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O Regime Diferenciado de Contratações Públicas para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016

Confira a análise sobre as hipóteses de aplicação do regime e aspectos como a contratação integrada, a inversão de fases na licitação e o contrato de eficiência.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Atualizado em 17 de agosto de 2011 12:01

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016

Rodrigo da Fonseca Chauvet*

Por meio da lei 12.462 (clique aqui), de 5 de agosto de 2011, instituiu-se o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). O novo regime foi criado com o objetivo principal de viabilizar, em tempo hábil, a implementação da infraestrutura necessária para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. No presente artigo serão apresentadas as hipóteses de aplicação do regime, além de seus principais aspectos, como a contratação integrada, a inversão de fases na licitação e o contrato de eficiência. Abordaremos ainda os pontos que já nasceram controvertidos, como a dispensa de apresentação de projeto básico pelo ente licitante, caso adotada a contratação integrada, bem como o sigilo do orçamento.

Um primeiro ponto a ser analisado consiste na avaliação das hipóteses nas quais poderá o administrador público utilizar o RDC. Conforme disposto no artigo 1º da lei 12.462/11, o regime poderá ser adotado nas licitações e contratos necessários à realização: a) dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes na Carteira de Projetos Olímpicos definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); b) da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, àquelas constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e municípios e; c) de obras de infraestrutura e serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350km das cidades sede dos referidos eventos.

Para a total compreensão das hipóteses de aplicação, importante avaliar em que consiste a mencionada Carteira de Projetos Olímpicos, bem como a referida matriz de responsabilidades. Tratando da primeira delas, tem-se que, com a eleição do município do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a União, o Estado e o município do Rio de Janeiro formalizaram um Protocolo de Intenções, convertido na lei 12.396 (clique aqui), de 21 de março de 2011. Seu objetivo básico consistiu na criação da Autoridade Pública Olímpica (APO), autarquia especial responsável pela aprovação da Carteira de Projetos Olímpicos, definida como o "conjunto de obras e serviços selecionados pela APO como essenciais à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016".1 Assim, as obras e serviços constantes na Carteira de Projetos Olímpicos poderão ser submetidos ao novo regime.

A matriz de responsabilidades, por sua vez, é definida como o "documento vinculante que estipula as obrigações de cada um dos seus signatários para com a organização e realização dos Jogos".2 Em tal documento, portanto, firmado pela União, Estados e municípios que sediarão jogos da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014, foram elencados as obras e os serviços necessários à realização dos eventos3 e que também poderão ser contratados a partir da utilização do RDC.

Superadas as hipóteses de aplicação de novo regime, necessário se faz a abordagem de suas principais características. Uma novidade do RDC é a denominada contratação integrada4 que, conforme definição contida no artigo 9º, §1º, da lei 12.462/11, "compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução das obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto".

Seguindo a linha da agilidade do RDC (afinal de contas, estamos cada vez mais perto da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e muito se tem falado sobre o atraso nas obras5), a empresa contratada atuará em todas as etapas da obra ou da prestação dos serviços, incluindo a elaboração do projeto básico6, ponto que tem gerado grandes debates.

Isso porque, no modelo tradicional, regido pela lei 8.666/93 (clique aqui), a própria Administração Pública é responsável pela elaboração do Projeto Básico. Infere-se da sua própria denominação tratar-se de um projeto que fixa todas as características da obra ou serviço, permitindo uma exata definição do objeto da licitação e da finalidade a ser atingida pela Administração Pública com a execução da obra ou serviço. A despeito da validade do argumento segundo o qual a iniciativa privada poderá elaborar com maior eficiência e qualidade o referido projeto, a ausência de sua apresentação pela Administração Pública pode dificultar o julgamento objetivo da licitação, diante da falta de um objeto claro a ser licitado.

