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Uma triste realidade do Supremo Tribunal Federal

Desde que chegou ao Supremo, o ministro Joaquim Barbosa criou desavenças contra vários ministros, faltando ao respeito devido aos seus colegas e usando da grosseria e da falta de educação como armas para atacá-los.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Atualizado às 07:43

Algum tempo atrás no ano de 2009, publiquei um artigo no nosso querido Migalhas sob o título "Reflexões sobre o Supremo Tribunal Federal" e, diante da entrevista do ministro Joaquim Barbosa no "O Globo" do último dia 19 de abril e pelos termos por ele usados, entendo de real pertinência voltar a repisar alguns aspectos importantes sobre a convivência dos Ministros de nossa Suprema Corte.

Rui Barbosa, no início do século XX, dirigindo-se ao Supremo Tribunal Federal, em sustentação oral, deixou a imorredoura exortação:

"Quisesse eu levantar os escarcéus políticos e não me dirigiria ao remanso deste Tribunal a este recanto de paz" e "aqui não podem entrar as paixões que tumultuam na alma humana; porque este lugar é o refúgio da Justiça".

De outra parte é da tradição do Supremo o tratamento respeitoso, educado e cortês entre seus Ministros, durante os debates travados no Plenário e nas sessões de suas Turmas.1

Sugestivo lembrar que na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, durante os debates, o tratamento utilizado por seus Ministros é o de "my Brother" e não "Vossa Excelência", simplesmente.

O espírito de educação, cortesia e generosidade reina em todas as Cortes Supremas de Justiça, por serem "recantos de paz" e "refúgio da Justiça".

Todavia, em passado recente, o ministro Joaquim Barbosa resolveu ser protagonista de fatos lamentáveis, quebrando essa antiga tradição. No dia 23 de abril de 2009, em idêntica atitude agora reiterada com o Presidente Cezar Peluso, "colocou em xeque a lisura do presidente da Corte à qual pertence, o fez também com relação à legitimidade das próprias decisões do tribunal. As acusações feitas por ele até hoje haviam sido contra seus pares de bancada, não contra a direção do tribunal" 2. Parece que atacar a "direção do Tribunal" não é nova para o referido ministro. Naquela oportunidade, chegou ao despropósito de se referir a "capangas mato-grossenses" comandados pelo ministro Gilmar Mendes e desafiou o Presidente a "sair às ruas" 3. Em duas outras ocasiões tomou atitudes surpreendentes. Em um julgamento acusou o Ministro Marco Aurélio "de fraudar distribuição de processos. Ainda neófito nos pormenores da Corte, só não foi punido porque o presidente à época, Nelson Jobim, pôs panos quentes no caso. Marco Aurélio não deixou barato. Entrou com representação na presidência e provou que não houve fraude, mas apenas a redistribuição de um processo cujo relator, Joaquim Barbosa, não estava em Brasília na sexta-feira à noite. Estabelecida a verdade, Marco Aurélio abriu mão da representação. Barbosa retratou-se" 4.

Em outro julgamento, o ministro Joaquim Barbosa, de forma descortês e injusta, acusou o ministro Eros Grau de defender a libertação de um réu, levando em conta a sua posição social. E estendeu sua descabida acusação aos demais ministros, insinuando que o Supremo Tribunal Federal julgava levando em conta a qualidade social das pessoas. Em suma, colocou em xeque a imparcialidade da Suprema Corte, obrigando o ministro Celso de Mello, como presidente da sessão, a ponderar, com toda a Justiça: "É preciso que fique claro que esta Suprema Corte não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou funcional".

O ministro Joaquim Barbosa - sempre ele - em debate travado a respeito de um determinado caso, acusou o ministro Gilmar Mendes de estar dando um "jeitinho" naquele julgamento.

