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A Europa tem futuro?

Ao averiguar a raiz da atual crise do euro, o autor pontua que se erra ao basear a União Europeia na economia, quando seu fundamento deveria repousar na coesão política.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Atualizado em 23 de novembro de 2011 12:56

Gilberto de Mello Kujawski

A Europa tem futuro?

Depois do insistente boato sobre a "decadência do capitalismo", o lugar-comum mais frequente que se ouve diz respeito à "decadência" da Europa, dada como certa e indiscutível.

Quanto às dúvidas sobre o capitalismo, podemos repetir o que dizia o estadista inglês Winston Churchil a respeito da democracia: pode ser o pior dos regimes, só que não existe outro melhor.

A sobrevivência do capitalismo é explicada pela sua extraordinária capacidade de adaptar-se e mudar conforme as circunstâncias. Nas palavras de Delfim Netto, em recente artigo, aquela "demanda secular de substituir o capitalismo" não leva em conta que este é sempre diferente, "devido ao seu dinamismo interno".

A falação renovada e sempre desmentida da "decadência europeia" data, pelo menos, do fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Agora volta a todo vapor com a crise do euro abalando a economia dos países europeus, temendo-se que os problemas dos pequenos países, como a Grécia, afetem gravemente as economias maiores do continente.

É o bastante para que as Cassandras comecem seu grasnido ensurdecedor prenunciando o fim da Europa. O velho continente estaria caduco e esclerosado, a caminho de desaparecer historicamente, ameaçado pela China e até pelos emergentes. A obstinação em apregoar a liquidação da Europa é tão gritante e insistente, que no fundo adivinha-se uma torcida generalizada para que isso aconteça. Assim como se torce também pelo fim do capitalismo.

A falta de sentido histórico facilita a crença generalizada na decadência da Europa em consequência da crise do euro. É de se indagar desde quando o fenômeno da decadência de uma ou de um grupo de grandes potências pode ocorrer da noite para o dia, como obra de um terremoto ou um tsunami. A decadência de Roma levou três séculos para se consumar. Será que a civilização europeia, com sua idade milenar, pode efetivar-se em função de um simples tropeço na estabilidade da moeda comum, o euro?

É preciso levar em consideração que a raiz da crise do euro não reside na economia, e sim na política dos países que integram a União Europeia. O erro está em basear a UE na economia, quando seu fundamento deveria repousar na política. Salta aos olhos que uma economia supranacional pressupõe em seus alicerces uma política, um regime de poder, igualmente supranacional. Ora, a UE colocou o carro na frente dos bois. A economia europeia, interligada pela moeda comum, exige um arcabouço político igualmente comum, de feitio federalista. Se a política europeia, depois do euro, continua gravitando ao redor das políticas nacionais ou mesmo nacionalistas, está criada a condição para o fracasso da economia do euro, mas não o fracasso da civilização europeia.

Napoleão Bonaparte, que sempre enxergava à frente, já falava, em pleno século XIX, nos "Estados Unidos da Europa". Embora o nacionalismo pareça retomar força nas grandes potências europeias, alastra-se no subsolo do continente a crença de que sem a constituição de um poder europeu supranacional (sem a supressão dos Estados nacionais) a economia comum entre as nações do continente não tem condições de sobreviver.

Para sair da crise a "coesão fiscal" reclamada em oportuno artigo do embaixador Roberto Abdenur na Folha de S.Paulo (16/11/2011) é premissa necessária, mas não suficiente. Além da coesão fiscal, a Europa necessita para sobreviver de coesão política, fundada esta na coesão social e cultural de um continente que desde a Idade Média alimenta sua vida num substrato de valores idênticos, formados na convergência milenar da confraternização de corações e mentes, que fazem de seus artistas, santos, cientistas, filósofos e estadistas personalidades europeias, e não simplesmente nacionais, como Carlos Magno, São Francisco de Assis, Galileu, Descartes, Beethoven e Goethe.

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*Gilberto de Mello Kujawski é ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista



 

 

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