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A positivação do condomínio de lotes - Mais uma importante novidade da lei 13.465/2017

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Atualizado às 08:47

Vitor Frederico Kümpel e  Bruno de Ávila Borgarelli

Introdução

Era grande a celeuma na doutrina brasileira em torno da viabilidade e do regramento do assim chamado condomínio de lotes. A figura, na falta de disposição expressa de lei que a consagrasse, chegava a ter sua legalidade questionada, em muito por conta da lei 4.591/1964 (Condomínios e Incorporações), segundo a qual o condomínio edilício dá-se em edificações (art. 1º)1. Também do Código Civil de 2002, diante da falta de indicação expressa do lote no rol exemplificativo das unidades autônomas componentes do condomínio edilício (art. 1.331, §1º), extraía-se o entendimento de que essa figura era inviável.

Na verdade, havia no art. 8º da lei 4.591/64 um tímido condomínio de lotes - embora sem força para servir de parâmetro a uma regulação geral dessa modalidade -, por meio de casas assobradadas, nos seguintes termos:

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sôbre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Agora, com a lei 13.465/2017 - a mesma que, como conversão da MP 759/2016, consagra o direito real de laje -, ganha o condomínio de lotes o seu lugar expresso na legislação. Acrescentou-se ao CCB/02, no Livro do Direito das Coisas, em seu Título III, Capítulo VII (Do Condomínio Edilício), uma Seção IV, intitulada "Do Condomínio de Lotes". Tem-se aí dispositivo único: o art. 1.358-A, da seguinte redação:

Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.

§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística.

§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.

Essa novidade não pode passar despercebida. Por mais que se argumente com o fato de parcela da doutrina já defender a legalidade do condomínio de lotes mesmo antes dessa lei, o que se vê agora é oportunidade de por um termo à controvérsia de maneira qualificada. Em outras palavras, não se pode simplesmente dizer que o tema deixou de ser polêmico, teórica e praticamente rico. Ele continua a ter esse caráter, até porque diversas são as dificuldades na operacionalização dessa modalidade de condomínio edilício, para além de questões conceituais, igualmente relevantes.

1. Definições essenciais

Pode-se dizer que o ponto de partida da conceituação do condomínio de lotes está na noção de condomínio edilício, gênero no qual se enquadra a espécie em discussão. É o condomínio edilício, como se retira da lei (CCB/02, art. 1.331) a modalidade condominial consistente na convivência entre partes de propriedade exclusiva e partes de titularidade comum entre os condôminos. A propriedade exclusiva incide sobre as partes de uso independente somadas às frações ideais no solo, formando um todo submetido ao domínio exclusivo de um titular. São inseparáveis a unidade imobiliária e a fração respectiva no solo e áreas comuns (CCB/02, art. 1.331, §3º).

O condomínio de lotes, assim, pode ser visualizado a partir do cotejo desses elementos. Enquadra-se no condomínio edilício, que, adiante-se, não necessita de ser instituído sobre áreas já edificadas, muito embora seja chamado de condomínio em edificações. A bem dizer, a melhor definição do condomínio edilício seria "condomínio em unidades autônomas"2. Essa modalidade pode até ser voltada primacialmente à regulação da vida de construções em unidades autônomas3; mas não exclusivamente.

No caso em estudo, as partes suscetíveis de utilização independente justamente os assim chamados lotes.

A definição de lote, por outro lado, pode ser encontrada na lei 6.766/79, art. 2, §4º: "Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe".

2. O condomínio de lotes antes da lei 13.465/17

Antes do advento do art. 1.358-A do CCB/02, parcela da doutrina advogava pela possibilidade de aprovação do condomínio de lotes com base no decreto-lei 271/67, art. 3º, pelo qual se admitia a aplicação da lei 4.591/64 aos loteamentos, "equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação"4.

Recorde-se que, à época, ainda não havia a lei 6.766/79. Discute-se se seu advento não teria ocasionado a revogação do mencionado art. 3º do decreto-lei 271/67.

Muito embora a jurisprudência de diversos estados viesse admitindo a aplicação do preceito - com a consequente viabilidade do condomínio de lotes - em outros lugares os órgãos administrativos tendiam a não admitir o modelo, tido como burla à lei de parcelamento do solo5. É o que ocorria em São Paulo, onde, contudo, mais recentemente, um Provimento da Corregedoria Geral da Justiça (Prov. 18/2012) modificou o entendimento, passando a admitir a figura em questão, no bojo do processo de regularização fundiária6.

De todo modo, agora esses conflitos normativos ficam superados (muito embora possam dar lugar a outras dificuldades operativas, como já se disse).

3. Análise topográfica do preceito: O condomínio de lotes é um tipo de condomínio edilício

Acertadamente o legislador inseriu no sistema o condomínio de lotes como tipo de condomínio edilício, através da abertura de uma seção dentro do capítulo do CCB/02 dedicado a essa modalidade condominial. O que se tem é um perfeito alinhamento ao entendimento generalizado de que condomínio de lotes é condomínio edilício7.

Já se poderia, segundo alguns, inserir o "lote" entre as unidades autônomas previstas como elementos do condomínio edilício. A diferença estaria apenas em que, no caso do lote, por óbvio, não se tem uma edificação, mas um terreno no qual se pode construir8. Para certos autores, inclusive, o novo artigo não seria necessário, bastando que o legislador incluísse um inciso no art. 1.331 do CCB/02 para acrescer a expressão "lote"9.

Em outras palavras, seria simplesmente o caso de explicitar que o lote é uma das possibilidades de unidade autônoma dentro da conhecida figura do condomínio edilício. Embora se concorde com esse entendimento, acredita-se ser necessária, no presente momento, a abertura de uma seção a parte no referido capítulo do CCB/02.

