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O direito do segurado de ser portador de doença pré-existente

Todas as pessoas têm o direito de ser saudáveis e também de adoecer, embora essa última situação nem sempre seja bem aceita, especialmente se o seu relato de doença for feito a uma seguradora de vidas.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Atualizado em 21 de dezembro de 2012 13:16

Todas as pessoas têm o direito de ser saudáveis e também de adoecer, embora essa última situação nem sempre seja bem aceita, especialmente se o seu relato de doença for feito a uma seguradora de vidas.

Em novembro, um jovem que havia declarado ter sido portador de leucemia ao preencher uma ficha de adesão, em 2003, recebeu sentença favorável do Superior Tribunal de Justiça, o qual estabeleceu que a Companhia de Seguros Aliança do Brasil e o Banco do Brasil deveriam pagar uma indenização de R$ 10 mil reais, por dano moral.

Na época, a empresa que contratara o estudante de publicidade como estagiário, oferecia no rol de seus benefícios um seguro contra acidentes pessoais com a Aliança do Brasil, vinculada ao BB. De boa fé, o rapaz relatou a doença e a seguradora se recusou a aceitá-lo, alegando doença pré-existente, mesmo com a entrega do atestado médico, que comprovava a sua cura. O jovem, então, ajuizou ação indenizatória contra a seguradora e o Banco do Brasil, entendendo que a recusa era ilegítima. Entre seus argumentos, dizia que o seguro poderia até excluir a cobertura para a leucemia já curada, mas não poderia excluí-lo por outros riscos.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou: "Conquanto o direito securitário tenha notório viés econômico, é inegável que também apresenta acentuado componente social".

Invocando os princípios da liberdade de contratar, a seguradora e o banco contestaram. Depois de idas e vindas ao longo de nove anos, com sentenças que favoreciam os réus, finalmente, um recurso especial no STJ fez valer o direito do cidadão. A exemplo do que ocorre no âmbito da Saúde (sentenças que impedem a recusa por doenças preexistentes e estipulam prazos de carência de dois anos, entre outras), o Supremo também não está mais permitindo a rescisão de seguro de vida de idoso que contribuiu por muitos anos, seguindo, analogamente, a Lei 9.656/98 - que regulamenta o exercício dos planos de saúde - e seu artigo 14: Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde. E, na mesma linha, proibindo a rescisão unilateral aplicada aos planos de saúde.

Além disso, o art. 39, incisos II e IX do Código de Defesa do Consumidor diz: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.

Felizmente, toda forma de discriminação tem sido vetada pelo Judiciário e os contratos de má-fé, abusivos e de mão única estão fadados ao insucesso.

Indignar-se é saudável

Na análise do recurso citado, a relatora destacou a indignação do jovem, que nem havia apelado para fazer cumprir a obrigatoriedade do contrato (o que já justificaria seu pedido de indenização), mas sim, pelo fato de sua situação ter sido exposta aos colegas de trabalho e chefias: "a sua condição de ex-enfermo, que em princípio diria respeito somente a ele, foi exposta à coletividade com especial conotação limitativa".

Os dez mil reais da indenização podem parecer uma quantia irrisória, a ministra considerou o valor justo, apresentando diferentes justificativas. Como a questão aqui não é simplesmente financeira, mesmo que seja uma pequena quantia, ela representa um grande avanço da justiça.

"A recusa da contratação, portanto, é possível, mas apenas em hipóteses verdadeiramente excepcionais. Rejeitar um consumidor, sem oferecer-lhe alternativas viáveis para a contratação, mediante o envio de mera missiva-padrão com a justificativa, em uma única linha, de doença preexistente, não é razoável", concluiu a relatora.

Mesmo com os avanços da Justiça brasileira e dos órgãos de defesa do consumidor, que criaram medidas de proteção, não podemos abandonar nunca o sentimento de indignação diante do que não é justo e de formas indignas de tratar um ser humano, que não pede para adoecer e nem escolhe a doença. A indignação é uma forma saudável de mostrar que estamos vivos e atentos.

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* Renata Vilhena Silva é sócia-fundadora do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados, especializada em Direito à Saúde, e autora das publicações "Planos de Saúde: Questões atuais no Tribunal de Justiça de São Paulo" e "Direito à Saúde: Questões atuais no Tribunal de Justiça".

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