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Evolução histórica da atividade registral imobiliária no Brasil e o surgimento dos princípios registrais

terça-feira, 4 de junho de 2013

Atualizado às 08:26

Cumprindo o compromisso assumido em nosso penúltimo artigo, hoje trataremos da origem do registro de imóveis no Brasil, trazendo um breve resumo da evolução legislativa e dos primeiros sinais dos princípios registrais que regulam a matéria. Vamos lá...

No começo tudo era público. O local onde você está agora pertencia à Coroa Portuguesa. O imóvel onde está situado o seu local de trabalho, aqueles onde você nasceu, cresceu, estudou, tudo era "terra lusa".

Isso porque, somos uma "descoberta" dos portugueses que, ao chegarem aqui, adquiriram o título originário da posse de toda a extensão territorial.

Posteriormente a Coroa Portuguesa cedeu os direitos possessórios de parte das terras aos moradores das capitanias hereditárias, por meio de cartas de sesmarias. Ou seja, a partir de então, alguns agraciados recebiam o direito de possuir a terra pública.

Mas, onde estava a publicidade de tais "direitos"? Como saber quem era "detentor da posse" e quem não era? Onde ficavam arquivados tais atos? Qual área havia sido cedida e qual permanecia integralmente sob o domínio público?

Em 1850, Dom Pedro Segundo tentou resolver essas questões por meio da lei 601, que dispunha sobre as terras devolutas no Império e as que eram possuídas por titulo de sesmaria, bem como aquelas decorrentes do simples título de posse mansa e pacífica, determinando que fossem medidas e demarcadas e que fossem legitimadas aquelas adquiridas por "occupação primaria", ou havidas "do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente".

Ainda, segundo transcrição literal do artigo 10 da referida lei, o "Governo" deveria prover "o modo pratico de extremar o dominio publico do particular".

No artigo 13, estabeleceu-se que: "O mesmo Governo fará organizar por freguezias o registro das terras possuidas, sobre as declaracões feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas e penas áquelles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as fizerem inexactas".

Mas as perguntas feitas nos parágrafos anteriores continuavam sem resposta. Onde e quem teria a incumbência de promover tais registros?

Somente em 1854, por meio do Decreto nº 1.834, no capítulo intitulado "Do registro das terras públicas" é que se encarregou, ninguém mais, ninguém menos que o "Vigário" de cada freguesia para receber declarações para o registro de terras.

Surgem aí os primeiros sinais do princípio da territorialidade, vez que, ao Vigário foi atribuída a incumbência de registrar apenas as terras de "sua freguesia".

Embora sanada a competência e abrangência territorial, havia outras questões a serem dirimidas: Iniciava-se ali a cadeia filiatória? O registro ali realizado atribuía o título de propriedade ao possuidor?

Para o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 79.828-5, as duas respostas são negativas.

No aludido acórdão transcreveu-se os ensinamentos do ilustre jurista Teixeira de Freitas, que bem elucidam a questão acerca do registro Paroquial.

Segundo Teixeira de Freitas: "Com esse registro nada se predispõe, como pensam alguns, para o cadastro da propriedade imóvel, base do regime hypotecário germânico. Teremos uma simples descrição estatística, mas não uma exacta conta corrente de toda a propriedade immovel do paiz, demonstrando sua legitimidade e todos os seus encargos. O systema cadastral é impossível entre nós". (Consolidação das Leis Civis, 1896, 3ª. Edição, pag. 533/4, nota 24).

Mas, se o registro do Vigário só tinha finalidade estatística, quando houve a implantação efetiva do registro de imóveis no Brasil?

Respondo: somente onze anos depois, com o decreto 3.453/1.865, que regulamentou a lei 1.237/1854, foi determinado que, no prazo de três meses a contar de sua publicação, fosse instalado em todas as comarcas do Império um registro geral de imóveis.

Inicialmente, suas atribuições não eram aquelas hoje reguladas pelo artigo 167 da lei 6.015/73, vez que basicamente regulava o registro de hipoteca.

Contudo, naquela época, sob a rubrica de "Sua Majestade, o Imperador", passou-se a contemplar, pelo menos o princípio da publicidade, conforme parágrafos primeiro e segundo do artigo 80 do referido Decreto.

O aludido dispositivo estabelecia que era obrigação do Registrador: passar as certidões requeridas e mostrar às partes, sem prejuízo da regularidade do serviço, os livros do registro, dando-lhes com urbanidade os esclarecimentos verbais, que pedirem.

E quem era o Registrador, à época?

Segundo o artigo sétimo do referido Decreto, o registro geral foi atribuído aos tabeliães especiais que existiam à época, ao tabelião da cidade ou vila principal de cada comarca, que fosse designado pelos Presidentes das Províncias, precedendo informação do Juiz de Direito.