Essa técnica, além de inserir o condomínio de lotes no espectro do condomínio edilício - o que, repita-se, está correto - traz a vantagem de explicitar com mais intensidade a nova figura, dando-lhe uma posição de destaque que é necessária em face da polêmica que ela até agora tem gerado. É dizer, essa explicitude contribui para sedimentar de maneira mais eficaz as eventuais dúvidas que ainda possam eivar o instituto.

4. A mudança na lei 6.766/79 (Parcelamento do Solo)

Acredita-se, diferentemente do que parecem pensar alguns autores10, que a instituição do condomínio de lotes não prescinde do regular parcelamento do solo, especificamente na modalidade de loteamento. Recorde-se que o parcelamento comporta duas modalidades: loteamento e desmembramento, conforme o art. 2º, caput, da lei 6.766/7911. Essas duas espécies estão descritas nos parágrafos 1º e 2º do referido artigo, respectivamente.

O loteamento (§1º) é, assim, "a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes". Já o desmembramento (§2º) consiste na "subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes".

Pois bem. A lei 13.465/17 também introduziu modificação na lei 6.766/79. Acresceu ao art. 2º desta lei um §7º12, da seguinte redação: "O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes".

Faz todo o sentido, porque de uma forma ou de outra a estruturação do condomínio de lotes passa pelo interesse do planejamento urbano13. Mas não só. Essa inserção é da máxima relevância, pois mostra que, de fato, o condomínio de lotes não pode - não deve - ser concebido de forma desvinculada do loteamento, figura típica do parcelamento do solo urbano. Recorde-se que a lei 6.766/79 tem um caráter eminentemente transitório: finalizado o parcelamento, os dispositivos citados deixam de incidir, dando lugar ao regramento do Código Civil e de outras normativas que regulem a vida da relação jurídica estabelecida sobre o resultado do solo fracionado14.

É preciso ter cuidado para não criar uma "contraposição" entre condomínio de lotes (no regramento dado pela lei 13.465/17 a partir da mudança do CCB/02) e o loteamento regido pela Lei do Parcelamento do Solo, pois isso poderia gera graves consequências. A principal delas seria a não incidência da lei 6.766/79 na etapa de formação física a área continente dos lotes, o que não parece admissível.

Veja-se: não se está a dizer que não possa haver lotes sem formação condominial, isto é, sem atribuição de fração ideal e incidência das regras do condomínio edilício. Isso continua a ser possível. Mas, não exclui o "filtro" da legislação de parcelamento do solo urbano quando da constituição da modalidade específica de condomínio de lotes. Essa dualidade fica evidente pela leitura atenta do novo §7º do art. 2º da lei 6.766/79.

Incidem na constituição do condomínio de lotes, além disso, certas relevantes exigências já feitas em relação à incorporação imobiliária, como, por exemplo, o registro do memorial de incorporação. É estritamente necessário ter isso em conta: não existe no condomínio de lotes uma carta branca à edificação sobre a unidade autônoma em questão, mas, isto sim, uma série de deveres já conhecidos relativamente à incorporação imobiliária.

A exata extensão jurídica do condomínio de lotes e sua delimitação em relação a figuras próximas - como o "condomínio fechado" - serão melhor estudadas em coluna posterior, quando se analisará o loteamento de acesso controlado, figura também trazida pela lei 13.465/17.

Conclusão

A positivação do condomínio de lotes é uma das mais salutares novidades da lei 13.465/17. A par das diversas modificações trazidas por essa lei, muitas das quais desprovidas de técnica - e por isso altamente criticáveis - encontram-se também essas incisões de qualidade. É claro que ainda há muito o que se discutir a respeito da figura do lote e do condomínio que com base nele se estabelece.

Mas o mérito, por ora, reside na diminuição dos alaridos doutrinários em torno do tema e, acima de tudo, em um aspecto tendencial muito aplaudível: a unificação jurídica das figuras condominiais a partir do Código Civil, constituição do homem comum e elemento primacial do regramento das relações privadas.

Sejam felizes e até o próximo Registralhas!

__________

1 Lei 4.591/64. Art. 1º, caput: "As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta lei".

2 PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 473.

3 PENTEADO, Luciano de Camargo. Op. cit. p. 473.

4 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Condomínio de lotes e a lei 13.465/2017: Breve apreciação. GEN Jurídico. Acesso em 20/9/2017.

5 Cf. RIBEIRO DOS SANTOS, Fábio. "Condomínios de lotes": panorama legal e seu registro. Carta Forense, 2/7/2014.

6 RIBEIRO DOS SANTOS, Fábio. Op. cit.

7 ABELHA, André. A nova lei 13.465/2017 (Parte I): condomínio de lotes e o reconhecimento de um filho bastardo. Migalhas, 9/8/2017. Acesso em 20/9/2017.

8 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Op. cit.

9 ABELHA, André. Op. cit.

10 "(...) inaugura-se um novo conceito de lote, que, inicialmente, era somente formado a partir do desmembramento ou loteamento, e, agora, passa a ser também a correta denominação para unidade autônoma compreendida em condomínio de lotes, sem parcelamento do solo" (BELO, Emília; ACCIOLY, Rafael. Lei 13.465/2017 inova e possibilita criação de condomínio de lotes.

11 Lei 6.766/79. Art. 2º, caput: "O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes".

12 Também foi acrescido um §8º, com a figura do loteamento de acesso controlado, que será estudado em coluna posterior.

13 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Op. cit.

14 Assim, com acerto, AFONSO, Maria do Carmo de Toledo. Parcelamento do solo urbano: loteamento e desmembramento. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2007. p. 16.