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"O vigarista profissional sabe medir as distâncias para a abordagem e avaliar os espaços onde assediar com calma, sem sustos, sua próxima vitima", revela o cronista migalheiro sobre a venda de votos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Atualizado em 3 de fevereiro de 2012 12:37

Edson Vidigal

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Difícil encontrar um vigarista que não seja simpático, conversa inteligente, agradável, prestativo, solidário, geralmente bem educado. Aparentemente.

Se você baixa um pouco a guarda, quando menos espera ele já adentrou na sua intimidade e para ser intimo não significa necessariamente frequentar sua casa ou sua tenda de trabalho.

O vigarista profissional sabe medir as distancias para a abordagem e avaliar os espaços onde assediar com calma, sem sustos, sua próxima vitima.

Como um prestidigitador, desperta curiosidade, aguça e distrai. Você o acha engraçado e vai lhe dando confiança. Quando o seu bom humor escancara fácil o sorriso, reação natural à piada inteligente, eis chegado o marco da cumplicidade.

O Rio de Janeiro dos velhos tempos em que sediou a Corte na Monarquia e depois, na República, os Poderes da União Federal atraiu também para os seus espaços nobres, não só na politica, muitos vigaristas, vigaristas refinados, assépticos, bem vestidos, alguns até ligeiramente poliglotas e com alguma cultura, ainda que de almanaque.

Um querido amigo, contemporâneo daqueles tempos, me contou sobre uma dessas quão graciosas figuras, a qual acabou quase se enturmando no seu grupo, o qual nos fins de tarde se reunia no Golden Room do Copacabana Palace em happy hour, que em português quer dizer hora feliz.

O cavalheiro contava piadas de humor refinado, mostrava-se bem informado sobre as celebridades hospedadas no hotel e sobre importantes autoridades da República, em especial do Judiciário.

Na hora da conta, quase sempre salgada, o cavalheiro, se achando o bem enturmado, não se levantava fingindo ir ao bathrooms, que em português quer dizer banheiro. Era dos primeiros a sacar a carteira para entrar no rateio. Não havia ainda cartão de crédito.

Quase todos daquela roda eram jornalistas, dissimulando entretenimento, mas na verdade trabalhando. O Golden Room do Copa era o espaço onde muita coisa acontecia e onde era possível se saber de quase tudo. Um manancial.

Um dia alguém perguntou ao simpático cavalheiro, presença marcante naqueles fins de tarde, qual seu ramo de atividade, eis que aparentava viver muito bem, por conseguinte detentor de bom patrimônio, por conseguinte amealhando uma boa renda mensal.

Cravando mistério, o cavalheiro afinal revelou do que vivia. Era vendedor. Vendia voto de Ministros do Supremo. Passava as tardes assistindo aos julgamentos e com o tempo foi montando os perfis ao ponto de quase adivinhar como votaria esse ou aquele.

A segurança jurídica de então ancorada na previsibilidade decorrente da coerência rígida com que cada Ministro votava era o selo de qualidade na mercadoria sempre em alta entre as partes envolvidas nas grandes pendengas.

Daí que essa de empreiteiros no Maranhão comprarem lei estadual de segurança jurídica para os seus negócios me assusta muito como novidade.

Não teria havido aquela engenhosidade lenta e criativa, quase romântica, investindo silenciosamente no perfil e na previsibilidade de cada voto. A compra da maioria legisladora teria sido intermediada, insistem as denuncias, apenas por um. No atacado.

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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