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O instituto do recall e sua posição na Constituição Federal do Brasil de 1988

José Antônio Lomonaco

O presente trabalho pretende analisar, de maneira concreta, as formas de participação direta dos cidadãos no processo legislativo e na manutenção do sistema representativo, ainda que en passant, porque limitado no tempo e no espaço, e porque vinculado a sua grande originalidade.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Atualizado em 25 de março de 2011 10:30

O instituto do recall e sua posição na Constituição Federal do Brasil de 1988

Sugestão para alteração no sistema de participação popular no sistema democrático brasileiro

Jose Antonio Lomonaco*

1. Considerações preambulares

Porto de Athenas. Pireu. Pela manhã. Em um dia qualquer de 400 a.C.

Naquela manhã, Cícero levantou-se mais cedo que o costume, e muito mais cedo do que recomendavam suas atribuições do dia. O Porto do Pireu, principal porto marítimo de Atenas, encontrava-se sem qualquer movimento, nada além do comum dos dias.

Por ocasião da semana, os mais diversos veleiros haviam aportado, trazendo os mais diferentes tipos de grãos, tecidos e outras especiarias. O trabalho de Cícero não seria assim tão exigido, especializado que era na movimentação dos mais variados tipos de grãos.

Pela mesa de mármore, comum naquele tempo, restos do que fora o jantar da noite anterior.

Vestiu-se ... quedou-se a pensar nas obrigações comuns ... nada de novo no mais movimentado porto do mediterrâneo.

Péricles havia convocado uma assembleia para a praça principal, na qual seriam discutidos diversos assuntos da comunidade.

Votação direta, como se fazia, haveria de levantar a potente voz que o diferençava dos demais, dando sua opinião, para, ao final do ato, votar, diretamente, levantando a mão ou deixando-se levar pela turba da inércia.

Brasília. Praça dos Três Poderes. Em um dia qualquer de 1998. Pela tarde.

João Paulo dos Santos havia sido eleito com 45.435 votos, dados pelos cidadãos de Franca, Estado de São Paulo, para um mandato de Deputado Federal.

Tomara posse em 1º de janeiro de 1994, e sua função legislativa terminaria no dia 31 de dezembro de 1998.

Nada houvera produzido. Nem um projeto sequer. Apenas conversas de bastidores, votando as proposições que lhe permitiram acumular um pouco de experiência, além de ter obtido diversas nomeações para parentes e amigos.

Por várias vezes fora interpelado pelos cidadãos de sua cidade ... sobre sua atividade legislativa, sua atuação como deputado, e seu comportamento como político.

As agressões eram constantes, principalmente depois que a comunidade percebera a falta de empenho e a mais absoluta passividade de sua atuação, mas que ali mesmo terminavam, porque a inviolabilidade do mandato e a segurança derivada do alto sentimento corporativista o protegia de todos os perigos do comum mundo dos eleitores.

Estava protegido de sua própria inoperância, e a salvo de qualquer movimento de agressão, fosse ela política, fosse ela conservadoramente eleitoral.

 

2. Introdução

A mais antiga e menos prejudicial de todas as formas de exercício do poder é a democracia.

Segundo se manifestaram as mais diversas pessoas, e segundo o diz o ditado popular, a democracia ainda é o menos ruim de todos os regimes, de modo que suportá-la passou a ser um exercício de sacrifício em nome da possibilidade e da esperança de se alcançar um patamar tal que permitisse aos cidadãos afastarem-se dos fantasmas do absolutismo e da ditadura, seja ela da matiz que for.

A pequena estória contada nas considerações preambulares deste paper tem um objetivo certo e determinado, que é o de demonstrar que as condições de exercício do direito à participação popular no sistema democrático - objetivamente consideradas, sofreram profundas alterações na sua estrutura, de tal forma que aos cidadãos modernos não restou outra alternativa senão a de tentar, pela escolha atroz e maldita de candidatos desconhecidos, alienar parte de sua soberania, conceder submissão de sua parcela de poder individual em prol da comunidade, dando vazão às aspirações do sistema representativo.

De fato, tomando-se a pequena parcela dos cidadãos que poderia se envolver diretamente nas assembleias atenienses, na forma anteriormente descrita, a comunidade de Atenas participava de maneira efetiva das decisões políticas da cidade na qual viviam, no esplendor do Século de Péricles.

