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A inversão na Defesa do Consumidor

Verônica Jançanti

A regra geral sobre a divisão do ônus da prova entre litigantes encontra-se insculpida no artigo 333 do Código de Processo Civil. Tal previsão tem o escopo de estabelecer igualdade entre os litigantes, uma verdadeira paridade de armas, no que se refere à produção de provas durante o processo, bem como na formação do convencimento do juiz.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Atualizado em 28 de abril de 2011 11:18

A inversão na Defesa do Consumidor

Verônica Jançanti*

A regra geral sobre a divisão do ônus da prova entre litigantes encontra-se insculpida no artigo 333 do Código de Processo Civil (clique aqui). Tal previsão tem o escopo de estabelecer igualdade entre os litigantes, uma verdadeira paridade de armas, no que se refere à produção de provas durante o processo, bem como na formação do convencimento do juiz, sendo que em nosso ordenamento jurídico o sistema probatório dominante segue a regra de que cabe ao autor da ação o ônus da prova do direito que alega possuir, ou seja, o ônus de sua comprovação em Juízo. Ao réu, por sua vez, é relegado o papel de demonstrar em Juízo os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Nos litígios de relações de consumo o legislador acabou por restringir a regra do artigo 333 do CPC, em razão da presunção da desvantagem do consumidor frente o fornecedor - a chamada hipossuficiência. Neste sentido, através do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui), possibilitou o legislador a facilitação dos meios de prova ao consumidor hipossuficiente, inclusive com a inversão do ônus da prova, razão pela qual delegou à parte contrária, fornecedor, todos os ônus das provas que acabem por afastar o direito que o autor-consumidor alega possuir frente o fornecedor. Na verdade, incumbe à empresa fornecedora demandada provar fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do consumidor, o que na prática acaba por transferir ao fornecedor a obrigação de desfazer a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo consumidor, uma vez que tal presunção é relativa, admitindo-se prova em contrário.

Ultrapassada a questão da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, posto que este assunto encontra-se pacífico na jurisprudência, surge a questão: o consumidor está obrigado ao custeio da prova pericial quando esta foi por ele requerida e/ou determinada pelo Juízo? As despesas com a produção de provas encontram previsão no artigo 19 do CPC, sendo obrigação das partes o custeio destas, uma vez requeridas ou determinadas pelo juiz, regra esta que mais uma vez é invertida quando se trata de relações de consumo. O consumidor, se considerado hipossuficiente economicamente, além de não estar obrigado a produzir as provas que comprovam seu direito, também está dispensado dos gastos de sua produção. Nestas situações, se a prova não pode ser realizada gratuitamente, o fornecedor deverá suportar estes custos, contrariando o disposto no artigo 33 do CPC.

O artigo mencionado deixa claro que as despesas devem ser pagas por quem vier a requerer a produção da perícia e mais, se requerida por ambas as partes ou determinada pelo juiz, o autor é quem deverá suportá-las. Num primeiro momento, a posição dos Tribunais Superiores, mais precisamente o STJ, era de que uma vez invertido o ônus da prova, a parte contrária, fornecedor, efetivamente era quem deveria suportar as despesas da produção da prova pericial. Em recente mudança de posicionamento, o STJ passou a entender a questão de outra forma, explicitando que inversão do ônus da prova não acarreta a inversão do ônus do custeio de sua produção quando requerida pelo consumidor: Ocorre que nestes mesmos precedentes nosso Superior Tribunal deixou claro que caso o fornecedor opte por não arcar com as custas inerentes à produção da prova postulada pelo consumidor, estará ele sujeito às penalidades da não produção destas provas, ante a presunção de veracidade, mesmo que relativa, dos fatos alegados pelo consumidor.

Se o fornecedor não está obrigado a custear as provas requeridas pelo consumidor, por outro será ele quem sofrerá consequências da não produção, ante a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo consumidor hipossuficiente em razão da inversão do ônus da prova. Trata-se de verdadeira inversão indireta do ônus sobre o custeio da prova, uma vez que ao fornecedor não restará outra opção que a de, em situações análogas, arcar com os custos das provas pretendidas pelo consumidor hipossuficiente e/ou que venham a ser determinadas pelo Juízo. Tal inversão indireta do ônus sobre os custeios da prova, em nosso ponto de vista, configura ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, já que impõem ao fornecedor litigante a obrigação de custear a prova pretendida pelo consumidor e/ou mesmo pelo Juízo. Pela lógica deveria haver exceção à regra da presunção relativa que beneficia o consumidor para que, obedecidos os ditames, não sofra o fornecedor as consequências decorrentes da ausência de produção de provas necessárias cujos custos tenha se negado o consumidor a arcar.

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*Advogada associada do escritório Sevilha, Andrade, Arruda Advogados

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