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Patentes verdes: amadurecendo a ideia

Conheça as formas de incentivo ao processo de patenteamento das tecnologias voltadas ao desenvolvimento sustentável.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Atualizado em 4 de agosto de 2011 11:37

Patentes verdes: amadurecendo a ideia

Márcio Mello Chaves*

I) As tecnologias sustentáveis das patentes verdes

Uma patente pode ser definida como o direito de exploração temporário de uma invenção ou modelo de utilidade concedido ao seu inventor pelo Estado como forma de incentivar o desenvolvimento das tecnologias e das ciências. Esse direito encontra amparo em nossa Constituição da República1 e é a fonte de proteção para todas as tecnologias permitidas pela Lei Federal que a rege2.

No Brasil, as patentes garantem ao seu detentor o direito de exploração econômica exclusiva pelo prazo de 20 (vinte) ou 15 (quinze) anos3 contados da data de depósito do pedido, sendo assegurado um mínimo de 10 (dez) ou 07 (sete) anos4 a partir de sua concessão.

Via de regra, as normas que regem a propriedade industrial definem que são patenteáveis as invenções que (i) preencham o requisito da novidade; (ii) que sejam providas de uma atividade inventiva e (iii) que possuam aplicação industrial.

Isso significa que, para serem protegidos por patentes, os inventos devem ser (a) novos, ou seja, não compreendidos no estado da técnica (tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente); (b) não decorrerem de maneira evidente do atual estado da técnica, assim entendido por um técnico no assunto; e (c) que possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.

Assim, aplicando-se este conceito e os requisitos estabelecidos por lei às invenções e modelos de utilidade criados tendo como foco o desenvolvimento sustentável, chegamos ao objeto deste estudo, que são as "patentes verdes".

II) Do desenvolvimento industrial ao desenvolvimento sustentável

Ao longo dos últimos três séculos, a humanidade tem observado o avanço em sua capacidade de intervir negativamente5 no ambiente, decorrente do desenvolvimento tecnológico e industrial.

O desordenado anseio pelo desenvolvimento industrial, com o emprego massivo de tecnologias que não vislumbravam qualquer tipo de preocupação com os preceitos de desenvolvimento sustentável, resultou na crescente demanda por recursos naturais e no aumento da emissão de poluentes em todas as suas formas.

Tendo como foco, pois, a preocupação com esses impactos, e objetivando o desenvolvimento sustentável, vários são os exemplos de tecnologias que foram criadas e desenvolvidas para esse fim: geração de energia a partir de resíduos (waste-to-energy); conversores de plástico em petróleo; rodovias solares; automóveis movidos a ar; fazendas verticais, etc. Estes são apenas alguns dos inventos que têm fomentado calorosas discussões entre quem apoia e quem desaprova as chamadas "patentes verdes".

O centro desta polêmica reside no fato de inúmeros escritórios de patentes ao redor do mundo, atentos à tendência mundial de estímulo ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, criarem formas de incentivar e facilitar o processo de patenteamento dessas tecnologias.

Embora a finalidade dos inventos verdes notoriamente seja a proteção do meio ambiente - algo que, segundo o consenso geral, não pode esperar - o processo rápido e simplificado para a concessão de patentes de tecnologias verdes tem gerado discussões acerca do aparente conflito de dois bens juridicamente tutelados: desenvolvimento tecnológico versus meio ambiente.

III) Estímulo à criação versus proteção ao meio ambiente

Com a finalidade de incentivar a criação de inventos que têm o objetivo de reduzir os impactos causados ao meio ambiente, escritórios de registros de patentes de vários países do mundo, como já mencionado, têm adotado procedimentos, conhecidos como fast-track ou "pista rápida", que visam acelerar a análise dos pedidos de patentes verdes. A adoção de tais procedimentos mais céleres tem o intuito de estimular a criação das tecnologias verdes, mediante a concessão das patentes em períodos substancialmente menores, agilizando a oferta desses inventos ao mercado de consumo.