Reuniam-se na praça pública, conversavam entre si e tomavam conta dos assuntos comunitários por atuação direta.

Votações diretamente invocadas e controladas de maneira visualmente verificáveis, o corpo de cidadãos poderia tomar a si a responsabilidade de aprovar, ou rejeitar, propostas dos administradores na condução dos destinos da polis na qual viviam.

Nos tempos modernos, todavia, a imposição do sistema democrático aos povos ocidentais, pela expansão das ideias republicanas de Platão, enriquecidas pelo ideário liberal dos revolucionários franceses, causou aos cidadãos, como efeito perverso de sua adoção, os efeitos colaterais do exercício do poder.

Efeitos colaterais que foram intensificados pelo aumento veloz da quantidade de pessoas envolvidas (populações cada vez maiores), e pela descaracterização do sistema instituição de mecanismos destinados unicamente a manter o status quo, ou seja, o de manter a grande parte dos administrados alienados do poder político.

A distância havida entre os cidadãos e os representantes, geralmente escolhidos ao acaso diante de intermináveis listas de candidatos, sem qualquer identificação pessoal entre si, fez sepultar a formulação ideal do sistema representativo, pela qual os cidadãos se envolviam diretamente no exercício do poder político.

E de tal forma, que deram à relação estabelecida entre os candidatos e o eleitor caráter de tal impessoalidade que os representantes e representados passaram a, praticamente, se odiar, tal o fosso ideológico que passou a existir, numa relação e vínculo de tal modo viciados que tornam o sistema representativo estrutura firme, legal mas de legitimidade duvidosa.

Interessante aspecto deste divórcio virtual havido entre representados e representantes é o surgimento de certos grupos de pressão com características especiais, e que se denominam, segundo a doutrina, ainda que incipientemente, em outsiders, ou seja, pessoas estranhas ao quadro político regular, mas que detém grande parcela de legitimidade, diante de certas particularidades que cercam sua atividade.

Estes outsiders são, então, pessoas de grande notoriedade em seus trabalhos técnicos ou pessoais, e representam a esperança de mudança no sistema político.

No caso brasileiro, interessante a atuação do empresário Antônio Ermírio de Moraes, megaempresário, que se lançou na aventura da candidatura ao governo do Estado de São Paulo, e que foi derrotado pelo candidato notoriamente envolvido em casos de corrupção e desgoverno Orestes Quércia.

Ou ainda, caso mais interessante, a eleição do repórter de televisão Antônio Brito, cuja única função pública havia sido o exercício do cargo de porta-voz do falecido Presidente Tancredo Neves, e que acabou eleito Governador do Estado do Rio Grande do Sul.

Em um caso como no outro, não importam os resultados do exercício de seus mandatos, mas a forma pela qual foram eleitos, a partir de atividade eminentemente estranha à política profissional.

Esta visão de mudança é importante porque traz ao cenário político a presença de novos elementos participantes, que muitas vezes, ao invés de sanear o sistema representativo, causa-lhe o efeito perverso, aumentando o fosso, incrementando o sentimento de asco, e que demanda estudos mais aprofundados, merecedores de trabalho autônomo.

Aos outsiders, sejam profissionais liberais, artistas ou empresários, qualquer que seja a atividade, com sua projeção social e na comunidade, atribui-se-lhe uma legitimidade que, ao contrário de permitir a depuração do sistema, acaba por gerar condições de perpetuação deste mesmo sistema.

Esta abordagem do problema, pode-se dizer, tem natureza política, porque pretende sua mudança através da utilização intensiva do sistema político vigente, pela atração dos outsiders ao cerne da vida política nacional, pela cooptação político-partidária e pela utilização da massa de legitimidade que possuem.

Tiririca é exemplo disto. Enéas outro.

Trata-se de paradoxo que foi muito interessantemente ilustrado em diversas obras, como se observa pela transcrição abaixo:

La años noventa han llegado de la mano desencanto político. Un fenómeno generalizado que se há propagado singularmente luego de la caída del muro de Berlin. Si antes las classes de Occidente salían airosas em comparasión com la burocracia del mundo comunista, ahora su benévolos efectos se han diluido. Se denuncia la partidocracia, la corrupción, el tinglado de intereses de las viejas estructuras de partido, los oscuros negocios realizados desde el aparato estatal. Los casos de corrupción el na Europa Occidental han gozado de mayor publicidad y transcendencia en los ultimos años, y en los EE.UU la "crisis de confianza" de las últimas décadas profundizó la debilidad del sistema partidario y robusteció la presidencia personal-plebiscitaria1.