De acordo com o artigo 9º, esses oficiais eram exclusivamente sujeitos aos Juízes de Direito.

Extrai-se, portanto, desse último dispositivo, os primeiros sinais da função correcional hoje atribuída aos Juízes Corregedores.

Devemos ainda ao decreto 3.453/1865, a criação dos chamados: Indicadores Reais, Indicadores Pessoais, os Livros de Registro Geral (dentre eles: Protocolo, Inscrição Especial, Geral, Transcrições das transmissões, Transcrições de ônus reais etc.).

Por meio da regulamentação da Ordem dos Serviços, insculpida no capítulo IV do aludido Decreto, "o numero de ordem do Protocollo é que determina a prioridade do titulo, ainda que os outros titulos sejão registrados" (artigo 46).

Vê-se aí a contemplação do princípio da prioridade.

Temas como o da prenotação e emolumentos já eram objeto daquela norma.

O princípio da especialidade, segundo o artigo 121, consistia na determinação do valor da responsabilidade e na designação dos imóveis dos responsáveis que ficariam especialmente hipotecados.

Porém, não obstante todos esses princípios, a função essencial dos Registros Públicos, qual seja, o estabelecimento da propriedade privada, só ocorreu em 1916.

Isso porque, somente em 1º de janeiro de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil (art. 1.906) é que se estabeleceu que a propriedade privada adquirir-se-ia pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis, atribuindo-se a fé pública de tal ato, daí a parêmia: "Quem não registra não é dono".

Surgem então os três efeitos fundamentais dos registros de imóveis: o constitutivo, comprobatório e publicitário.

  • Para regular a nova ordem jurídica, sucedeu-se ao Código Civil/1916 o decreto 12.343, de 3/1/1917, que deu instruções para a execução dos atos dos registros instituídos pelo Código Civil, atribuindo-se ao Registro de Imóveis a inscrição e transcrição ou averbação: 
  • dos títulos translativos da propriedade (art. 531), para aquisição (art. 530, n. I) ou extinção (art. 589, § 1º) do domínio, dos constitutivos de direitos e ônus reais (arts. 674, 676 e 810), para sua eficácia contra terceiros, e do ato da instituição do bem de família (arts. 71 e 73. )
  • dos julgados e sentenças: I, nas ações divisórias, pondo termo à "indivisão", e, nos inventários, adjudicando bens a credores da herança (art. 532, ns. I e II); II, declaratórias da posse por usucapião (arts. 550 e 698); III, das do desquite, nulidade ou anulação do casamento (art. 267, ns. I e II), ou restabelecimento da sociedade conjugal (art. 323), e separação do dote (art. 309, parágrafo único).
  • das convenções antenupciais (art. 261).
  • das arrematações ou adjudicação em hasta publica (art. 4.532, n. III), e demais atos subordinados ao registro, como solenidade da sua forma extrínseca1. 

Após, seguiram-se a lei 4.827, de 7/2/1924; o decreto 18.527, de 10/12/1928 e o decreto 4.857, de 9/11/1939, que dispôs que sobre a execução dos serviços relativos aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, cujo artigo primeiro trazia a seguinte redação: "Os serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, para autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos, ficam sujeitos no regime estabelecido neste decreto".

Por fim, tivemos, ainda, a edição do decreto-lei 1.000/1969 até chegarmos à vigente lei 6.015, de 31/12/1973, cuja matéria sobre registro de imóveis está regulada nos artigo 167 e seguintes, dividindo os atos praticados no Registro de Imóveis em dois grandes grupos: registro e averbação. 

Não podemos deixar de anotar, ainda, a importante redação do artigo 1.227 do Código Civil, que estabelece, peremptoriamente, que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis. 

Importa destacar que a consagração desses direitos está diretamente ligada à fundamental atividade registral executada pelo Registrador de Imóveis, que torna tais direitos válidos, eficazes e, sobretudo, confiáveis contribuindo para a circulação de riquezas de nosso país. 

Somente pela atividade desempenhada por esse profissional é possível, diversamente do que ocorria sob o comando da Coroa Portuguesa, distinguir a terra pública da privada, como instrumento de proteção aos detentores dos direitos reais, desempenhando importante caráter social, vez que resguarda de modo eficiente, por meio da prevenção jurídica, as situações que envolvam os direitos nele inscritos, dotando-os da segurança necessária à estabilização das relações jurídicas, entre particulares e entre estes e o Estado.

Por estas razões dedicamos este artigo ao estudo da evolução histórica da atividade registral e seus princípios, demonstrando ao nosso leitor os motivos de seu avanço, com vistas a iluminar e despertar um maior interesse sobre o tema, partindo da gênese de sua criação até chegarmos ao seu atual e fundamental papel social.

__________

1A indicação desses artigos refere-se ao Código Civil de 1916.