O órgão responsável pelas patentes americanas (USPTO), por exemplo, reduziu de 40 (quarenta) para 12 (doze) meses o tempo de análise e concessão das patentes verdes, mas limitado aos primeiros 3.000 (três mil) pedidos protocolados. No Reino Unido, o decréscimo temporal oferecido para esse tipo de inovação é ainda maior: de 32 (trinta e dois) meses para apenas 8 (oito) meses.

No Brasil, apesar de inexistir até a presente data previsão de procedimentos similares, merece destaque o acordo de cooperação entre o INPI e o KIPO (escritório sul-coreano de propriedade intelectual), que tem como um de seus principais pontos o estudo de um fast-track para a análise de patentes verdes.

Sob esse prisma, há ainda de ser observado que a proteção ao direito de exploração exclusiva das patentes verdes, além de uma forma de incentivar a aparição de novas inovações nesse ramo, tem como objetivo a recuperação dos geralmente altíssimos investimentos envolvidos em seu desenvolvimento.

De outro lado, tem-se a preocupação com o acesso aos inventos em prol de toda a humanidade. A explicação parece simples: a proteção ao meio ambiente constitucionalmente garantida6 é benéfica para a humanidade como um todo e, portanto, não poderia ficar restrita ao pagamento pelo uso ao inventor ou à espera pela entrada do invento em domínio público7.

Apesar de garantir a exclusividade na exploração econômica pelos criadores dos inventos verdes patenteados, alguns casos são passíveis de uso independentemente de autorização de seus detentores8.

É o caso das licenças compulsórias concedidas pelo Poder Público9 nos casos de interesse público, dentre os quais se insere a proteção ao meio ambiente10.

Desta feita, a fim de viabilizar a proteção ao meio ambiente, os Estados poderão licenciar compulsoriamente as invenções patenteadas, bem como utilizar essas tecnologias em países em desenvolvimento, o que a princípio criaria um aparente conflito de direitos a serem protegidos: a proteção ao direito de exploração econômico advindo da patente versus a proteção ao meio ambiente.

Apesar da aparente possibilidade de conflito entre o direito de proteção ao meio ambiente com o direito à exploração econômica exclusiva pelo detentor da patente, não é possível corroborar com o entendimento de que um posicionamento inviabilizaria o outro.

A proteção à exploração exclusiva da patente e as ferramentas previstas na legislação garantem a coexistência entre esses dois interesses, uma vez que a própria natureza do ato de concessão da licença compulsória garante a remuneração do titular da patente e, ao mesmo tempo, garante o acesso ao invento a todos que dele se beneficiarão com a aplicação dessas tecnologias sustentáveis.

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1 CF/88, art. 5º, inc. XXIX: "a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".

2 Lei Federal 9.279, de 14 de maio de 1996, também conhecida como Código da Propriedade Industrial (clique aqui).

3 Lei Federal 9.279/96, art. 40.

4 Lei Federal 9.279/96, art. 40, parágrafo único.

5 A gama de agressões que o planeta sofre é cada vez mais expressiva: desertificações, buracos na camada de ozônio, contaminações e poluições que resultam na degradação dos oceanos e rios e na falta de água potável, na extinção de espécies e em mudanças climáticas, entre vários outros impactos ambientais.

6 CF/88, art. 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

7 A extinção da patente (pela expiração de seu prazo de vigência, por exemplo), torna-a de domínio público e, portanto, de livre utilização os inventos por ela protegidos.

8 A Lei Federal 9.279/96 define sete hipóteses de licenciamento compulsório: (i) abuso no exercício dos direitos dela decorrentes ou abuso de poder econômico por meio dela; (ii) a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado; (iii) ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra; (iv) o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; (v) o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior; (vi) nos casos de emergência nacional e (vii) de interesse público.

9 Lei Federal 9.279/96, art. 71.

10 Regulamentando o uso das licenças compulsórias, o decreto 3.201, de 6 de outubro de 1999, define o interesse público em seu art. 2º, § 2º: "Consideram-se de interesse público os fatos relacionados, dentre outros, à saúde pública, à nutrição, à defesa do meio ambiente, bem como aqueles de primordial importância para o desenvolvimento tecnológico ou sócio-econômico do País".

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*Advogado do escritório Almeida Advogados

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