Necessário elucidar apenas que o RDC prevê, em substituição ao aludido projeto básico, a apresentação, pelo ente licitante, de um "anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço (...)".7 Argumenta-se, entretanto, que o anteprojeto, mais simples e menos detalhista, dificultará, como já exposto, a definição do real objeto da licitação e poderá atrapalhar o julgamento do certame com base em projetos básicos distintos elaborados pelos próprios licitantes.

Um ponto que tem acirrado ânimos nas discussões relativas ao RDC se refere ao orçamento previsto para a contratação. Isso porque é permitido à Administração a manutenção do orçamento em sigilo até o encerramento da licitação, ressalvando-se o livre acesso às informações, a qualquer tempo, pelos órgãos de controle.

Fugindo de uma avaliação maniqueísta, é possível enxergar prós e contras com a medida. Por um lado, argumenta-se que a parcial ocultação do orçamento pode favorecer licitantes que, ilegalmente, tenham acesso aos valores que pretende a Administração Pública dispor com a contratação. Por outro, a não divulgação do orçamento pode conceder à Administração Pública maior poder de negociação, já que nenhum licitante saberá, a priori, o valor que estará o Poder Público disposto a pagar pelo trabalho, reduzindo-se, em tese, o valor das propostas.

Outro aspecto a ser analisado, e que também está diretamente relacionado ao escopo do novo regime de acelerar as contratações, consiste na inversão de fases na licitação, com a postergação, como regra, da fase de habilitação, mecanismo já previsto na lei 10.520/028 (clique aqui). Neste modelo, apenas o licitante que apresentar a melhor proposta terá a documentação de habilitação exigida no edital avaliada. Tal fato reduz o tempo de exame dos documentos, bem como minimiza as chances de discussões judiciais relativas à habilitação se comparado ao regime tradicional, no qual a documentação de todos os participantes do certame é analisada antes da abertura das propostas.

Uma última característica a ser abordada se refere ao contrato de eficiência previsto no RDC. Em síntese, será celebrado o referido contrato quando adotado o critério de julgamento maior retorno econômico, previsto no artigo 18, inciso V, da lei 12.462/11. Seu objetivo é proporcionar maior economia para a Administração Pública decorrente da execução do contrato, com a redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base em um percentual da economia gerada.

Esses, portanto, são alguns aspectos de relevância do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, que demandarão a atuação firme do Judiciário, exigindo atenção e preparo do setor privado envolvido na cadeia de projetos relativos à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

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1 Lei 12.396, de 21 de março de 2011, anexo, cláusula 3º, inciso VII.

2 Lei 12.396, de 21 de março de 2011, anexo, cláusula 3º, inciso IV.

3 A lista das obras e serviços relacionados à matriz de responsabilidades pode ser consultada no site: https://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/matriz/

4 Além da contratação integrada, a lei 12.462/2011 prevê, em seu artigo 8º, as seguintes formas de contratação: empreitada por preço unitário, empreitada por preço global, contratação por tarefa e empreitada integral.

5 Sobre o tema é valida a consulta da Reportagem da Revista Veja, cujo título é Corrida contra o tempo, de autoria de Jonas Oliveira, datada de 27/7/2011, p. 31/42.

6 No novo regime (lei 12.462/2011), o projeto básico é definido, no artigo 2º, inciso IV, como o "conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para, observado o disposto no parágrafo único deste artigo: a) caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares; b) assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento; e c) possibilitar a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução." Necessário ter em mente que, de acordo com a lei 8.666/93, faculta-se à Administração Pública estabelecer que o licitante será responsável somente pela elaboração do projeto executivo, devendo, em todo o caso, ser o Projeto Básico de responsabilidade da Administração Pública.

7 Lei 12.462/2011, artigo 9º, §2º, inciso I.

8 A lei 10.520, de 17 de julho de 2002, dispõe sobre o Pregão, modalidade de licitação utilizada para a compra de bens e serviços comuns, definidos como aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados, em São Paulo/SP

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