Ao contrário, a abordagem técnica do problema, pela instituição de elementos objetivamente considerados parece ser a melhor das opções do cidadão para diminuir o fosso, o ódio e o asco que atualmente existem e que podem pôr a perder as conquistas do Estado de Direito, a tão duras penas obtidas.

A única opção posta ao cidadão, pela lei e pelos mecanismos normativos existentes, especialmente aqueles derivados da situação constitucional da cidadania, é vingar-se de seu deputado, nele não votando nas próximas eleições ... mesmo que, para isto, haja que esperar por mais quatro anos, durante os quais a frustração ideológica e sensação de absoluta impotência haverão de minar a confiança do cidadão no sistema de representação adotado por sua comunidade, conduzindo o substrato social a níveis de insatisfação geradores de condições ideais para sua subversão.

Há uma situação teórica que pode auxiliar e que pode gerar condições objetivas de retomada das circunstâncias originais do sistema democrático, e que permite aos representados exercer, ainda que de maneira incipiente e frágil, os direitos de participação na direção dos destinos da comunidade em que vivia.

O presente trabalho pretende analisar, de maneira concreta, as formas de participação direta dos cidadãos no processo legislativo e na manutenção do sistema representativo, ainda que en passant, porque limitado no tempo e no espaço, e porque vinculado a sua grande originalidade.

 

3. A participação popular no sistema representativo democrático

O povo, sejam brasileiros ou argentinos, participa do sistema representativo, se não como coadjuvante, como mero figurante.

E participa como figurante porque não lhe é dado opinar de maneira efetiva sobre as condições de exercício do poder. Afinal, uma vez conferido o mandato eletivo, o eleito, salvo raríssimas e honrosas exceções, vira-lhe as costas, sem atender sequer os mais elementares reclamos da representatividade - prestar conta de seus atos políticos.

Atos políticos que desembocam, em última análise, no pequeno e estreito canal da vida dos cidadãos, sujeitos concretos das repercussões dos atos virtuais dos governos.

A eles, cidadãos, não se dá o direito de efetivamente participar do sistema, porque limitam-se a votar, que se não é direito, mais ainda se parece com obrigação, porque sujeito a sanções e penalidades.

Como se a credibilidade do sistema estivesse tão doente, tão viciada, que se faz necessária a realização de eleições para dar-lhe caráter de legitimidade - que não tem - se levados em conta o desempenho e a originalidade da atuação dos eleitos.

A figuração do cidadão se dá através de três mecanismos principais, quais sejam, a eleição e voto, num primeiro momento; a indicação de projetos de lei, através do sistema de iniciativa popular de apresentação de leis complementares ou ordinárias, num segundo instante; e pelo recall, que consiste na revogação ou confirmação do mandato parlamentar, numa instancia última.

Serão dispensadas considerações sobre o voto e seu caráter de obrigatoriedade, eis que não são objeto imediato desta análise.

 

4. A iniciativa popular

A Constituição Brasileira prevê a participação direta dos cidadãos na iniciativa de propor leis, complementares e ordinárias, que são, segundo o artigo 61 da mesma Carta Magna, prerrogativas dos membros do Congresso Nacional.

No entanto, o § 2º do referido artigo prevê que os cidadãos poderão propor projetos de leis, desde que atendidas algumas exigências objetivas colocadas no texto.

A leitura do texto legal permite inferir-se que a permissão de iniciativa popular na propositura de leis não passa de uma ficção, ou ainda, de miragem, da qual os constituintes fizeram uso para dar vazão e fuga a suas aspirações de participar da eterna legislatura, como a permitir que suas consciências pudessem estar mais perdoadas ou leves pelo fato de terem inserido na Constituição norma permissora do exercício do direito de participação direta do sistema legislativo.

A uma primeira leitura, observa-se que a norma do artigo 61 diz que a iniciativa de leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ... e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição (Constituição Federal, artigo 61).

