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O tempo do processo penal

Roberto Soares Garcia

Em 2000, Pimenta Neves matou Sandra Gomide; em 2006, foi condenado pelo júri; em 2011, depois de julgados todos os recursos, entregou-se para cumprir pena. Surgiu, então, ante a demora para a definição do caso, opinião que brada por modificações processuais, pois "justiça atrasada não é justiça".

terça-feira, 28 de junho de 2011

Atualizado em 21 de junho de 2011 16:51

O tempo do processo penal

Roberto Soares Garcia*

Em 2000, Pimenta Neves matou Sandra Gomide; em 2006, foi condenado pelo júri; em 2011, depois de julgados todos os recursos, entregou-se para cumprir pena. Surgiu, então, ante a demora para a definição do caso, opinião que brada por modificações processuais, pois "justiça atrasada não é justiça". Na posição de observador, penso que o que se destila do caso, ao contrário do que reza a voz corrente, não serve a amparar grita por modificações no processo penal brasileiro.

Esclareça-se inicialmente que a expressão "justiça atrasada não é justiça" não possui, na origem, o sentido que se lhe atribui. Encontra-se a frase na "Oração aos Moços", escrito de Rui Barbosa dirigido aos formandos de 1921 da Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco. O famoso trecho adverte os bacharelandos sobre o mal que causam aos litigantes juízes que atrasam seu trabalho por vagabundice. A bela construção, por não trazer na raiz relação entre o tempo do processo e a (in)justiça da atuação final do Direito, mostra-se inadequada como argumento de autoridade em favor da tese de que a demora processual promove sempre injustiça. O que faz mal são os "juízes tardinheiros", dizia Rui, não os jurisdicionados que se valem de recursos em busca de justiça.

Pimenta não saiu impune pela morte de Sandra. Sua conduta foi descoberta na primeira hora e ele foi processado pelos graves fatos. Enquanto se percebeu que havia algum risco para a efetividade do processo, o Judiciário o manteve preso cautelarmente. Tendo o Tribunal entendido que não estavam mais presentes razões para a manutenção da prisão preventiva, determinou a soltura do réu, até que chegasse a hora de se responderem as seguintes questões: o acusado foi responsável pela morte de Sandra? Deverá ser punido? Qual será o tamanho de pena a se lhe aplicar? No final do procedimento, Pimenta acabou condenado a 15 anos de prisão.

É característica de países civilizados que todos, até os manifestamente culpados aos olhos do leigo em Direito, têm direito à ampla defesa. Esta se exerce de várias formas, inclusive por meio de recursos, que são destinados a evitar que se pratique ou que se perpetue eventual erro na apreciação de fato ou na aplicação do Direito. Em país organizado como Estado Democrático de Direito, a aplicação da pena somente se dá quando se esgotam os recursos previstos na lei, para que se evite que se puna quem se possa reconhecer, ainda que na última hora, desmerecedor de punição. É dessa complicada engrenagem que se extrai a legitimidade na atuação do Poder Judiciário. Se não fosse assim, a punição penal representaria mero arbítrio.

Estamos mais seguros por seguirmos sob ordenamento jurídico que admite diversas possibilidades recursais prévias à efetivação do castigo, ainda que custe tempo até que se dê o início do cumprimento da punição. Trata-se de preço modesto a pagar por vivermos em ambiente respeitador de direitos de cidadania, já que, amanhã, se nos virmos acusados de crime, teremos oportunidades para tentar fazer valer argumentos em nosso favor antes de sermos punidos.

Não me aventuro a aquilatar se a punição aplicada a Pimenta é justa, nem a fazer considerações sobre seu processo, o qual não conheço. Mas não tenho nenhum receio em afirmar que o lapso decorrido foi apenas o tempo necessário ao remate do caso, e não significa nada mais.

Encerro com a certeza de que a "demora" para o fim do "caso Pimenta Neves" não pode servir à clama por mudanças que visem a encurtar o processo penal pela exclusão de recursos ou pela autorização de início de cumprimento de pena antes que se esgotem todas as possibilidades de revisão da condenação. Porque a função primordial do Poder Judiciário há de ser a aplicação correta da Constituição e das leis, a celeridade não deve ser privilegiada a qualquer custo. É melhor decisão justa, ainda que tardia, do que resposta célere que, pela pressa em punir, deixe no ar fumaça de injustiça.

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*Advogado criminal e professor do curso de pós-graduação da Direito GV

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