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A constitucionalidade do exame de Ordem

O advogado ressalta a importância social de se selecionar bacharéis que estejam minimamente qualificados a exercer a advocacia e sustentar uma instituição fundamental à Justiça como a OAB.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Atualizado em 9 de novembro de 2011 16:21

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

A constitucionalidade do exame de Ordem

O STF foi acionado e apreciou uma questão fundamental à sociedade brasileira. Trata-se de um embate acerca da constitucionalidade do artigo 8º, parágrafo 1º, da lei 8.906/94 (clique aqui) e dos Provimentos 81/96 e 109/05, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que condicionam o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de ordem. Toda decisão proferida pela Corte Maior sempre carrega consigo um modelo a ser seguido, em razão de sua validade erga omnes. NAST, citado por Maximiliano, afirma que "a jurisprudência tem, na atualidade, três funções muito nítidas, que se desenvolvem lentamente: uma função um tanto automática de aplicar a lei; uma função de adaptação, consistente em por a lei em harmonia com as ideias contemporâneas e as necessidades modernas; e uma função criadora, destinada a preencher as lacunas da lei".1

A questão chegou até o STF pelo Recurso Extraordinário 603.583 (clique aqui), impetrado por um inconformado bacharel em Direito que acreditava ser referida prova inconstitucional, por violar os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e do Livre Exercício das Profissões, além de outros.

Inicialmente, há que se considerar o disposto no artigo 22, XVI, CF/88 (clique aqui), o qual atribui competência privativa à União para legislar sobre "sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões".

Com efeito, tal atribuição se dá em virtude da norma trazida pelo Constituinte no artigo 5º, XIII, da Carta Magna, que foi objeto de apreciação pelo Supremo: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (grifo nosso).

Temos, então, que o exercício de qualquer profissão é livre, salvo se houver uma lei que traga restrições intimamente conectadas às qualificações que o trabalho, ofício ou profissão demandarem. Logo, estamos diante de uma norma de eficácia contida: tem aplicabilidade imediata, porém pode ser restringida pelo legislador infraconstitucional.

Desta feita destaca-se a lei 8.906/94 - lei Federal, aprovada nos exatos termos do processo legislativo constitucional, e que vem regulamentar exatamente o dispositivo do artigo 5º, XIII, CF/88.

Resta claro, então, que o legislador infraconstitucional atendeu exatamente ao comando "... que a lei estabelecer". Sob o prisma técnico, portanto, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade do Exame de Ordem, pois atende aos comandos constitucionais de forma precisa e fiel.

Não bastasse, a Suprema Corte também mencionou o fato de ser o exame de Ordem absolutamente fundamental para a sociedade, vez que seleciona bacharéis aptos para o exercício da advocacia. Com tal apontamento criou um figurino modelo para o exercício da advocacia: o bacharelado já não se basta por si só. É conditio sine qua non, para habilitar o candidato a se submeter ao exame. Somente após, logrando aprovação, é que estará legitimado para exercer a profissão.

Para o ministro Marco Aurélio, relator do caso, quando o exercício de determinada profissão transcende os interesses individuais e implica riscos para a coletividade, "cabe limitar o acesso à profissão em função do interesse coletivo".

No mais, citando o referido dispositivo do art. 5º, XIII, CF/88, afirma que o Constituinte limitou "as restrições de liberdade de profissão às exigências de qualificação profissional."

No mesmo sentido, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o Estatuto da Advocacia foi produzido de forma coerente com o que uma sociedade, em pleno Estado Democrático de Direito, espera da OAB e que, por isso, ele atende à disposição constitucional do art. 5, XIII, CF/88.

Seguindo o mesmo raciocínio, Ricardo Lewandowski mencionou que o artigo 44, II, do Estatuto da Ordem é claro ao atribuir à entidade a incumbência de "promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil."

Para Luiz Fux, o exame é a medida adequada ao fim a que se destina, já que "a aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade".

Celso de Mello, em voto, afirma que é licito ao Estado impor requisitos mínimos de capacidade que sejam condições para o exercício regular de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Os demais ministros acompanharam o voto do relator, também trazendo argumentações no mesmo sentido: devido à importância social de se selecionar bacharéis que estejam minimamente qualificados a exercer a profissão de advogado, é que se faz necessário o exame de Ordem.

Assim, o STF manteve o exame de Ordem com suas próprias características, posto ser essencial para se sustentar uma instituição fundamental à Justiça, qual seja, a OAB.

No mais, pode-se indagar se não seria o caso de outras profissões, deveras fundamentais para toda nossa sociedade, adotarem um exame para melhor selecionar os que acabam de ingressar no mercado de trabalho. Se a lei vale para um determinado grupo profissional, tanto pela simetria como pela isonomia, deve alcançar a todos os demais. O curso de Direito, por exemplo, para os alunos que têm como pretensão o concurso para alguns cargos, deverão, além do exame de Ordem, praticar atividades conexas com a advocacia pelo prazo de três anos. Se tudo correr satisfatoriamente pode-se alongar o curso para oito anos, período superior ao da própria Medicina.

De qualquer maneira, jamais se pode olvidar que somente mediante lei - em sentido formal - é que se torna aceitável tal restrição, pelos motivos já expostos.

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1 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 146.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, advogado e reitor da Unorp





 

 

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