A lista de exigências é de tal forma alienígena e absurda que, ao contrário, impede a participação, porque :

a) exige a coleta de assinaturas, em quantidade não menor que 1% do eleitorado nacional. Ora, considerando-se o universo mencionado - que atinge mais ou menos 80 milhões de pessoas - o cumprimento da primeira das exigências implicaria em obter o cidadão, em todo o país, mais de 800.000 assinaturas.

Eis a primeira dificuldade, porque considerando-se que cada folha de papel consegue suportar 25 assinaturas, então haveriam de se movimentar aproximadamente 32.000 folhas, ou seja, mais de 640 volumes de 50 folhas cada uma.

b) a segunda dificuldade consiste no fato de que tal quantidade de assinaturas haverá de estar distribuída pelo menos por cinco estados.

Ou seja, o cidadão, mesmo que obtenha tal quantidade de assinaturas, ainda assim não poderá propor tal projeto, porque as assinaturas haverão de estar distribuídas por pelo menos cinco estados.

Sendo assim, além de impor dificuldades de natureza operacional (conseguir assinaturas, manipulá-las, coordenar sua captação e processamento), a Constituição ainda cuidou de, antissepticamente, obstar o exercício de tal iniciativa, porque exigiu o adimplemento e suplante de outra dificuldade, a de natureza espacial, já que tais assinaturas deverão estar diluídas ao longo de cinco estados da Federação.

Mas não são só estas dificuldades, porque cuidou o caridoso constituinte de impor ainda uma última dificuldade, a de que, em cada estado, não haja menos que 0,3% dos eleitores de cada um deles.

Há que se observar que se trata de uma participação que permite ao cidadão propor um projeto, sem garantias de que tal projeto terá vida longa no Congresso, ou que venha a ser aprovado.

Ou ainda, considerando-se os aspectos consistentes da técnica legislativa, de andamento e de trâmite, nada garante, sequer, que o projeto cuja iniciativa tenha sido de um cidadão seja colocado em votação.

 

5. O recall

O recall é uma modalidade de participação na qual o eleitor, obedecidas certas condições objetivas, provoca novas eleições, com o objetivo de confirmar ou revogar o mandato legislativo em relação ao representante de sua região.

Não nos compete aqui, neste pequeno paper, fazer estudos comparativos do instituto - mesmo porque este não é o objetivo central - mas de propor sua inserção nos sistema constitucional brasileiro através do mecanismo da discussão e do entendimento do seu significado para a sociedade moderna.

A crítica mais comum feita ao sistema de recall, a de que o instituto seria característico e funcional apenas para sistemas representativos que adotem o sistema de voto distrital, não se aplicando ao sistema proporcional vigente no Brasil, opõe-se a explicação e fundamento segundo os quais o que se exige - e o que se propõe - não é alteração no sistema político, mas de definirem-se critérios objetivos e fisicamente perceptíveis.

Há uma razão para a crítica, que é pertinente, mas que não é impeditiva da adoção do instituto pelo sistema democrático brasileiro, ou argentino.

Ocorre que nos sistemas de voto distrital a operacionalização do recall é mais fácil, porque os limites territoriais do colégio eleitoral são definidos a priori, e que facilita, em termos objetivos, sua institucionalização e operação e, como consequência, o exercício do direito nele declarado.

O que se precisa fazer, então, no sistema proporcional (no qual os deputados não são distritais, mas estaduais), é justamente definir os critérios objetivos exigidos para sua operação.

 

5.1. O sistema e sua operação

O recall, nos casos brasileiro e argentino, será exercido segundo as seguintes características objetivas, justificando-se.

 

5.2. O aspecto temporal

Segundo o aspecto temporal, será exercido apenas após um ano de exercício efetivo de mandato. Justifica-se tal vacatio pela inerente exigência de permitir-se ao eleito demonstrar, através de atos concretos, que desempenha seu mandato de forma adequada, sem embargo do fato de que certos atos legislativos e de que certos procedimentos terem prazo de duração de mais de ano.

Mesmo que se alegue que os procedimentos legislativos durem mais que o tempo sugerido, ainda assim seria possível avaliar o eleito, pela análise e pela leitura das proposituras que houver apresentado, de modo que o que avaliar-se-á não é a quantidade de proposituras mas a qualidade dos temas propostos, mesmo que ainda não votados, ou analisados pelas Comissões pertinentes.

