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Para ninguém

Baseado nas fotografias em que os acusados da Operação Voucher aparecem sem camisa, segurando uma placa de identificação, o autor discute os direitos constitucionais do preso.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Atualizado em 19 de agosto de 2011 09:00

Para ninguém

Edson Vidigal*

A igualdade de todos em obrigações e direitos perante a lei é o princípio basilar da República. Nada disso funciona se o Estado não é democrático nem de direito.

Depois do autoritarismo militar, as liberdades públicas e as garantias individuais chutadas para escanteio, o Estado dono de tudo - a exceção predominando, a oposição consentida ou silenciada ou cassada ou presa ou torturada ou exilada ou sumida para nunca mais, pactuamos depois de uma anistia ampla, geral e irrestrita, uma transição para a democracia.

Daí, a Constituição da República Federativa do Brasil que todos os agentes públicos, e os cidadãos em geral, deveriam ler todos os dias como os que com fé religiosa lêem a Bíblia e, apreendendo seus ensinamentos, os defendem e os praticam.

É Princípio Fundamental do Estado Democrático de Direito, por exemplo, a dignidade da pessoa humana. Entre os Direitos e Garantias Fundamentais está o de que ninguém será submetido à tortura nem à tratamento desumano ou degradante.

O tratamento desumano ou degradante é, na maioria dos casos, um dissimulador da tortura. O tratamento degradante é uma tortura mais requintada, sem arranhões físicos, mas com prolongadas ou intermináveis lesões psicológicas.

E assim compreendendo, a Constituição assegura aos presos o respeito não só à sua integridade física, mas também à sua integridade moral. Adiante diz que a pessoa civilmente identificada não será submetida à identificação criminal.

Isto tudo para acabar com aquelas situações horrorosas a que eram submetidos os presos sendo constrangidos a lambregarem os dedos em tintas pretas e os esfregarem em fichas e a posarem para aquelas fotos ridículas, num ambiente hostil num clima de propositais humilhações.

Há exceções, sim, excepcionalíssimas, para identificação criminal do preso que já tenha sido antes identificado civilmente.

A polícia só pode proceder à nova identificação do preso se o seu documento de identidade apresentar rasura ou indício de falsificação. Se documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado. Se o indiciado portar documentos distintos, com informações conflitantes entre si.

Os presos que foram levados para o Amapá, dentre os quais um ex-deputado Federal e um Secretário Executivo do Ministério do atual Governo da Presidente Dilma, não se enquadravam em nenhuma dessas hipóteses.

As fotos a que foram obrigados, posando seminus, eles próprios segurando cartazes em que se autoacusam dos delitos que apesar da fase ainda investigatória já lhe são imputados, essas fotos falam por si e carregam forte denúncia de escancarada violação dos direitos constitucionais dessas pessoas.

Os presos que aparecem nessas fotografias policiais, sob o pretexto de que se tratava de identificação criminal, na verdade, foram vítimas do autoritarismo do Estado nacional brasileiro, em claras ofensas à Constituição da República Federativa do Brasil.

Ninguém será submetido a tratamento degradante e eles o foram. É assegurado ao preso o respeito à sua integridade moral. E eles foram ofendidos em sua integridade moral.

O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal. E eles o foram, mesmo sendo público e notório não haver qualquer dúvida quanto à identidade de cada um.

Houvesse alguma dúvida quanto à identidade civil de cada um deles como é então que foram cumpridos um a um, em todos os endereços indicados, os mandados de prisão?

Isso vai resultar num festival de ações por danos morais e abusos de poder contra a União Federal e nós, contribuintes, é quem iremos como sempre pagar a conta.

A lei tem que ser para todos, sim. Os abusos em nome da lei, não. Para ninguém.

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*Ex-Presidente do STJ e professor de Direito na UFMA


 

 

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