Na entrevista ao jornal "O Globo" dirigiu seus ataques ao Presidente Ministro Cezar Peluso, eminente e consagrado Juiz de carreira em 44 anos de atividade ininterrupta, chegando ao despropósito, como já o fizera com o Presidente Ministro Gilmar Mendes, de colocar em xeque a sua atuação na presidência da Suprema Corte. Não parou aí. Desbragadamente atacou a pessoa do Ministro Peluso com termos que não se coadunam com a educação de berço, que é fundamental para o juiz. A boa educação ensina o juiz a portar-se com urbanidade, respeito e cordialidade, dentro e fora de seu local de trabalho.

Dias antes o Ministro Peluso, em entrevista ao Conjur, disse que o ministro Joaquim Barbosa era inseguro e "dono de temperamento difícil". O ministro Joaquim em tom duro, grosseiro, deseducado e sem qualquer estima pela verdade, atacou o Ministro Peluso dizendo tratar-se de um "brega", "ridículo", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno", além de haver "manipulado" resultados de julgamentos de acordo com seus interesses.

Disse mais: "As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas, quando se tratava de impor à força a sua vontade" 5. Em determinado momento diz que ele e o Ministro Peluso pertencem a "mundos diferentes", bastando "comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional", apostando que "Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots" (grupo norte-americano de rock e blues da década 1930/1940), "Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar". Posso afirmar, em sã consciência, que os Ministros vivem mundos diferentes. Não conheço o currículo do ministro Joaquim Barbosa, mas conheço o currículo e o percurso de "vida pessoal e profissional" do Ministro Peluso. Possui um vasto currículo de formação humanística e de sólida cultura jurídica e uma trajetória brilhante em 44 anos de Magistratura, galgando todos os degraus da carreira até chegar ao Supremo Tribunal Federal, sendo homem de educação de berço, cordial, gentil, atencioso e pode ser que não conheça o famoso grupo de rock da década de 1930/1940, mas conhece música erudita e popular. Em sua vida pessoal, de seu turno, conseguiu formar uma linda família e uma legião de amigos sinceros e leais, além de milhares de admiradores, eis porque o eminente Ministro Carlos Velloso disse ser muito difícil encontrar alguém que o substitua no Supremo Tribunal Federal. Em todos os cargos que exerceu, como Juiz e Professor, deixou a marca de sua inteligência privilegiada e o brilho de sua cultura humanística e jurídica. Não há dúvida, o Ministro Peluso pertence a um mundo, totalmente diferente do ministro Joaquim Barbosa. Sou Amigo do Ministro Peluso há 35 anos e posso dizer, em meus 50 anos dedicados de forma exclusiva ao Direito e a Justiça, que nunca presenciei qualquer ato de descortesia, de agressividade verbal, de insegurança, muito menos de indignidade capaz de levá-lo a praticar "manipulação" de resultados como alegado, olimpicamente e de forma leviana pelo ministro Joaquim. Aliás, o atual Presidente do Supremo ilustre Ministro Ayres Brito afirmou "ser logicamente impossível" a manipulação de resultados6.

Outra é a postura do Ministro Joaquim Barbosa. Desde sua chegada ao Supremo, criou desavenças contra vários Ministros da Corte Suprema, faltando ao respeito devido aos seus colegas e usando da grosseria e da falta de educação como armas para atacá-los.

No final da entrevista o ministro Joaquim Barbosa fala que sempre deu resposta na hora e dura, quando algum "engraçadinho" tomou certas liberdades, "achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto", mas "isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo". Retorna a preocupação sempre presente com o preconceito de cor7. Diz ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo, possivelmente escondidos nos quatro cantos do mundo...

Quando ataca o Ministro Peluso de "corporativista" porque sempre foi defensor da independência do Poder Judiciário e da Magistratura contra a atuação sem limites de um órgão administrativo e burocrático, qual seja o CNJ, o ministro Joaquim Barbosa se esquece que o inesquecível e notável Ministro Ribeiro da Costa, na presidência do Supremo, quando o Executivo, logo depois do Movimento Militar de 1964, procurava atingir o Poder Judiciário e a independência da Magistratura, de forma altiva deixou a seguinte lição para todos os Presidentes da Suprema Corte que o sucederam: "nosso poder de independência há de manter-se impermeável às injustiças do momento, e acima dos seus objetivos, quaisquer que se apresentem suas possibilidades de desafio às nossas resistências morais" e a Justiça "quaisquer que sejam as circunstâncias políticas, não toma partido não é a favor ou contra, não aplaude nem censura"8. Quem defende o Poder Judiciário e a Magistratura independentes, especialmente na Presidência do Supremo Tribunal Federal, defende o Estado Democrático de Direito.