De certa forma, os projetos apresentados serão avaliados pela qualidade, pertinência e legalidade e não mais pela quantidade. Quem não se lembra daquele deputado que apresentou mais de 400 projetos de lei ... todos dando nomes a escolas e ruas, ou ainda, criando o Dia dos Diabéticos, ou o Dia dos Advogados de Camisa Amarela, ou ainda, o Dia do Surfista?

De outro lado, o aspecto temporal é importante porque dá ao eleito a oportunidade de julgamento posterior de seus atos, permitindo que ele possa demonstrar a conexidade e interação do que declarou na campanha e dos atos efetivos e concretos que desempenhou na Câmara para a qual foi eleito.

Esta coerência, entre as intenções e os atos, é fundamental para eliminar o sentimento de frustração que nos assume a alma, quando avaliamos os eleitos do ponto de vista da comparação entre o discurso e a prática.

 

5.3. Aspectos formais

5.3.1. Quantidade de assinaturas

Será exercido mediante a coleta de assinaturas, que contemplem uma quantidade de adesão que seja no mínimo igual à quantidade de votos que obteve nas eleições na qual foi eleito.

Justifica-se tal exigência, sob o fundamento segundo o qual o voto, por difuso e inominado, impessoal, é o instrumento de atribuição do mandato haverá de sê-lo, também, de ter validade como destituição do mesmo mandato.

Evita-se, desta forma, que possa haver injustiças, permitindo-se à minoria vencida nas eleições referidas que possa destituir o vencedor, invertendo-se a lógica dos sistema, além de impedir que o suplente possa financiar e promover procedimento de recall em benefício próprio, com menor exigência de votos para assumir em lugar do rechamado do que teria para eleger-se em condições normais.

O fato é que o fundamento principal da justificação da quantidade de votos é a presunção de que a impessoalidade do voto, e seu caráter anônimo, são os motores do exercício da consciência política, adotando-se o princípio igualitário segundo o qual um voto atribui, um voto destitui, aplicação analógica livre do Princípio segundo o qual one man, one vote.

Assim, fica estabelecido que o procedimento de rechamada somente será instalado se a população do Estado apresentar adesão, na forma de assinaturas, em tal quantidade que seja, no mínimo, igual ao número de votos recebidos na eleição que conduziu o rechamado ao posto político.

 

5.3.2. Limitações territoriais

As assinaturas serão colhidas no Estado pelo qual foi eleito o rechamado, para manter o equilíbrio do sistema representativo da Federação, e para impedir que os interesses de Estados rivais sejam postos acima dos interesses dos eleitores do rechamado.

De fato, o interesse a ser preservado não é de cidadãos de Estados alienígenas, mas dos eleitores inscritos no Estado de atuação do rechamado, porque somente estes, efetivos eleitores do rechamado, podem destituí-lo.

As assinaturas haverão de se concentrar no domicilio eleitoral do rechamado, para evitar, do mesmo modo, que interesses entre cidades rivais possam se sobrepor aos interesses dos eleitores diretamente vinculados ao rechamado.

Ocorre aqui um primeiro problema, porque o eleito pelo Estado está apto a receber votos de qualquer cidadão com domicilio eleitoral naquele Estado, sendo que a terminologia adotada (domicílio eleitoral do rechamado) permite interpretação ampla e divergente.

Assim, como impor limite territorial ao exercício do direito de rechamada ?

O que se sugere, é que seja imposta uma exigência de modo que para fins de domicilio eleitoral seja considerada a cidade na qual o rechamado tenha obtido a maioria de seus votos, relação que pode ser obtida através da análise objetiva do mapa eleitoral fornecida pelo Tribunal Eleitoral.

Ou seja, a primeira colocada na lista das cidades nas quais o rechamado tenha tido votos, de modo que, se foi eleito no Estado com 100 votos, mas obteve votos em Ribeirão Preto (40), Franca (20), São José do Rio Preto (10) e Campinas (10), Jaboticabal (10) e Ubatuba (10), será considerado como domicilio eleitoral a cidade de Ribeirão Preto.

Em caso de empate, o domicilio eleitoral será qualquer uma das cidades empatadas.

