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De senectude

O cronista questiona o que seria do presente sem as histórias dos antepassados para encher a alma de orgulho e as inspirações de bons exemplos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Atualizado em 17 de outubro de 2011 12:46

Edson Vidigal

De senectude

Estar velho não quer dizer estar imprestável. Ao contrário, estar velho ou haver alcançado os quase últimos degraus da idade, o que Sartre acertadamente chamava de a idade da razão, pode ser uma benção para a contemporaneidade.

Afinal, o que seria do presente se não tivessem as boas histórias dos nossos antepassados a nos encherem a alma de orgulho e as nossas inspirações de bons exemplos?

Fazemos questão de buscar nos baús esquecidos nos desvãos da memória os bons feitos, nunca os defeitos, daqueles que antes de nós carregaram com honra o peso de um legado ou quando menos de um sobrenome.

Os feitos de monarcas, guerreiros, cientistas, déspotas, gângsteres, ladravazes ou de estelionatários de todo o gênero, no geral, não se confundem porque, como ensinava o Cristo, se pelos frutos conhecereis as árvores pelos bons ou mal resultados saberemos quem foi o autor da ação.

As más ações, aquelas de inspirações mal pensadas e de resultados infelizes são geralmente atribuídas, segundo a maior parte dos registros da história, mais à imprudência típica dos jovens do que à cautela segura típica da experiência das pessoas mais maduras.

Tancredo, nosso primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar, parecia até gostar quando, na campanha, lhe provocavam querendo saber se, já tendo passado 70 anos, não se achava um tanto velhinho para os desafios da redemocratização do país.

Tancredo adorava lembrar que Nero aos 30 anos de idade tocou fogo em Roma e que Adenauer quase chegando aos 80 anos recuperou a Alemanha dos escombros da Segunda Guerra Mundial.

É raro encontrar nos exemplos da história do mundo ou mesmo nas vitrines da política antiga do Brasil um velho safado, alguém que sempre se aproveitando de tudo, até mesmo da própria senectude, chantageando a emoção dos poderosos, nem se importando que as suas intermediações escabrosas, espancando a ética, atirando na moral e atropelando os bons costumes, resvale em mal feitos contra o Povo em geral, em ofensas graves capazes de reduzir a credibilidade da República e em maus exemplos às novas gerações.

Estas reflexões que me vem agora a propósito de um cidadão chamado José Guimarães Neiva Moreira, o Neiva, Secretário-Geral da Frente Parlamentar Nacionalista na Câmara dos Deputados em Brasília. O Neiva Moreira, líder das Oposições Coligadas contra o caciquismo político no Maranhão entre as décadas de 50 e 60, quando o conheci, eu adolescente na militância da política estudantil e começando a me viciar em redação de jornal e nas questões de Direito.

O prédio do Jornal do Povo num sobradão de azulejos na Rua da Paz foi incendiado nos primeiros dias da ditadura militar. O Neiva, dono do jornal, foi cassado e preso, depois exilado.

Passou 10 anos exilado peregrinando por países como a Bolívia, Peru, Chile e México. Com Brizola e Darci, Julião e Doutel, dentre outros, fundou o PDT. A primeira escala do Neiva na volta do exílio foi S. Luís do Maranhão, onde mora até hoje.

Esta semana é de festejos pelos seus 94 anos de idade. Quase um século de lucidez e coerência com a sua história de vida. E de respeito com a própria biografia. Não é um retrógrado. O Neiva soube compreender as mudanças do mundo. E por sua probidade e decência o mundo local inteiro lhe devota respeito e carinho.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA


 

 

 

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