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Privatização e concessão: um falso dilema

A adequada separação conceitual entre os dois instrumentos, embora necessária para aclarar o debate, acaba por mascarar um ponto relevante.

terça-feira, 27 de março de 2012

Atualizado em 26 de março de 2012 11:33

Privatização e concessão: um falso dilema

Floriano de Azevedo Marques Neto

Na esteira dos leilões dos aeroportos seguiu-se um debate em torno de se saber se concessão é ou não o mesmo que privatização. Descontadas as conveniências políticas e relevadas as dificuldades advindas das amarras ideológicas, é preciso ter clareza de cada conceito. Isso porque, enquanto concessão é um instrumento jurídico com conteúdo jurídico bem definido, o termo privatização é bem mais amplo, dúctil e variado de sentidos. Privatização pode ser ou não ser sinônimo de concessão. Concessão é a delegação ao particular da exploração de uma dada atividade ou bem (genericamente uma utilidade) de titularidade do poder público, por prazo determinado. O poder público, porém, segue titular (dono) deste bem ou atividade. Ao final do prazo, retorna a utilidade, podendo operá-la diretamente ou delegar novamente sua operação.

Portanto, se entendemos privatização como a retirada em definitivo do Estado de um dado setor ou atividade, então, privatização não se confunde com concessão. Se, porém, tomarmos privatização como o conjunto de mecanismos pelos quais o Estado convoca os privados para atuar em setores de responsabilidade do poder público, então, tratam-se concessão e privatização de sinônimos.

As concessões de rodovias nos anos 90 e, mais recentemente, no Governo Lula, foram privatização neste segundo sentido. Da mesma forma como foram os leilões dos aeroportos e do setor elétrico nos anos recentes.

Houve privatização sem que houvesse concessões. A alienação do controle dos bancos públicos foi privatização sem concessão, pois os bancos alienados não retornarão à União ou aos Estados e o setor financeiro não é reservado ao poder público, embora seja inteiramente regulado pelo Banco Central. O mesmo podemos dizer no caso da Vale e da Embraer. Ali privatizou-se no sentido de transferir em definitivo ao privado. O ganho público se deu pela eficiência do privado, que desenvolveu a economia e arrecadou quantias astronômicas em impostos.

Pode haver, de outro lado, concessão casada com venda de ativos (privatização no sentido de alienação). Foi o que ocorreu no setor de telecomunicações.

Lá tivemos concessões (transferência da exploração da telefonia fixa para empresas que se tornaram privadas, com prazo até 2025) combinadas com alienações (como ocorreu com as empresas estatais de telefonia móvel, por exemplo). Neste caso houve a retirada da União de segmentos das telecomunicações e, portanto, não se utilizou de concessões. Tais atividades são e seguirão sendo reguladas pela União, por meio da Anatel, mas a única atividade que segue sendo reservada ao poder público (mesmo assim sem exclusividade) é a telefonia fixa comutada. Justamente por isso, quando houve o leilão da privatização (no sentido de alienação) das empresas do Sistema Telebrás, todos os bens que não eram imprescindíveis à prestação da telefonia fixa, foram vendidos e não retornarão mais, nunca mais, para o patrimônio da União. Passaram, com o leilão, a ser patrimônio privado. Os terrenos, imóveis e veículos foram privatizados e, portanto, não pertencem mais à União. O que voltará para o poder público ao fim das concessões de telefonia fixa é, exclusivamente, o conjunto de equipamentos ou direitos necessários à continuidade da prestação daquele serviço. A sede administrativa, os imóveis ociosos, o automóvel da diretoria nunca mais serão públicos.

Porém, a adequada separação conceitual entre os dois instrumentos, embora necessária para aclarar o debate, acaba por mascarar um ponto relevante. Concessão ou privatização são ambos instrumentos importantes à disposição do Estado para, em setores específicos, contar com a participação do setor privado na consecução de finalidades públicas. Afinal, a única razão para o poder público ser titular de bens e de atividades a oferecer ao cidadão mais e melhores utilidades. Seja por meio de sua estrutura própria, seja com o concurso ou colaboração da iniciativa privada. Ao cidadão importa o que lhe é oferecido e não quem oferece ou em que regime jurídico tais utilidades lhe são oferecidas.

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* Floriano de Azevedo Marques Neto é sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, atua na área do Direito Administrativo e Regulatório

Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques

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