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A ata que não desata

terça-feira, 23 de julho de 2013

Atualizado às 07:45

Hoje, abordaremos uma importante questão que extrapola os limites dos serviços notariais e adentra as questões de ordem processual, notadamente, com relação à sua força probante.

O tema de hoje é a importância da ata notarial, essa extraordinária ferramenta que visa pré-constituir uma prova, pois, poderá ser utilizada em um processo judicial ou procedimento extrajudicial. O Tabelião de Notas tem crucial participação na feitura da mencionada ata notarial, e esta, muitas vezes, pode ser o "fiel da balança" na apreciação das pretensões deduzidas, pelas partes, em uma determinada ação.

O artigo 364 do Código de Processo Civil (pouco explorado pelos operadores do Direito) reconhece a força probante do documento público, relativamente aos fatos declararados pelo tabelião, que ocorreram em sua presença, lembrando a todos que a estrutura dos fatos jurídicos abrange os fatos naturais (ordinários e extraordinários) e jurígenos ou humanos (voluntários e involuntários), ou seja, o tema desse "Registralhas", tem abrangência nesse universo jurídico.

Todavia, mesmo diante da expressa previsão legal poucos são os advogados que se utilizam desse valioso instrumento para amparar e instruir suas alegações, especialmente, quando há controvérsia sobre um fato concreto, muitos preferem apostar suas fichas em depoimentos testemunhais.

Não se pretende, aqui, desprestigiar o depoimento testemunhal, mas o que poucos consideram é que a força do tempo pode alterar, significativamente, nossa memória e aquilo que presenciamos hoje e descrevemos com riqueza de detalhes poderá não contar com a mesma descrição daqui a alguns meses.

Façamos um breve exercício. Tente narrar o último filme que você assistiu. Se a película foi vista no último fim-de-semana, não tenha dúvida de que sua narrativa será a mais fiel possível, pois as cenas ainda estão presentes em sua memória. Contudo, sea mencionada película foi assistida há mais de um ano, com muita dificuldade, talvez você se lembre do título do filme e, com um pouco de boa vontade, traçará um brevíssimo resumo da estória, algo como "só lembro que no final eles se casam" ou ainda: "o galã reaparece, destrói o vilão e tudo acaba bem".

Isso acontece com todos nós, inclusive quando testemunhamos um fato, que será objeto de um depoimento.

Sabe-se que o testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento está calcado essencialmente no tripé: percepção, memória e expressão do fato, elementos que nem sempre estarão presentes no momento em que o depoimento testemunhal for colhido e, especialmente, quando o lapso temporal entre o fato e o testemunho for muito extenso.

A ata notarial, por sua vez, conta com a credibilidade de quem, de forma imparcial e fidedigna, relata os fatos no momento em que estes ocorreram, sem carga valorativa ou emocional.

Some-se a isso, o fato de que a ata notarial é documento fidedigno, independentemente, do tempo transcorrido, mantendo o selo da fé-pública e a narrativa fiel daquilo que aconteceu há tempos atrás, permanece hígida e segura no livro do Tabelionato.

A parônima do título deste "Registralha" ("A ata que não desata") não é apenas um recurso retórico ou uma mera figura estilística, mas um verdadeiro alerta à comunidade jurídica, vez que a ata notarial tem a função de, efetivamente, "atar" o fato à narrativa feita pelo Tabelião, reduzindo a termo e com fé pública as circunstâncias presenciadas pelo Notário (que o fará sem emissão de juízo de valor), documentando o ato e garantindo, aos interessados a materialização de um determinado acontecimento juridicamente relevante.

Convém ressaltar que a finalidade da ata notarial não se resume à seara do processo civil, vez que também pode ser usada na esfera criminal.

Imaginemos a hipótese dos crimes cibernéticos, cuja destruição da prova pode ocorrer com um mero "click", apagando, sem deixar rastros, tudo aquilo que existia, virtualmente, momentos atrás.

Como agir de modo rápido e eficiente, sem se valer de uma medida judicial de produção antecipada de provas, que muitas vezes possa chegar ao conhecimento do infrator antes mesmo da realização da perícia?

Respondemos. Basta solicitar ao Tabelião de Notas que lavre uma ata notarial na qual se descreva o conteúdo, o endereço virtual, demais características do site, blog ou página de uma rede social e os fatos juridicamente relevantes.

