros, no qual a Corte Constitucional Belga apresentou questionamento sobre a validade da Diretiva nº 2004/113/EC, a qual, ao dispor sobre a igualdade ente homens e mulheres, permite tratamento diferenciado para fins de aposentadoria, quando justificado atuarialmente (art. 5.2). A dúvida, apresentada à Advocacia Geral da Corte Europeia, foi sobre a validade da deliberação do Parlamento europeu, pois a distinção, além de incongruente com os ideais da própria Diretiva nº 2004/113/EC, violaria as previsões normativas de igual tratamento da União Europeia. De acordo com a ideia desenvolvida no Caso C-236/09, a possibilidade de tratamento diferenciado, prevista no art. 5.2 da Diretiva nº 2004/113/EC, somente seria uma forma de validação para aqueles países que ainda previam idades diversas entre homens e mulheres, até pelo fato de o mesmo artigo prever uma necessária adequação a partir de 2008. Aqueles que já previam idades iguais, não poderiam retroceder no tema. República Tcheca, Reino Unido e Alemanha, mais recentemente, têm adotado novos regramentos legais que preveem o fim da antecipação da aposentadoria das mulheres. Basicamente, somente mantém a distinção, mesmo para o futuro, Bulgária, Itália e Polônia.

Na Europa, o nivelamento das idades tem como fundamento, além da questão da isonomia, o fato de a redução da idade para mulheres ser contraproducente, não somente pelo estigma gerado, mas pela eventual redução do benefício, de acordo com a regras do sistema, além de perda de outros direitos sociais existentes, em razão do afastamento do mercado. Ou seja, ainda que sejam encontradas previsões diferenciadas entre gênero, a tendência europeia, como se percebe, é também pelo nivelamento das idades, em privilégio do tratamento igual entre gêneros. Isso, naturalmente, não significa ignorar a situação inferior das mulheres na realidade protetiva, mas, ao invés de reduzir-se a idade de jubilação, a saída mais adequada parece ser amparar as atividades em que as mulheres tendem a ser maioria, como o trabalho parcial, em razão da prole, ou a atividade doméstica.

Se a igualdade é a virtude soberana da sociedade, as distinções devem ser restritíssimas. A misoginia é uma realidade, assim como os encargos familiares ainda maiores para as mulheres. Todavia, as compensações devidas não são compatíveis com a aposentadoria antecipada, até pelo fato de muitas mulheres estarem fora do mercado de trabalho formal e, na prática, serem desprovidas de cobertura previdenciária efetiva. Por fim, no momento em que as fronteiras entre gêneros se tornam mais fluidas, incluindo as possibilidades médicas e jurídicas de mudança de gênero, a distinção se torna de difícil aceitação.