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O golpe

O cronista relata uma passagem que prova que "com o passar do tempo, a História vai aumentando ou diminuindo a estatura moral e cívica das personagens".

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Atualizado em 27 de abril de 2012 12:03

Esquecer o ruim da história é se entregar ao risco de revivê-la. Em cada época, de alguma maneira, em algum lugar a maldade faz das suas.

Depois vem o tempo com o seu enorme mata-borrão querendo apagar tudo, teimando em induzir a memória coletiva ao esquecimento.

Se você se entrega, se conforma aceitando, o ruim da história se renova e, quando menos se espera, lá vem ela, a maldade, de novo. Sempre por mãos de gente.

Foi em 17 de abril de 2009. O tempo, algumas vezes, parece passar rápido. Parece que foi ontem, mas do ontem porque é passado muitos nem se interessam em lembrar.

Eu me lembro da primeira semana após a posse, quando começaram a correr, os primeiros buchichos de que o Jackson seria tirado do Governo. Mas como?

Li a petição da maldade em favor dos derrotados e os absurdos eram tantos que achei graça. Mas não subestimei.

Não demorou e o caso já estava no TSE em escancarada supressão de instância. Dois ministros, um após o outro, foram relatores, mas nenhum deles em qualquer instante realizou pessoalmente, no local dos fatos, a instrução do processo. Quase tudo transcorreu por delegação.

Manda a lei que o juiz decide com base na sua convicção e nas provas dos autos. Essa convicção ele a constrói ao longo do processo, durante toda a instrução, dirigindo o contraditório, ouvindo as testemunhas, mediando a querela.

Afinal, que convicção pode ter um Juiz para decidir e, pior, em colegiado levar seus pares a segui-lo, se não interrogou a todos pessoalmente, se não olhou no olho de ninguém?

A exceção que admite a delegação a juiz de grau inferior para colher, por exemplo, um depoimento de testemunha distante, e só isso, virou regra no TSE.

As provas entre aspas, muitas delas obtidas de forma ilegal ou imoral, animaram o relator. Quando, quase no final, relatei a um ministro o que estava a caminho, a reação foi indignada.

A coisa foi seguindo e com o tempo, como no Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago, ninguém parecia mais ver nada e por mais argumentos que a defesa do Jackson apresentasse mostrando as equivocadas interpretações da Constituição e das leis que se cometiam, tudo era nada para as mentes encegueiradas.

Ainda assim o resultado saiu num voto de desempate. Muito triste para uma Corte de Justiça. A maldade se completou quando, mais uma vez à revelia da Constituição e das leis, não só cassaram o eleito por maioria absoluta de votos como, dispensando a publicação do acórdão para que não houvesse nem tempo de recurso ao STF, mandaram diplomar, de pronto, exatamente a derrotada nas urnas no primeiro e no segundo turno.

A História é filha do tempo, o senhor da razão. Com o passar do tempo a História vai aumentando ou diminuindo a estatura moral e cívica das personagens.

Daquele espetáculo naquela noite no TSE, a História vem dando a cada um a sua verdadeira dimensão. Uns cresceram no respeito. Outros porque não sendo nem do tamanho da sua altura, se tornam cada vez mais figuras diminutas porque são apenas do tamanho do que veem.

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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