 

5.3.3. Procedimento

O procedimento será instaurado por qualquer cidadão (mesmas exigências para o ajuizamento de ação popular), mediante petição escrita ao juiz eleitoral com competência no domicílio eleitoral, sem que haja necessidade de declinar os motivos pessoais ou políticos. Bastam a petição e o pedido.

O foro é o do domicílio eleitoral.

Autuado, o rechamado será notificado de que o procedimento foi iniciado, iniciando-se o prazo para coleta de assinaturas. O prazo se inicia com a juntada do comprovante de notificação aos autos, que será feito pelo correio.

Apresentadas as assinaturas, computadas e processadas, inicia-se o prazo para debates e para apresentação das razões de cada qual, debates que serão na forma de campanha eleitoral, sem qualquer custeio do erário, permitindo-se comícios, propaganda na TV, rádio, e qualquer outro meio de comunicação, ao final do qual será feita a votação e contagem dos votos, confirmando-se ou revogando-se o mandato.

A votação se realizará sob a responsabilidade da Justiça Eleitoral.

As assinaturas serão coletadas pela parte interessada, sob sua responsabilidade criminal e civil, e poderão ser impugnadas, sob o fundamento de falsidade, somente. Constatada a falsidade, será imposta uma multa pecuniária (por exemplo, de R$ 100,00) por assinatura objeto da falsificação. Constada a veracidade da assinatura, o impugnante pagará fé pela mesma pena pecuniária imposta ao rechamado por assinatura impugnada. Procedimento que se adota para impedir impugnação com caráter meramente protelatório.

A impugnação não impede o processamento do pedido, que será autuada em apenso e tem efeito meramente devolutivo.

Somente será possível apresentar recurso à Segunda Instância se a quantidade de assinaturas impugnadas fizer com que o pedido fique prejudicado, por fazer com que não se alcance o número de assinatura proposto no item 5.3.1. acima.

 

5.3.4. Prazos e outras considerações formais

O prazo para coletar assinaturas é o de 1 mês para cada 10.000 votos obtidos pelo rechamado, ou fração, a fim de não dificultar a coleta e não colocar o rechamado em situação de constante tensão e exposição.

O prazo para campanha é o de 2 meses, para dar celeridade ao processo.

A eleição é facultativa, porque não se trata de impor soluções, mas de permitir correções do sistema.

Se o rechamado não for confirmado no cargo, assume em seu lugar o segundo colocado nas eleições, daquele mesmo domicilio eleitoral.

O rechamado poderá estar sujeito ao recall apenas uma vez a cada mandato.

 

6. Considerações finais

Parece claro que o sistema constitucional brasileiro, nem tampouco o argentino, prevê a possibilidade de participação direta dos cidadãos nos controles políticos da conduta de seus representantes.

A possibilidade de que dispõem os cidadãos para corrigir a conduta, exigir trabalho de qualidade e controlar as atividades parlamentares são muito limitadas, se não de difícil ou impossível execução, dada sua absurda exigência operacional.

O que se pretende, a um primeiro momento, é flexibilizar as exigências atualmente contidas na Constituição Brasileira, sendo urgente a necessidade de reformar-se a Carta Magna para o fim de permitir que os cidadãos possam fazer uso de sua prerrogativa de participar diretamente do processo legislativo.

De outro lado, é flagrante a necessidade de dotar a sociedade de mecanismos operacionais de fácil manejo, sem exigências descabidas, para permitir ao homem comum médio, a quem é, em última análise, dirigida a estrutura jurídica, que dela faça uso para o fim de permitir efetivo controle sobre a qualidade da produção legislativa de seu representante.

Somente com a atribuição de tais direitos, com sua estruturação e dinâmica é que os homens modernos poderão, algum dia, almejar serem transportados para o Porto do Pireu, como o foi seu antecessor Cícero, para o fim de participar, de maneira efetiva, segura e honesta, dos destinos de sua comunidade, sua família e, em última análise, permitir-lhe ser senhor de seus próprios desígnios.

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1 SERRAFERO. Mario D. Antipolitica y outsiders paradojas de uma paradoja. in: Foro Politico: Revista do Instituto de Ciências Políticas. v.XX Buenos Aires:Universidad del Museo Social Argentino, agosto 1997. p.17-20.

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*Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca, doutor em Ciências Jurídicas pela U.M.S.A. (Buenos Aires) e advogado do escritório Advocacia Prof. Dr. José Antonio Lomonaco





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