Para o ministro Joaquim Barbosa: o magnífico e saudoso Ministro Ribeiro da Costa teria sido "corporativista"?

São fatos lamentáveis, porque os ministros e ministras do Pretório Excelso constituem-se em exemplos de Juízes e Juízas para toda a Magistratura. Há uma aura de respeito e veneração que cerca o Supremo Tribunal Federal neste país.

Bem por isso os fatos ora relatados não se circunscrevem ao âmbito do Supremo Tribunal Federal. Ganham repercussão nos demais órgãos jurisdicionais colegiados e em toda a Magistratura nacional.

É urgente que o Supremo Tribunal Federal seja o "recanto de paz", o "refúgio da Justiça", nas palavras de Rui Barbosa.

O meu saudoso e querido Amigo Ministro Domingos Franciulli Netto costumava dizer: "ser Juiz é o estado d'alma do homem vocacionado", enquanto outro saudoso e querido Amigo Desembargador Alves Braga dizia: "ser magistrado é estado de espírito". Quem exerce a nobre missão de ser magistrado há de meditar sobre essa candente realidade. Somente os vocacionados estão aptos ao exercício de ser magistrado em todos os momentos de sua vida e conseguem entender em plenitude a advertência feita por Guizot: "Quando a política penetra no recinto dos tribunais a Justiça se retira por alguma porta." E pode-se acrescentar que a incontinência vocabular, quando agressiva, revela um tumulto íntimo de insegurança que espanca a serenidade necessária ao magistrado e o afasta por inteiro da sindérese, isto é, da capacidade espiritual, inata, imediata para apreender os primeiros princípios da Ética.

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1 Neste ano estou completando 50 anos de dedicação integral ao Direito e à Justiça e presenciei várias composições do Supremo Tribunal Federal e nunca tive notícia de qualquer tratamento descortês ou agressivo por parte de seus Ministros. Presenciei discussões acaloradas entre seus Juízes onde o respeito e a educação sempre estiveram presentes. Assisti em uma sessão, o gesto encantador do fantástico Ministro Victor Nunes Leal, que começava a elaborar as Súmulas de Jurisprudência Predominante do Supremo, citar um precedente e perguntar "é isso mesmo Ministro Hanhemann Guimarães", que era considerado a melhor memória sobre a jurisprudência do Supremo. Bons tempos aqueles.

2 Artigo de Bartolomeu Rodrigues e Rodrigo Haidar no Conjur de 23.4.2009.

3 "De popularidade ele entende, e por isso desafiou Mendes a sair às ruas. Desde que relatou a denúncia contra os 40 do escândalo mensalão, JB ou Joca, como é conhecido no meio, está acostumado a ser aplaudido por onde passa: nas ruas, em restaurantes, e até mesmo em aviões de carreira" (idem)

4 Ibidem

5 Entrevista ao Jornal "O Globo" de 19.4.2012.

6 Folha de São Paulo, de 21.4.2012, pg. A4.

7 No artigo do CONJUR está escrito: "Primeiro ministro negro do Supremo, Joaquim Barbosa não conseguiu superar essa barreira. Ele mesmo queixou-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou para o posto, que se sente discriminado entre seus pares. Ouviu do presidente que deveria superar um possível "complexo de inferioridade" e se impor pela qualidade do trabalho. "Você é igual a qualquer um deles, não tem porque ficar agachado", afirmou o presidente. Lula ofereceu-se como exemplo: "Eu nem inglês sei, mas sou presidente. Eu me imponho com meu trabalho", reforçou.

8 Apud Osvaldo Trigueiro do Valle. O Supremo Tribunal Federal. Civilização Brasileira, 1976, p. 26.

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*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados

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