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Quotas raciais: princípio da igualdade, contextualização histórica do indivíduo

A não receptividade por grande parte das pessoas nasce de uma interpretação errônea do princípio constitucional da igualdade. Cotas são para grupos sociais, e não para indivíduos.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Atualizado em 1 de novembro de 2012 14:25

Um dos temas de maior polêmica na atualidade é o que envolve as políticas afirmativas raciais. A problemática de interpretação pela sociedade destas medidas, como derradeiro, decorre dos preconceitos enraizados, das más educação e informação, bem como de pessoas desavisadas que tentam ser formadores de opinião em meios de massa, e acabam por reforçar o malfadado senso comum.

Por primeiro, é certo que a questão das políticas afirmativas nasce de uma necessidade de o Estado agir positivamente para com a sociedade, trazendo, de certa forma, e na medida do possível, a igualdade.

A não receptividade por grande parte das pessoas nasce de uma interpretação errônea do princípio constitucional da igualdade: se todos são iguais perante a lei, por que alguns merecem tratamento diferenciado?

Pois que a correta interpretação do princípio da igualdade não é tão simples. Para a lei, a igualdade não é formal, e sim material. Explica-se: pelo princípio da igualdade, devem ser tratados, de forma igual, aqueles que são iguais, e devem ser tratados de forma não igual, aqueles que não são iguais.

E por um acaso somos todos iguais? Não, não somos. Se a lei tratasse todos de forma igual, sem distinção entre um ou outro, estaria atropelando as individualidades que são inerentes ao ser humano.

Pois que o Estado, vendo isto, lançou uma forma de criar distinções, para privilegiar aqueles que estão em condição desfavorecida, para trazer estes à igualdade com os demais.

O condão da recepção não positiva da sociedade para com as cotas é que esta forma de criar distinções (as cotas) foi feita para grupos, e a sociedade enxerga as pessoas beneficiárias destas políticas de inclusão social como seres individualizados, e não contextualizados.

Muitas vezes (infelizmente) ouvi comentários como estes: "mas as cotas para negros são um preconceito! Por que os negros tem menos capacidade? Eles não são como nós? Estas cotas sim é que são preconceituosas!".

Tais comentários, que são bem numerosos, demonstram aquilo que já foi dito, que a sociedade (pelo menos aqueles que tecem tais comentários) enxerga o negro, e todos aqueles que seriam beneficiários destas cotas, de forma individualizada. Enxerga ele como pessoa, somente, em suas capacidades individuais, como inteligência, formação cultural, capacidade individual para o trabalho, etc. Como indivíduos, podem ser como todos, mas dentro de seu grupo e de seu contexto, não. Todos sabem (embora muitos prefiram não ver), que estas minorias têm menor acesso às boas escolas, às boas bibliotecas, enfim, aos meios de formação intelectual e muitas vezes, ao convívio social que lhe proporcione as mesmas oportunidades. A inclusão não é do indivíduo, analisado de forma isolada, mas do grupo.

As pessoas enxergam o negro, e todos aqueles que seriam beneficiários destas cotas, como seres individuais.

Mas as cotas são para indivíduos contextualizados, em seus grupos. A análise deve ser feita de acordo com o contexto histórico-social destes grupos.

A lei não está querendo fazer pressupor que os índios, ou negros, individualmente, tem menos capacidade cognitiva para estarem cursando uma universidade. O que a lei procura é corrigir uma separação social que é decorrente de um modelo histórico de preconceitos. E faz isso analisando o contexto histórico social.

Como dissemos, as cotas são para grupos sociais, e não para indivíduos. As cotas para negros ou índios não são por estas pessoas não terem capacidade de estar numa universidade, mas são uma forma de tentar corrigir um preconceito que existe contra o grupo social, não contra o indivíduo.

Mas as pessoas, novamente, com seus preconceitos com que preferem caminhar de mãos dadas, passaram a enxergar de forma pejorativa as cotas raciais, por enxergar as cotas como um modelo de rotulação da incapacidade individual, ao invés de enxergar como a celebração de inclusão de um grupo social.

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* Mário Henrique da Luz do Prado é advogado do escritório JBM Advogados

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