Assim, desde pré-constituir a prova do recebimento de uma mensagem difamante, da divulgação de imagens ou vídeos injuriosos em redes sociais, ou ainda de um crime relativo a direito autoral, à concorrência desleal ou ao crime de pedofilia na internet, poderá a parte interessada fazer uso da ata notarial.

Aliás, a possibilidade de lavrar-se ata notarial quando o objeto narrado constitua fato ilícito está expressamente prevista nas Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Cap. XIV, Subseção IX, 140.1).

Além do ambiente virtual, o tabelião também poderá lavrar a ata notarial para descrever fatos ocorridos em convenções, assembleias, reuniões, etc.

Enfim, não fosse a nossa coluna destinada a debater "pílulas de informação" poderíamos descrever outras tantas finalidades da ata notarial, contudo não pretendemos extenuar nosso leitor, a quem pretendemos apenas demonstrar a importância do tema.

Daí a razão deste artigo, que visa destacar a objetividade, facilidade e celeridade da ata notarial, quer seu destinatário seja o Juízo Cível, quer seja o Juízo Criminal, "atando" a fiel narrativa do fato com a respectiva declaração feita, de forma imparcial, pelo Tabelião.

No que toca à atribuição para realizar tal ato, reportamo-nos à redação do inciso III, do artigo 7º da lei 8.935/94, que atribui ao Tabelião de Notas a competência exclusiva para lavrar ata notarial.

Mas, o que pode e o que não pode constar da ata?

De acordo com as disposições contidas nas Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (cap. XIV, subseção IX, item 138), a ata notarial conterá: local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados pelo Tabelião de Notas; nome e qualificação do solicitante; narração circunstanciada dos fatos; declaração de haver sido lida ao solicitante e, sendo o caso, às testemunhas e assinatura e sinal público do Tabelião de Notas.

O item 139 das Normas da Corregedoria estabelece, ainda, que a ata notarial poderá conter a assinatura do solicitante e de eventuais testemunhas; ser redigida em locais, datas e horas diferentes, na medida em que os fatos se sucedam, com descrição fiel do presenciado e verificado, e respeito à ordem cronológica dos acontecimentos e à circunscrição territorial do Tabelião de Notas; conter relatórios ou laudos técnicos de profissionais ou peritos, que serão qualificados e, quando presentes, assinarão o ato; conter imagens e documentos em cores, podendo ser impressos ou arquivados em classificador próprio.

Responda: caro leitor, é ou não é uma extraordinária ferramenta probatória?

Mas, a ata notarial não pode ser usada arbitrariamente, de forma a violar os direitos da personalidade, como invadir a privacidade alheia ou ferir direitos afetos à moral, à ética, aos costumes e à lei.

Por essa razão, antes de aceitar o pedido da parte interessada caberá ao Tabelião ponderar acerca do quanto solicitado, sempre levando em conta que sua atividade, embora delegada, é de prestação de um serviço público destinado a toda a sociedade, circunstância que exige uma conduta imparcial, reta e, sobretudo, subordinada ao ordenamento jurídico, razão pela qual deverá recusar sempre que presentes fundados indícios de fraude.

Dessa forma, a ata notarial conta com mais essa garantia, qual seja, a prévia análise do Tabelião de Notas acerca da viabilidade de lavrá-la ou não, conforme seja esta adequada ou contrária aos princípios constitucionais, legais, éticos e morais.

Assim, quer pela sua importância como prova pré-constituída a ser utilizada em ação judicial, quer por sua reduzida utilização pelos operadores do direito, trouxemos esse tema à baila para o fim de parabenizar os advogados que já descobriram a importância desse instrumento, utilizando-o em suas demandas, e para convocar os demais a refletir sobre esse assunto e estudar, com carinho, a viabilidade da utilização da ata notarial.

Encerramos nosso artigo, convidando nossos leitores a refletir sobre a oportuna asserção, que bem resume o que foi aqui abordado:

"Os fatos só existem para a história quando são narrados e sobrevivem quando conseguem validarem-se como verdadeiros".1

__________

1Castor M.M. Bartolomé Ruiz, Doutor em Filosofia. Coordenador da Cátedra Unesco "Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança". Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. In "A testemunha e a memória. O paradoxo do indizível da tortura e o testemunho do desaparecido" - publicada na Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica - último acesso em 2/7/2013.