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Nelson e Jorge

Relembrando os mestres Nelson Rodrigues e Jorge Amado, que em suas obras retrataram a decomposição da sociedade e a moral e que, neste ano, comemoram-se seus centenários de nascimento, o advogado afirma que o STF tem a responsabilidade de homenagear os valores dos dramaturgos dentro do campo institucional.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Atualizado em 31 de janeiro de 2012 10:51

João Humberto Martorelli

Nelson e Jorge

Recentemente, na China, dois fatos chamaram a atenção do mundo. Um caminhão atropelou uma criança, uma menina, passando por cima dela uma segunda vez como que para puni-la por ter sido atropelada, o corpo na rua, esmagado, sangrando, as pessoas percorrendo o passeio com total indiferença, nenhum gesto de socorro, sequer de compaixão. O outro fato ocorreu em um reality show em que a moça, convidada pelo amantíssimo namorado para passear de bicicleta, respondeu que preferia chorar dentro de um carro de luxo.

Os dois fatos se tornaram símbolo da atual decomposição da sociedade chinesa. E a decomposição da sociedade foi a matéria-prima do mestre pernambucano da dramaturgia, Nelson Rodrigues, cujo centenário de nascimento se comemora neste ano de 2012. A tragédia da menininha chinesa lembra-me, sob ótica inversa e, em certa medida, paradoxalmente igual, O Beijo no Asfalto, na qual Nelson retrata um jovem acudindo um homem vítima de atropelamento e, ao perceber a morte iminente, compadecido, ajoelha-se e segura a cabeça do moribundo, beijando-a; no drama que se desenrola, o jovem solidário vem a ser, por aquele beijo no asfalto, acusado de homossexualismo.

Também não posso deixar de pensar em Alaíde (Vestido de Noiva) ante a tragicômica negativa ao convite de pedaladas amorosas. Nelson tinha isso, a percepção cosmopolita e atual da tragédia. E começamos o ano com tantas tragédias. A tragédia das águas em Campos, Nova Friburgo, Minas Gerais, as mortes de puro atavismo, quem morreu ano passado é o mesmo que morreu este ano, é a notícia amarfanhada pelo descaso, a correnteza antes levasse a vergonha nacional do que o filho desprendido desgraçadamente da mão firme, agora fraca, inerte, um membro desnecessário, da mãe desesperada.

A tragédia da burocracia, último refúgio do mau político. Todas as tragédias nacionais são de origem política, onde se supõe que tudo é permitido e natural. Outro autor que tem o centenário comemorado em 2012 é Jorge Amado, criador de Jubiabá e Antônio Balduíno, dois negros de postura distinta em face da discriminação e que no fim convergem em sua humanidade. O baiano é por vezes trágico também, sendo, contudo, cheio de graça na criação dos tipos femininos: Gabriela, ingênua e sensual, Tieta, a intrépida, a Dona Flor de dois maridos. 2012 terá tudo isso em pauta, revolvendo-se as tragédias, a discriminação e a graça das mulheres.

No campo institucional, será o ano em que o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a lei da ficha limpa, o mensalão e as cotas para ingresso nas universidades. A Corte tem a grande responsabilidade de moralizar a política e humanizar a sociedade, de suas decisões dependendo de forma importante a diminuição das tragédias e da discriminação. Ótima oportunidade para homenagear os dois centenários artistas.

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* João Humberto Martorelli é sócio do escritório Martorelli Advogados

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