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Teori

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Atualizado às 10:10

Jorge Amaury Maia Nunes

O início de 2017 é marcado por uma tragédia que abala a cidadania nacional, enfraquece a busca pelo resgate da moralidade e abre uma cratera na cultura jurídica brasileira, em especial no Direito Processual Civil. Morreu Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal.

O infausto evento impõe uma mudança temporária na estrutura de textos da coluna, voltada exclusivamente ao estudo do Processo Civil. Hoje, com tristeza e saudade, falamos de Teori.

Conheci Teori por volta de janeiro de 1977. Havíamos sido aprovados, em fins do ano anterior, em um concurso para advogado do Banco Central do Brasil. Ele, para a Delegacia Regional de Porto Alegre; eu, para a Delegacia Regional de Belém. Eu, recém-saído dos bancos da faculdade; ele, um pouco mais "experiente". Todos fomos deslocados, num momento inicial, para Brasília, a fim de participar de um curso de ambientação para advogados do Banco Central - CAADVO. Depois disso, voltamos a nos encontrar em missões para as quais éramos convocados, normalmente aqui em Brasília, verdadeiros mutirões para colocar em dia o estoque de processos do Departamento Jurídico (agora, Procuradoria Geral).

Com a criação dos Tribunais Regionais Federais, Teori deixou o Departamento jurídico do Banco Central e tornou-se juiz do TRF4. Perdemos o contato temporariamente.

Voltamos a nos encontrar quando veio para o STJ e para a UnB. Eu era professor de Direito Processual Civil da Casa, desde 1995, e ele vinha somar, e muito, esforços para a formação processual dos alunos da Faculdade. O jeito era sempre o mesmo: sereno, fala mansa e pausada. Afável, mas não muito expansivo. Distinguia os colegas em qualquer circunstância, com uma palavra gentil, com uma referência qualquer.

Foi guindado ao Supremo Tribunal Federal com a mesma discrição de sempre. Sem fazer campanha, sem plantar notinhas na imprensa, sem atuar em mídias sociais.

Nas sessões do STF, raramente interferia nos votos de seus pares e nunca inaugurava qualquer espécie de bate-boca. Aguardava, elegantemente, sua vez de votar. Se contraditado, colhia o momento oportuno para a resposta adequada. Um ministro quase à moda antiga, que falava somente nos autos e não antecipava posicionamentos sobre temas que pudessem vir a ser afetados ao julgamento do STF.

Tenho vontade de roubar do poeta e dizer: Se todos fossem iguais a você, que maravilha o STF haveria de ser!

Nosso último encontro foi no fim do ano passado. Ambos ministramos palestra no seminário comemorativo dos 75 anos da Justiça do Trabalho e dos 70 anos do Tribunal Superior do Trabalho, promovido por aquele Tribunal e pela ENAMAT. Na oportunidade, dei notícia a ele de que um grupo de curiosos do Direito Processual Civil, dentre os quais estou incluído, havia criado a Associação Brasiliense de Processo Civil, com o objetivo de fomentar a pesquisa nessa seara do conhecimento. Na mesma oportunidade, convidei-o (e o convite foi imediatamente aceito) a proferir palestra no congresso que iríamos realizar e que marcaria o início das atividades de nossa associação acadêmica. A escolha do nome de Teori havia sido unânime no seio da associação.

A fatalidade não permitiu, entretanto, que essa palestra pudesse ocorrer.

Não obstante a tristeza, temos de comemorar o legado que Teori nos deixa. Deveras, são muitas as lições, espalhadas em artigos publicados nas melhores revistas de Direito e em livros, dos quais destaco, inter plures: Comentários ao Código de Processo Civil, volume 8, publicado pela Revista dos Tribunais; Antecipação da Tutela, publicado pela Saraiva; e Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de Direitos, também pela Revista dos Tribunais.

Como ciência aplicada que é, não raras vezes o Advogado se vê confortado pelo chamado argumento de autoridade (vai buscar, na doutrina, argumentos capazes de roborar a tese sustentada em juízo). Perdi conta das vezes em que o arrimo de minhas sustentações era alguma lição de Teori, ora sobre cabimento de ação civil pública, ora sobre alegado dano moral coletivo, ora sobre cabimento de antecipação de tutela em sede recursal, mesmo antes de o direito positivo possuir expressa regência a esse respeito.

Morre o profissional reto (ministro técnico, como se diz), discreto e eficiente, morre o jurista meticuloso, morre o professor atento e disponível.

Ficam o exemplo de retidão inconcussa, as lições profundas, o estímulo à novas gerações de juristas.

Se, neste momento, pudesse ver o rosto do Direito, diria que ficou, também, uma lágrima a escorrer-lhe tristonha, mas esperançosa...