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21 anos da lei de cotas

Avanços e perspectivas nos 21 anos da lei de cotas

Daniela dos Santos

Avanços e perspectivas do principal instrumento de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Atualizado em 3 de setembro de 2012 12:50

Antes de mais nada, é bom esclarecer que, na verdade, a "lei de cotas" constitui-se em um único artigo, trata-se do artigo 93 da lei 8.213/91, porém, este artigo é o principal instrumento de inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho existente no Brasil.

A importância deste único artigo, a que se convencionou chamar de "lei de cotas", não é pouca, pelo contrário, pois se trata da materialização, da concretização do mandamento contido no artigo 5° da Constituição, o qual erige o Princípio da Igualdade, como uma das vigas mestras do ordenamento jurídico brasileiro.

O Princípio da Igualdade se encontra plasmado no enunciado de que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...), constituindo-se tal mandamento em direito fundamental a ser resguardado pela República Federal do Brasil.

O ideal republicano e democrático que inspirou nossa Constituição encontra-se fortemente alicerçado no Princípio da Igualdade, sendo certo afirmar que dezenas de outras leis, atos normativos em geral, bem como políticas públicas surgiram, justamente, para "tirar do papel" esse ideal, visando concretizá-lo no dia a dia dos brasileiros.

Pois bem, um dos mais importantes instrumentos para a finalidade de concretização de tal princípio, sem dúvida, foi a criação da lei de cotas, que surgiu não por benevolência do Estado, mas como dever advindo dos compromissos ontológicos e teleológicos trazidos pela Constituição de 1988, chamada de cidadã, não por coincidência.

Inquestionavelmente, o aniversário da "lei de cotas" merece celebração, comemoração, porém, para além do caráter festivo, inspirado pelas conquistas, há que se fazer uma reflexão e um prognóstico para o futuro.

Quanto à reflexão, há que se contabilizar os ganhos para a sociedade e para os indivíduos, que puderam conquistar o acesso ao mundo do trabalho, por meio desse poderoso instrumento legal.

O acesso ao mundo do trabalho possui o valor inestimável de promover a inserção plena da pessoa com deficiência, por meio da conquista da autonomia, independência financeira, proporcionando-lhe, principalmente, satisfação pessoal.

Os dados do IBGE no ano de 2010 mostram que 23,9% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, o que equivaleria, segundo as estimativas populacionais ao número de 27 milhões de pessoas com deficiência, sendo que 17 milhões tinham idade para atuar no mercado formal.

Não obstante haja tamanho contingente de pessoas com algum tipo de deficiência, algumas empresas afirmam que buscam preencher as cotas, mas não conseguem candidatos às vagas ou afirmam, ainda, que as pessoas não são "aptas" a preencher tais vagas.

Contudo, na prática, o maior obstáculo ao cumprimento da "lei de cotas" é atitudinal, vez que, numericamente falando, em termos de população, verifica-se que as pessoas com deficiência, existem, sim.

O outro argumento muito comum, utilizado para justificar o descumprimento da lei, é o de que as pessoas com deficiência não estariam "aptas" aos postos de trabalho, contudo, resta questionar aquilo que as empresas entendem como "aptos", considerando-se que, muitas vezes, na prática, um profissional com deficiência, qualificado, com nível superior, pós-graduado, simplesmente não encontra vaga no mercado de trabalho, ou pelo menos, não encontra vaga compatível com sua qualificação.

Felizmente, há o outro lado da moeda, pois inúmeras empresas já perceberam a deficiência como parte da diversidade humana e vem apresentando sucessivos exemplos de inserção de pessoas com deficiência em seus quadros, com muito sucesso, sendo que certo que o que há de ser superado são os obstáculos, tanto físicos (a questão da acessibilidade) quanto atitudinais (preconceito).

Uma vez superados tais obstáculos, talvez no futuro, não seja necessária a existência de uma "lei de cotas", todavia, no momento presente a existência desta lei, como política afirmativa, se faz extremamente necessária para alcançarmos os desígnios almejados pelo artigo 3°, I da Constituição, quais sejam : "construir uma sociedade livre, justa e solidária."

Para conseguir tal finalidade, de inserir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, é importante que diversos atores sociais se unam, incluindo os órgãos de fiscalização, as organizações não governamentais, empresas, a militância das pessoas com deficiência e também as associações, como os sindicatos, por exemplo.

Inclusive, pouca gente sabe disso, mas sindicatos podem atuar ativamente para promover a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, principalmente, valendo-se de Ações Civis Públicas visando compelir àqueles que resistem ao cumprimento da lei.

É claro que o papel das entidades sindicais é mais amplo, vez que pode, primeiramente, buscar a sensibilização e orientação das empresas, bem como, pode se engajar em campanhas de conscientização, promover palestras, eventos, constituindo-se em agente multiplicador, a favor do cumprimento da lei de cotas.

O Sinthoresp é um exemplo da atuação que as entidades sindicais podem ter em favor do cumprimento da "lei de cotas", vez que nos últimos anos, por meio de árduo trabalho conseguiu ajudar a promover a contratação de aproximadamente 200 pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Contudo, os desafios a serem vencidos ainda são grandes e requerem um trabalho e esforço contínuos e redobrados para que se possa concretizar, por exemplo, os ideais contidos na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas, em seu artigo 3°, quais sejam : "a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; e h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Pelo visto a caminhada é longa.

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* Daniela dos Santos é advogada, responsável no Departamento Jurídico do Sinthoresp

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