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Projeto de lei do Senado 402/12 - Boas intenções, mas...

O PL tem o objetivo de promover a concorrência de preços e condições de atendimento pós-venda no setor automobilístico.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Atualizado em 14 de janeiro de 2013 12:32

Recentemente, atendendo a requerimento da senadora Ana Amélia do Rio Grande do Sul, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal realizou uma audiência pública tendo como pano de fundo a discussão dos preços dos veículos zero km no País.

Na referida audiência, tentou-se apontar alguns dos motivos que justificariam o elevado preço dos veículos. Dentre outros, a lei Federal 6.729/79 foi apontada como a grande vilã, responsável por entraves aos direitos do consumidor e da livre concorrência, razão pela qual a Exma. Senadora recordou o projeto de lei do Senado (PLS) 402/2012, de sua autoria, que tem o objetivo de "promover a concorrência de preços e condições de atendimento pós-venda".

O PLS estrutura-se, basicamente, em três alterações substanciais (i) a faculdade do concessionário em promover suas atividades fora de sua área operacional; (ii) a obrigatoriedade de divulgação de informações ao consumidor, como parte da composição da oferta do produto; e (iii) a inclusão da venda via comércio eletrônico como modalidade de venda direta, sem o intermédio de concessionário.

Todavia, apesar do nobre objetivo do PLS, que tem, inclusive, a audácia de discutir assuntos extremamente sensíveis do setor automobilístico e retirar a discussão "tabu" de uma zona cinzenta, o faz de maneira afoita, contendo alguns equívocos, em minha opinião, irremediáveis - motivo pelo qual considero um erro que seja levado adiante do modo como está concebido, merecendo o tema uma discussão muito mais aprofundada.

Explico adiante meus motivos e os faço com o mais sincero respeito que merece a Exma. Senadora, baseando-me em fatos e no conhecimento e experiência adquiridos na prática do assunto.

O contrato de concessão comercial típico e, consequentemente, os moldes jurídicos da lei 6.729/79, precedeu de exaustivos pareceres e discussões envolvendo nomes como Miguel Reale, José Eduardo Pécora, Washington de Barros Monteiro, Antonio Gonçalves de Oliveira, Alfredo Buzaid, Oscar Barreto Filho, Esdras Gueiros, Rui Cirne Lima, Pontes de Miranda, Rubens Requião e Antonio Martins Vilas Boas - ou seja, como dificilmente veremos outra vez, o momento histórico pelo qual passou a discussão, somado ao poderio econômico e político envolvido, permitiu que as mentes mais brilhantes do Direito se envolvessem no tema, seja trabalhando diretamente na análise do inovador projeto de lei ou emitindo pareceres sobre as relações contratuais e seus deslindes. Tal fato, por si, mostra que os retoques eventualmente propostos a esta legislação ou ao modelo legal e contratual vigente devem ser feitos com a devida cautela.

Exponho a seguir em 3 tópicos organizados na forma das alterações substanciais do PLS, os temas que, em minha opinião, ainda merecem ser melhor discutidos antes de eventual alteração da ordem legislativa atual da concessão comercial:

I - A obrigatoriedade de divulgação de informações ao consumidor, como parte da composição da oferta do produto:

Segundo relatos históricos, para que o Projeto da Lei nº 6.729/79 fosse reapresentado - tendo em vista o veto do ex-presidente Geisel - o gabinete civil do governo do então presidente Figueiredo sugeriu eliminar todas as questões referentes à defesa do consumidor. Tais questões seriam (como de fato foram) reguladas oportunamente em projeto próprio, desta forma a legislação consumerista não ficaria adstrita a leis específicas dando ao consumidor de determinado produto mais direitos que outros.

É bem verdade que os motivos da referida sugestão possuíam intenções particularmente ligadas ao receio do ex-presidente Geisel, ao vetar o projeto, de afugentar as fábricas de automóveis e seus vultosos investimentos do País, porém, também teve a sensibilidade técnico-jurídica de segregar as regras regentes da relação contratual e dos direitos consumeristas, à época ainda embrionários. Faria muito mais sentido uma legislação sobre direitos do consumidor consolidada.

Vista sob o contexto atual, tal sugestão de segregação de assuntos ainda faz sentido, pois de fato o consumidor deve ter sua defesa tratada dentro da sistemática do Código de Defesa do Consumidor e não dentro de uma lei que tipifica um contrato entre particulares. Cito, como exemplo, as informações técnicas a serem disponibilizadas ao consumidor, seja sobre a qualidade do produto ou composição da oferta. Tais informações devem ser regulamentadas considerando uma prévia definição no âmbito do órgão técnico responsável (Inmetro, IBAMA, entre outros) ou diretamente pelo Código de Defesa do Consumidor. O PLS pretende chamar para a lei 6.729/79 responsabilidades de regulamentação que não são e não devem ser de sua competência.

Ora, a lei 6.729/79 tem como escopo principal a regulamentação do único contrato típico de concessão comercial no Brasil, destaco regulamentação do contrato e obrigações recíprocas das partes contratantes - fabricantes e concessionários, é claro que como acertadamente fez a reforma trazida pela lei Federal nº 8.132/90, pode-se criar limitações ao direito de contratar de modo que não se prejudique os direitos consumeristas e de livre concorrência, mas a lei 6.729/79 não deve servir ao propósito de defesa pura e simples do consumidor. Esta missão, quando direcionada a determinado setor (como o caso) deve ser feita através de regulamentação específica, envolvendo opiniões e estudos sobre o tema, programas como o de Eficiência Energética, as associações representativas do segmento e, por óbvio, devem ser direcionadas à classe de veículos a qual se aplica. Explico este ponto:

A lei 6.729/79, complementada pela Convenção de Categorias Econômicas de 1983, classifica 11 diferentes classes de veículos automotores. As alterações propostas pelo PLS ao art. 13 da lei 6.729/79, afetas a direitos do consumidor e informações de oferta a serem prestadas, levam em conta tão somente a realidade da comercialização de veículos de 1 classo, conhecida como de "passeio-leves" - não existe qualquer aderência ao mercado de veículos pesados, tratores ou máquinas agrícolas. Assim sendo, como alterar uma lei que dispõe sobre a concessão para comercialização de veículos pertencentes a 11 classes diferentes considerando as particularidades de apenas uma delas? Como exigir para concessionários das demais 10 classes de veículos divulgarem informações que não são aderentes a seu negócio e não serão úteis ao cliente? Como exigir do concessionário ou fabricante de um veículo comercial, que pode servir a inúmeras aplicações práticas diferentes, afetando particularmente o consumo de combustível e o custo de manutenção, que divulguem informações que quedarão irrelevantes para o negócio do cliente considerando todas as suas variáveis, sendo que sequer a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) com todas as suas formalidades e estudos agregados conseguiu concluir o tema para regulação do setor no Programa de Eficiência Energética? Tecnicamente, esta exigência precisa ter um método estatístico ou padronização para ser realizada (o PLS não define e nem delega), consequentemente, levará concessionários e fabricantes a realização de investimentos adicionais em testes e análises que, com ou sem método estatístico definido, refletirão em aumento no custo de produção e logo, novo aumento no preço do veículo.

Defendo que a lei 6.729/79 traga limitações sim à liberdade contratual das partes de forma a resguardar o mercado (exemplo: liberdade do consumidor em escolher o concessionário que lhe convir), mas o quanto disposto na inserção do §1º-A sugerida pelo PLS extrapola a competência e especificidade da lei que altera e desconsidera o fator global das classes de veículos envolvidas, desconsidera o mens legis, desconsidera a competência legal e contradiz a liberdade conferida pela mesma lei na definição do preço pelo concessionário - não seria razoável que o mercado permitisse que concessionários ou fabricantes se organizem para fidelização do cliente ofertando pacotes de manutenção com preços fixos (se existirem)? Esta disposição não deveria estar na esfera da liberdade contratual - cliente e fornecedor? A oferta de preços fixos de revisão é um diferencial no atendimento ao cliente no pós-venda e estimula a concorrência, não cabendo ao Poder Público padronizá-la, engessando, assim, todo um sistema operacional. Os fabricantes serão obrigados a padronizar os planos de manutenção e revisão, afetando, deste modo, a autonomia dos concessionários? Qual o custo fixo de manutenção, por exemplo, para um caminhão que trabalhará em uma mineradora? Será o mesmo de um caminhão que fará fretes urbanos? E tratores e máquinas agrícolas que também possuem as mais diversas aplicações?

A inclusão do §3º no mesmo art. 13, por sua vez, atende a uma antiga demanda dos consumidores e, na prática, muitos concessionários e fabricantes já o fazem deliberadamente por conta do bom atendimento ao cliente (que é e sempre será um diferencial em um mercado tão concorrido) - este §3º tem meu apoio e o vejo como útil, mas crítico por estar no lugar errado, assim como as demais previsões consumeristas supramencionadas. Este artigo se encaixaria muito bem no Código de Defesa do Consumidor e deveria migrar pra lá, onde seria bem recepcionado.

II - A inclusão da venda via comércio eletrônico como modalidade de venda direta, sem o intermédio de concessionário

As alterações propostas no art. 15 da lei 6.729/79, além do problema de aplicação do dispositivo para todas as classes legalmente previstas (não se compra trator, ônibus e máquinas agrícolas pela internet, por exemplo, logo como poderia obrigar que as empresas comercializem estes veículos mantendo oferta de pelo menos quatro modelos diferentes via comércio eletrônico? A lei estaria obrigando empresas a utilizarem-se de um método de vendas que elas não utilizam e não lhe são peculiares dadas as características de seu negócio?) ignoram completamente o mens legis e os fatores atuais e históricos.

A lei 6.729/79 prevê duas modalidades de vendas quais sejam: (i) o fabricante vende e fatura veículos em nome dos concessionários, que os adquirem para fins de revenda e (ii) o fabricante fatura diretamente, em nome do cliente final, veículos vendidos com ou sem a intermediação dos concessionários;

Nos moldes previstos e regulamentados pelo art. 15 da lei 6.729/79, as vendas diretas podem ser realizadas (i) independentemente da atuação ou pedido de concessionário ou (ii) através da Rede de Concessionários;

Para defesa dos interesses da Rede de Concessionários, a lei 6.729/79 estabelece que as vendas diretas realizadas de forma independente da atuação ou pedido de concessionário a quaisquer compradores especiais, com exceção da Administração Pública, devem ser limitadas em ajuste formalizado em convenção da marca;

Tal limitação não enseja, porém, dada a inteligência do citado art. 15 da lei 6.729/79, qualquer impedimento para a venda de produtos na modalidade vendas diretas através da Rede de Concessionários às pessoas previstas, dentre elas compradores especiais eleitos por faculdade do próprio concessionário (que eventualmente seriam clientes do comércio eletrônico) tendo em vista o quanto assegurado pela própria lei aos concessionários de eleger seus compradores especiais (art. 15, inciso II, alínea "c") e apresentar, facultativamente, pedido ao fabricante.

Claro está, portanto, que as vendas tidas como diretas possuem caráter excepcional nos casos em que é possível a intermediação do concessionário (até para estímulo da concorrência) e caráter excepcionalíssimo nos casos em que a venda é feita sem a intermediação do concessionário. A lei 6.729/79, inclusive, prevê quem são os tais clientes especiais e confere às partes em conjunto ou aos concessionários unilateralmente a faculdade de defini-los.

Logo, o art. 15 não representa o direito ou faculdade de clientes, ou seja, não serve ao propósito de facultar à Administração Pública, por exemplo, encomendar um veículo via faturamento direto, mas sim, dentro de uma sistemática coerente em que consensou-se que os veículos automotores seriam distribuídos no Brasil por intermédio de concessionários, prever possibilidades em que esta regra seria flexibilizada, ou seja, uma exceção facultada às partes contratantes (fabricantes e concessionários) de excepcionar a sistemática de distribuição imposta pela lei 6.729/79.

Tanto é assim que a Convenção de Categorias Econômicas, documento complementar à lei 6.729/79, dispõe que na estimativa de produção do fabricante ele deve destacar seu planejamento de produção para vendas diretas sem intermediação dos concessionários, delegando às convenções de marca (também com força de lei pactuados entre cada fabricante e respectiva associação da Rede de Concessionários) tratamento sobre eventual descumprimento desta regra, isto porque pretende-se resguardar os direitos legítimos dos concessionários. Os grandes prejudicados com a prática de vendas diretas indiscriminadas pelo fabricante são os concessionários e isso não tem qualquer sentido ilegal ou de reserva de mercado, é simplesmente a sistemática legal e oficial instituída em lei.

A alteração proposta pelo PLS ignora toda esta sistemática ao colocar como modalidade de venda direta sem a intermediação do concessionário as vendas feitas por comprador que opte pela compra por meio de comércio eletrônico, desconsidera o objeto e objetivo do art. 15 e inverte papéis, partes, direitos e obrigações definidos no contrato de concessão comercial - não percam de vista que a lei 6.729/79 dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre.

Além disso, ainda que a alteração proposta não tenha como superar o impedimento apontado supra, as vendas pela internet são realizadas hoje em dia de uma maneira muito peculiar e estruturada dentro do sistema legislativo atual, ou seja, quando se envia uma intenção de compra pela internet, a serventia desta ferramenta é facilitar e aproximar o contato entre comprador e vendedor, pois o site indicará os concessionários mais próximos de sua residência e estes, comumente, entram em contato para apresentar devidamente o veículo, suas características técnicas, preços e condições de pagamento (inclusive negociando eventual entrada mediante carro usado) e não uma compra direta do fabricante totalmente online.

Além de lesar sobremaneira os legítimos direitos dos concessionários, inverter o objeto e objetivo do art. 15 da lei 6.729/79, ignorando a prática de mercado atual, a alteração proposta pelo PLS criará uma verdadeira crise com o boom de compras pela internet impulsionadas pela falsa ilusão de que estas serão muito mais baratas do que a compra realizada pessoalmente no concessionário, além da absurda obrigação dos fabricantes em se utilizar da internet para ofertar produtos e vender diretamente ao consumidor, mesmo que seu mercado não tenha esta característica (falamos de dez classes de veículos sendo certo que em apenas uma aplicar-se-ia a venda via internet).

Justamente pelo sistema de comercialização criado e desenvolvido em conjunto e muitas vezes às custas de investimentos dos concessionários, são estes quem possuem estrutura de estoque, entrega técnica, limpeza do veículo e venda de acessórios. As fábricas teriam estrutura para atender diretamente e adequadamente os clientes? Obviamente que não, logo iriam socorrer-se, como de fato se socorrem, do apoio dos concessionários que não farão isso por cortesia comercial. Será que os preços seriam mesmo afetados e tornariam a vida do consumidor mais benéfica? Será que a concorrência seria estimulada? Diminuiriam os custos logísticos (atualmente o concessionário organiza seus procuradores-cegonheiros e frete)? Inibiria-se a oferta (vez que os fabricantes terão que planejar sua produção considerando o que será destinado às vendas diretas, conforme supramencionado)?

A alteração se torna ainda mais absurda quando, com a inclusão do §3º pretende obrigar o fabricante a manter sítio na internet e ofertar ao menos quatro modelos de veículos escolhidos entre os de menor consumo de combustível! Ora, isto é absolutamente inconstitucional, a lei determinará ao comerciante quais produtos ele deve ofertar e o modo de oferta? Isto não deveria ser um planejamento de marketing feito pelo ofertante com base nas particularidades do mercado e perfil de clientes-alvo? O fabricante que eventualmente quiser trabalhar com um único modelo de veículo não poderá ter sítio na internet? O fabricante que não possui estrutura para atender adequadamente o cliente de maneira "direta" será obrigado a manter sítio na internet e vender o veículo para entrega sabe-se lá como e em prazos de entrega a perder de vista? Esta crise a qual me refiro desvirtua totalmente o sistema de comercialização criado e estabelecido, tal alteração é simplesmente incompatível com toda a sistemática da lei 6.729/79. A internet se encaixou muito bem ao mercado automobilístico e seu modelo de oferta foi moldado (funcionando muito bem, diga-se de passagem) dentro da sistemática da lei vigente, reforçado o conceito de que a lei 6.729/79 já foi concebida muito à frente do seu tempo.

III - A faculdade do concessionário em promover suas atividades fora de sua área operacional

Nesta alteração, a solução sugerida pelo legislador foi a de uma simples troca de palavra, onde se lê "... sendo lhe defesa a prática dessas atividades fora de sua área demarcada" passa-se a ler "... sendo lhe facultada a prática dessas atividades fora de sua área demarcada".

Como se a questão não estivesse resolvida pelo próximo parágrafo do artigo que dispõe que "o consumidor, à sua livre escolha, poderá proceder à aquisição dos bens e serviços a que se refere esta lei em qualquer concessionário" ressalto, de forma coerente com o supramencionado, ou seja, de que a lei pode e deve trazer limitações ao direito de contratar de forma a não prejudicar direitos do consumidor e o mercado, pretende-se legalizar a prática de comercialização fora da área operacional do concessionário.

Como fundamental para toda e qualquer modalidade de representação comercial, a área operacional tem sua regulamentação e coerência composta e estruturada em toda a lei 6.729/79, juntamente com Convenção de Categorias Econômicas e Convenções da Marca, razão pela qual não adianta simplesmente flexibilizar esta regra sem rever o sistema como um todo, pois ele perderá sua coerência e tornará alguns aspectos da lei ineficazes.

Uma primeira questão envolvendo esta alteração, assumindo que será uma faculdade do concessionário a prática dessas atividades (comercialização de veículos automotores, implementos, componentes e máquinas agrícolas, de via terrestre, e à prestação de serviços inerentes aos mesmos) fora de sua área operacional, refere-se à faculdade do concessionário praticar essas atividades onde quiser, o concessionário poderia, a seu alvedrio, montar um estabelecimento fora de sua área operacional para prestar serviços ou intermediar vendas sem a autorização do fabricante? Em princípio a resposta seria não, pois a própria lei prevê que estas atividades devem ser exercidas "nas condições estabelecidas no contrato de concessão comercial" e este contrato dispõe que tais devem ser praticadas em uma determinada área operacional [que, ressalto, continuará sendo disposto na lei 6.729/79 (art. 5º) como "inerente à concessão" e não está sendo extinta pelo PLS, mas sim "flexibilizada"]. Logo, se o contrato de concessão dispõe sobre comercialização de veículos automotores, implementos, componentes e máquinas agrícolas, de via terrestre, e à prestação de serviços inerentes aos mesmos e os delimita a uma área operacional, esta é uma de suas condições contratuais (livremente pactuadas entre as partes), logo a lei passará a facultar ao concessionário o simples descumprimento do contrato?

Atualmente, 100 entre 100 contratos de concessão possuem (mesmo sem necessidade) cláusula expressa proibindo o concessionário de recusar venda ou inibir a escolha do consumidor por loja de sua preferência. A própria Lei nº 6.729/79 contém disposição expressa neste sentido. Qual efeito positivo ao consumidor traria a lei ao facultar ao concessionário a prática de suas atividades fora de sua área operacional? Vejamos: (i) comercialização: escolha e liberdade do consumidor (ou seja, nada muda) e (ii) prestação de serviços: depende da estrutura de uma oficina que fica no mesmo estabelecimento concessionário autorizado, se as condições do contrato (e a sistemática da lei 6.729/79) ainda serão mantidas, o concessionário não poderá abrir novo estabelecimento fora de sua área operacional, logo qual a vantagem para o consumidor se hoje ele pode escolher onde comprar e levar o veículo para manutenção nessa mesma loja escolhida?

A alteração do art. 5º restará como "letra morta", pois não possui aderência com a sistemática da lei 6.729/79. Atualmente, o sistema da lei é fechado e coerente, ou seja, o art. 5º veda a prática de atividades fora da área operacional (regra), a infração a esta regra possui aplicação e sanção entre as partes (concessionários) que será resolvida na forma contratualmente estabelecida ou mediante o ressarcimento previsto em Convenção da Marca (ressarcimento de serviços e percentual sobre a venda). Vejam que a simples troca da palavra geraria de pronto a necessidade de revogação total do § 4° do mesmo art. 5º e parcial do inciso XIII do art. 19, pois como seria possível a lei passar a facultar ao concessionário descumprir o contrato, ou seja, a prática de atividades fora da área operacional e ao mesmo tempo prever a possibilidade do concessionário "invadido" ser ressarcido pelos serviços que prestar ou ter percentual da venda feita a cliente com domicílio em sua área? Ora, este direito a um ressarcimento só é gerado porque a lei subentende que com a "invasão de área" o direito de um concessionário estaria sendo violado e ele angariaria prejuízos, partindo do princípio que disporá de estrutura para prestar os serviços em garantia para aquele cliente que não comprou o veículo em seu estabelecimento. A partir do momento que a lei dá a faculdade a um concessionário de "invadir" a área designada a outro, não há mais direitos violados porquanto não há o que se falar em ressarcimento, logo se tornará contraditória neste ponto - as partes irão regulamentar formas de ressarcimento pela prática de um ato que a lei confere faculdade a quem pratica? Como consequência, na prática, apenas uma hipótese ocorrerá: Tudo permanecerá como está, pois o "modelo novo" proposto, por total falta de sistematização, já nascerá inócuo.

A discussão que precisa estar em pauta é "área operacional prejudica o mercado e o consumidor"? Se sim, a solução seria eliminá-la? Se sim, eliminá-la exigirá uma solução alternativa por coerência ao sistema de comercialização instituído pela lei 6.729/79. Qual será esta solução? Se não, que se continue fiscalizando se a limitação à liberdade de contratar das partes (fabricante e concessionário) onde são proibidas de limitar o direito do consumidor de escolher o local que lhe aprouver para comprar seu veículo e os princípios econômicos constitucionais de livre concorrência vêm sendo cumpridos.

A concorrência no setor automobilístico é influenciada diretamente pelo número de fabricantes atuantes no País. Concessionários ativos em área operacional "x" ou "y" não estimulam concorrência - os fabricantes são obrigados por lei a manter a uniformidade de condições de oferta de produtos a sua Rede de Concessionários. Se a demanda justificar, já é possível aos fabricantes nomear mais de um concessionário em uma mesma área operacional, se as condições de oferta forem melhores o consumidor já pode optar pela loja que quiser, se nenhuma loja lhe agradar ele partirá para outra marca e assim a roda gira, portanto, o aumento do número de marcas ofertadas estimula concorrência, a "invasão" de área operacional não.

A lei 6.729/79 foi concebida de forma muito coerente e responsável, por um lado ao garantir o direito dos empresários que, em conjunto com as fabricantes de veículos, investiam (e ainda investem) pesado para desenvolvimento do mercado e, por outro lado, por instituir o sistema de comercialização calcado na autonomia das partes através de acordos expressos formais (Convenções da Marca) onde podem determinar as particularidades de seus negócios, produtos e marcas. Este fato se encaixa completamente no conceito de uma economia global, pois respeita a cultura de cada empresa envolvida no negócio, seja nacional ou estrangeira. A crítica à lei 6.729/79 deve ser feita sempre com muita cautela, classificá-la como vilã para alta de preços no mercado é uma conclusão demasiadamente simplista, como se vivêssemos em um país estruturalmente perfeito em que os custos de produção da indústria somados ao chamado "Risco-Brasil" e a elevada carga tributária em nada influenciassem.

Não adianta tapar o sol com a peneira, deve-se fazer uma reforma completa para solução definitiva do problema apontado como central - alta de preços. Durante esta reforma, que envolve todos os aspectos políticos e econômicos do setor, a lei 6.729/79 entrará em pauta naturalmente. No caso em tela, apesar de recheado de boas intenções, o remédio de alterar a lei sem revisar o modelo atual será mais prejudicial que a doença.

Como um promissor investimento dentro de uma sociedade capitalista, a comercialização de veículos automotores de via terrestre e, consequentemente, sua distribuição através de uma Rede de Concessionários não para de se modificar, evoluindo e adaptando-se ao cenário vigente, haja vista os pressupostos negociais hoje que se distinguem em muito naqueles da metade do século XX. Neste sentido, atualmente a lei 6729/79 e, principalmente, a atual Convenção de Categorias Econômicas merecem tal atenção das partes envolvidas a fim de adaptar as regras operacionais que podem estar defasadas, porém mantendo-se a coerência do sistema, até que uma reforma completa aconteça.

Ainda é escassa a doutrina exclusiva e específica sobre o assunto que, por mais das vezes, é tratado de forma absolutamente tradicionalista por alguns autores que pouco demonstram interesse em propor inovações em suas interpretações ou apresentar críticas ao modelo legislativo atual e, neste viés, aplaudo a audaz iniciativa da ilustre Senadora.

Porém, é de suma importância a participação de juristas e advogados na modelagem ou remodelagem de uma lei em um contexto onde a sociedade é envolvida e a legislação faça sentido para esta. A principal crítica que externamos é que, da mesma forma que a regulamentação específica ganhou mais valor ao ser analisada e participada pelos juristas da época, cabe à nova geração atentar para que as leis se mantenham sempre atuais e compatíveis com a sua finalidade de atender e cumprir a missão de organização e servidão à sociedade. Procura-se com a expressão destas opiniões, de forma construtiva, contribuir para este debate.

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* Daniel Ruy é advogado do setor automobilístico






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