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Fomento mercantil e a legalidade da cláusula de regresso na hipótese de inadimplência do sacado

Renata de Almeida e Marcela Vianna

No Brasil, o fomento mercantil muitas vezes é equivocadamente confundido com operação de desconto bancário ou com a prática de "agiotagem". Entretanto, ao contrário do que é comumente propalado, trata-se de uma atividade de expressiva importância para as práticas mercadológicas, propiciando, em especial, o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Atualizado em 3 de setembro de 2010 08:58


Fomento mercantil e a legalidade da cláusula de regresso na hipótese de inadimplência do sacado

Renata S. Toscano de Almeida*

Marcela Nacur Vianna*

No Brasil, o fomento mercantil muitas vezes é equivocadamente confundido com operação de desconto bancário ou com a prática de "agiotagem". Entretanto, ao contrário do que é comumente propalado, trata-se de uma atividade de expressiva importância para as práticas mercadológicas, propiciando, em especial, o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas. O fomento mercantil exerce papel notável na recuperação financeira da maioria das empresas fomentadas, permitindo-lhes solucionar problemas rotineiros, criando condições para a continuidade da produção industrial e contribuindo para a redução das demissões em postos de trabalho, através da abertura de crédito e do suporte administrativo concedidos.

Atualmente, as atividades desenvolvidas pelas empresas de factoring não se restringem à aquisição de títulos de crédito, envolvendo além da cessão, a prestação de serviços convencionais ou diferenciados, a administração e a gestão de contas a pagar e a receber, assessoria creditícia, além da negociação e aquisição, junto aos fornecedores, de matéria-prima e insumos necessários à atividade produtiva de seus clientes, estabelecendo-se, assim, uma verdadeira parceria entre faturizado e faturizador.

O contrato de fomento mercantil pode ser definido como atípico, mas de cunho eminentemente bilateral, formado mediante o concurso de vontades entre os contratantes, cada qual assumindo direitos e obrigações recíprocos.

Embora ainda não exista, no ordenamento jurídico pátrio, legislação específica a reger esta modalidade de contrato, é inconteste que este se encontra amparado no nosso direito positivo. O Código Civil/2002 (clique aqui) estabelece que é lícito às partes estipular contratos atípicos (art. 425), aplicando-se-lhes, também, os institutos previstos no Direito Civil e no Direito Comercial.

Oportuno registrar que, depois de mais de 10 anos em tramitação no Congresso Nacional, foi aprovado no Senado o Substitutivo ao PL 13/2007, que visa regulamentar a atividade de fomento mercantil ou factoring. O texto do substitutivo voltará à Câmara dos Deputados, em razão das mudanças introduzidas pelo Senado. A expectativa é de que a votação final do texto somente ocorra após as eleições ou no próximo ano.

No que tange à responsabilidade do faturizado pela legitimidade, legalidade e veracidade dos títulos cedidos, obrigando-se pelo seu pagamento caso sejam constatados vícios de origem que os contaminem, tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileiras a reconhecem mediante a aplicação do artigo 295, do Código Civil/2002, o qual dispõe que "na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu".

Questão tormentosa e, por esta razão instigante, refere-se à (in)existência de direito de regresso do faturizador em face do faturizado na hipótese de inadimplência do sacado. Tanto na doutrina, como na jurisprudência, são encontradas duas posições divergentes.

Os defensores da impossibilidade de estipulação da cláusula de regresso, em virtude da inadimplência do sacado, sustentam que a natureza do fomento mercantil não permite a transferência ao faturizado do risco da operação, sob pena de seu completo desvirtuamento, hipótese em que se estaria diante de um simples mútuo ou desconto bancário. Ressaltam que a existência do fator de compra seria suficiente a remunerar os riscos assumidos pelo faturizador, inclusive de não recebimento do crédito cedido.

Todavia esta posição não se coaduna com as regras previstas para instituto da cessão de crédito no Código Civil e plenamente aplicáveis ao contrato de fomento mercantil.

Regra geral, o contrato de fomento mercantil é pro soluto, o que não impede que, havendo no contrato cláusula específica em que o cedente se responsabiliza pela solvência dos títulos de crédito negociados, o contrato assuma a forma pro solvendo. Isto porque, a nossa legislação (artigo 296, do Código Civil/2002) é expressa ao prever que "salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor", privilegiando a autonomia privada das partes que podem optar, no momento da contratação, por incluir ou não cláusula expressa neste sentido. Importante alertar que a responsabilidade do cedente é limitada ao valor recebido do cessionário, com juros, acrescido das despesas com a cessão e com a respectiva cobrança, conforme artigo 297, também do Código Civil.

Embora ainda minoritária, a corrente defensora da possibilidade da pactuação da cláusula de regresso na hipótese de inadimplência do sacado vem ganhando força no meio jurídico.

Inclusive, o Substitutivo ao PL 13/2007 permite de forma expressa seja pactuado contratualmente o direito de regresso do faturizador em face do faturizado na hipótese de inadimplência do sacado, colocando uma pá de cal sobre as discussões existentes sobre a questão tanto na doutrina, como na jurisprudência. Dessa forma, o Projeto privilegia a autonomia privada das partes que podem optar, no momento da contratação, por incluir ou não cláusula expressa neste sentido, estimulando e incrementando a atividade.

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*Advogadas do escritório Mauro Marcos de Castro Advogados Associados





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