MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Denúncia Anônima

Denúncia Anônima

Com a organização e especialização de quadrilhas voltadas para a prática de ilícitos, a notícia anônima carrega um arsenal importante de informações que deverão ser filtradas e analisadas criteriosamente para verificar sua procedência. O crivo de admissibilidade e idoneidade será feito pela autoridade policial ou MP, ambos como destinatários credenciados e legitimados.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Atualizado em 17 de dezembro de 2010 15:45


Denúncia Anônima

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

O CPP brasileiro (clique aqui) usa deliberadamente a expressão "qualquer pessoa do povo" conferindo a ela legitimidade em sua forma mais abrangente para tomar iniciativas, que, em tese, caberiam ao poder público. Assim, dispõe que qualquer um do povo que tiver conhecimento da prática de crime em que caiba ação pública, poderá, verbalmente ou por escrito, comunicar o fato à autoridade policial, que irá verificar a procedência das informações e, se for o caso, instaurará inquérito policial.

A notitia criminis levada ao conhecimento da autoridade competente pela vítima, testemunha ou qualquer pessoa do povo, apresenta-se como uma ferramenta de alto valor para orientar uma persecução criminal responsável. Afinal, se o próprio povo tem legitimidade para julgar nos crimes dolosos contra a vida, terá também igual competência para fazer a comunicação de um fato delituoso.

A delação inqualificada pode trazer informações interessantes a respeito de um determinado fato criminoso até então desconhecido, porém atinge proteção pétrea consagrada constitucionalmente, que é a vedação ao anonimato, incluindo neste rol o direito à personalidade, à honra, à intimidade e à dignidade da pessoa humana.

Cesare Bonesana, conhecido como Marquês de Beccaria, em seu livro "Dei Delitti e Delle Penne", que protestou contra julgamentos secretos, a tortura no interrogatório, interrogatório sugestivo contestou também a delação premiada, como uma modalidade de se lançar uma acusação contra determinada pessoa, com o objetivo de se obter algum benefício próprio de redução de pena, porém, com a obrigatoriedade de se identificar o delator. Com sua ênfase peculiar, ressaltou que "o tribunal que emprega a impunidade para conhecer um crime, mostra que se pode encobrir esse crime, pois que ele não o conhece; e a leis descobrem suas fraquezas, implorando o socorro do próprio celerado que as violou"1.

Mas a delação tratada pelo processo penal é aquela em que qualquer um do povo faz o relato de um fato com aparência de crime, pessoalmente ou por escrito, ao delegado de polícia, porém, em ambos os casos, irá se identificar para que o órgão policial possa ter um respaldo autorizativo em seu procedimento.

Diferente, no entanto, a denúncia feita sob o manto do anonimato, muitas vezes com o patrocínio do próprio poder público, que cria um canal direto de comunicação com a comunidade através do "disque-denúncia". Com a organização e especialização de quadrilhas voltadas para a prática de ilícitos, a notícia anônima carrega um arsenal importante de informações que deverão ser filtradas e analisadas criteriosamente para verificar sua procedência. O crivo de admissibilidade e idoneidade será feito pela autoridade policial ou MP, ambos como destinatários credenciados e legitimados.

Daí que a autoridade policial e o próprio órgão do MP não podem repudiar liminarmente a denúncia anônima e sim dar a ela o tratamento adequado de fonte de informação, com a realização da pesquisa necessária para rastrear sua idoneidade. Se o denunciante permanecer no anonimato e se suas informações forem consistentes, possibilitando uma correta linha de investigação, não há qualquer interesse em se descobrir a identidade do colaborador. Porém, se lançou mão do anonimato para prejudicar determinada pessoa, a conduta é reprovável penalmente. Tanto é verdade que o crime de denunciação caluniosa tem a pena aumentada de sexta parte se o agente se vale do anonimato ou de nome suposto para dar causa à instauração de investigação policial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.

Desta forma, sem qualquer dúvida, a denúncia anônima carrega farto material para se realizar investigação policial preliminar visando nortear os caminhos de uma futura persecução criminal. Porém, não se presta para o embasamento da instauração do inquérito policial. Os tribunais superiores vêm recomendando extremada cautela com a denúncia apócrifa, que, se não for bem conduzida, poderá acarretar sérios danos contra a segurança jurídica e gerar um terrorismo social desnecessário.

Se, por acaso, a denúncia anônima servir de base para o inquérito policial ou até mesmo para a ação penal, por se tratar de prova ilícita, contaminará todos os atos praticados fulminando-os de ilegalidade, tais como a interceptação telefônica, quebra se sigilo bancário, prisões cautelares decretadas, sequestros de bens e outras medidas restritivas.

________________

1 Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Fávio de Angelis. Bauru: Edipro, 1999, p.33

________________

*Promotor de Justiça aposentado/SP. Advogado e reitor do Centro Universitário do Norte Paulista

 

 

 

____________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca