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Exames toxicológicos pré-contratuais

Leonardo Kaufman e Sylvia Pozzobon

Ano passado, o Conselho Federal de Medicina proibiu a realização de exames toxicológicos em candidatos a vagas de emprego. O assunto extrapola os limites da medicina e atinge questões trabalhistas.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Atualizado em 28 de janeiro de 2013 10:29

Recentemente a mídia veiculou notícia de que o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a realização de exames toxicológicos em candidatos a vagas de emprego, o que causou impacto na comunidade civil e jurídica.

Os processos seletivos, cada dia mais exigentes, vêm requerendo que os candidatos demonstrem, além dos títulos, um passado profissional, habilidades diversas, perfil psicológico ideal e outros requisitos. E contariam agora com uma nova exigência, além da habitual avaliação clínica: exames laboratoriais para atestar que o candidato não consome drogas ilícitas.

O assunto extrapola os limites da medicina e atinge questões trabalhistas.

Primeiramente cumpre destacar que o parecer do CFM 26/12 concluiu que a exigência de exames toxicológicos não é eticamente aceitável, pois contraria os postulados médicos, tendo fundamentado seu entendimento na Constituição Federal, na Lei de Introdução ao Código Civil, no artigo 22 do Código de Ética Médica e artigo 168 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A celeuma gira em torno não só da ética, mas ainda do poder de direção da empresa, da preservação da intimidade e das determinações legais.

As empresas privadas, no momento da contratação, costumam fazer seleções constituídas de várias etapas e testes para comprovar, além da capacidade técnica do candidato, suas aptidões para lidar com assuntos do dia-a-dia, o que é pacificamente aceito. Tudo isso inserido dentro do chamado poder de direção do empregador - uma vez que a ele cabe determinar as condições em que se desenvolverá o trabalho, bem como dirigir o trabalho prestado.

Dentro do poder de direção, existe o poder disciplinar, que possibilita a aplicação da justa causa quando o empregado descumpre alguma das determinações do contrato, abalando a relação entre as partes.

As hipóteses de justa causa estão previstas na CLT no artigo 482 - que lista as faltas genéricas para todos os empregados e em artigos e leis específicas.

Dentre as possibilidades de justa causa listadas na CLT, verifica-se a embriaguez habitual ou embriaguez em serviço (art. 482, alínea f). A intenção do legislador ao utilizar o termo "embriaguez" foi a de incluir no tipo o alcoólatra. Todavia, entende-se que abrange todos os tipos de drogas que viciam e causam dependência.

Cumpre destacar que a ingestão ou utilização de drogas ou álcool no ambiente de trabalho não caracteriza embriaguez habitual, mas sim, possivelmente, mau procedimento (alínea b). Nestes casos, a jurisprudência tem sido pacífica, caracterizando a justa causa.

Contudo, no caso de alcoolista habitual ou pessoa viciada em drogas, a jurisprudência tem entendido pela caracterização de doença que carece de tratamento, não aplicando a justa causa, tese defendida por sociólogos, médicos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Neste contexto, o empregado deveria ser encaminhado para tratamento e não dispensado.

Tal entendimento não é pacífico, uma vez que não encontra respaldo em lei, sendo que o empregado somente receberá auxílio-doença, por ser alcoólatra ou viciado, se estiver internado para se tratar, o que depende da recomendação médica e da vontade do próprio. Motivo pelo qual muitos doutrinadores ainda defendem a tese de que não se pode obrigar o empregador a suportar o trabalhador cansado, esquecido, com ausências mentais temporárias, sonolento, estressado, com a acuidade diminuída, trêmulo, com falta de atenção e descontrole emocional - comportamentos típicos de pessoas com dependência química.

Sob este prisma, realizar testes laboratoriais nos candidatos para verificar o uso de entorpecentes e álcool seria se precaver de futuros problemas trabalhistas.

Porém, a doutrina trabalhista moderna tende a considerar que a realização de exames médicos seria uma verdadeira invasão da intimidade do indivíduo, visto que a Constituição Federal prevê que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de todas as pessoas são invioláveis. Ressalte-se que, com exceção dos exames médicos indicados na NR nº 7, a legislação brasileira é omissa sobre a realização de testes clínicos, seja para autorizá-los, seja para proibi-los.

Sob outro ângulo, descartar um candidato porque seu exame acusou a utilização de substância ilícita, é pré-definir um comportamento que ainda não ocorreu, visto que nem todas as pessoas que fazem uso de drogas apresentam distúrbios comportamentais quando inseridas no mercado de trabalho.

Por outro lado, há profissões em que a análise clínica dos empregados é, inclusive, obrigatória ao longo do contrato de trabalho, como é o caso de pilotos, operadores de máquinas pesadas e etc., motivo pelo qual a realização de testes pré-contratuais não violaria quaisquer princípios jurídicos ou éticos, sendo até mesmo recomendável e necessária, desde que com o consentimento e os resultados mantidos em sigilo.

No Direito, em verdade, quase tudo "depende", pois não estamos diante de uma ciência exata, devendo-se analisar caso a caso. Assim, as empresas devem consultar seus departamentos jurídicos quando da realização de seleções, para verificar a possibilidade de exigir exames clínicos pré-contratuais, sob o risco de violarem preceitos constitucionais.

Recomenda-se verificar: (i) se tais exames médicos são fundamentais para a consecução dos fins da empresa; (ii) se estão relacionados às obrigações constantes do contrato de trabalho; (iii) se estão sendo utilizados para fins não discriminatórios; e (iv) se foram autorizados pelos candidatos, a partir do conhecimento prévio.

Por fim, destaca-se que não incumbe ao CFM determinar quais exames podem ser feitos em cada caso de contratação, tendo em vista que tal analise depende do cargo que irá ser ocupado, das aptidões necessárias e das determinações legais contidas não somente na CLT, mas em leis específicas.

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* Leonardo Kaufman e Sylvia Pozzobon são sócios do escritório Barreto Advogados & Consultores Associados

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