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Direito de preferência

Advogado relembra a antiga lei do inquilinato (8.245/91) e apresenta capítulo de sua publicação Direito de Preferência, de 1997.

terça-feira, 26 de março de 2013

Atualizado em 21 de março de 2013 14:29

A thema argumentandum se abre como um leque, ante grande ramificação do instituto em várias áreas do direito positivo, citando-se a título de exemplos, o direito de preferência no Estatuto da Terra; preferência decorrente de compromisso de compra e venda; preferência na desapropriação; preferência do condômino; preferência do locatário na ação renovatória em reocupar o imóvel reformado; e, direito de preferência instituído na lei inquilinária.

Dada a diversidade de situações, de sua aplicação e a amplitude do estudo de cada uma delas, vamos nos ater ao direito de preferência como se acha contemplado na lei do inquilinato atual (lei 8.245/91), mesmo porque, apenas essas disposições são relativamente inovadoras no direito brasileiro.

Todas as demais já são sobejamente conhecidas.

A matéria, em si, não é nova, eis que o anterior diploma inquilinário (lei 6.649/79), já contemplava o direito de preferência na forma como é disciplinado atualmente (arts. 27 a 34 da lei 8.245/91), com pequenas alterações na atual legislação.

O assunto não ganha muito espaço na doutrina em seus enfoques prioritários, muito embora, de se registrar que todos os nossos bons comentadores da lei do inquilinato têm incansavelmente se detido na análise da importância de seu estudo e de seus efeitos na sociedade, com notória aplicação.

A lei do inquilinato anterior - lei 6.649/79, introduziu, ou melhor, reintroduziu o direito de preferência do locatário para adquirir o prédio tocado, em igualdade de condições com terceiros, o que foi mantido no atual diploma legal.

Digo reintroduziu, porque o direito de preferência é antiquíssimo e suas raízes gregas se trasladaram aos romanos e por vias do conhecimento influíram no Direito Pátrio. Aliás, a preferência, tal como a que tratamos, já constava dos Códigos Estaduais, do Código de Processo Civil de 1939, e bem assim se inseria no art. 16 da lei 4.494/64.

Posteriormente, houve um hiato relativamente à matéria no Brasil, cujo silêncio foi quebrado com o advento da lei 6.649/79.

Insisto no termo reintroduzido, porque por ocasião dessa última legislação inquilinária, mudanças notáveis ocorreram, criando novos pontos de interesse e discussão, e que pouco se modificaram na nova lei.

O art. 27 da lei 8.245/91, que praticamente repete o disposto no art. 24 da lei 6.649/79, outorga a preferência ao locatário, para adquirir o imóvel, nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento (esta última modalidade excluída da legislação anterior), devendo o locador (proprietário) dar-lhe conhecimento do negócio, mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.

Definitivamente na hipótese de alienação do imóvel locado, deve o locador notificar o locatário, por qualquer das formas elencadas no citado dispositivo legal, a fim de que este possa, querendo, adquiri-lo, exercendo assim, sua preferência no prazo de trinta dias, consoante assinalado no art. 28 da lei do inquilinato, sob pena de caducar o seu direito (antigo § 6º do art. 24 da lei 6.649/79).

Deverá ainda, a comunicação da intenção de venda, obedecer o disposto no parágrafo único do art. 27 (novidade em relação à legislação anterior), contendo as condições do negócio, preço, forma de pagamento, a ocorrência de existência de ônus reais, bem como indicar local para exame, pelo locatário, da documentação pertinente.

O locatário preterido na sua preferência poderá pleitear as perdas e danos art. 33 (anterior art. 25, § 2º) ou haver para si o imóvel observados, neste último caso, os requisitos contidos no art. 33 da lei 8.245/91 (art. 25), quais sejam, depósito do preço e de outras despesas do ato de transferência, desde que o faça no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no álbum imobiliário, e desde que o pacto locatício se encontrem averbado à margem da matrícula do bem, pelo menos trinta dias antes da ocorrência da alienação. O parágrafo único do art. 33 contempla a formalização da averbação do contrato (sem correspondente na legislação anterior).

O locatário preterido no seu direito de preferência que optar pelo pleito de perdas e danos contra o alienante, gozará desse valor legal, mesmo que seu contrato locatício não esteja averbado no Registro de Imóveis e mesmo que nem contrato escrito tenha, bastando que comprove sua condição de locatário, e o efetivo preterimento de seu direito de preferência.

Novidade em relação ao diploma anterior é a responsabilidade do locador por prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes, caso desista do negócio quando já aceita pelo locatário a proposta a ele feita, conforme dicção do art. 29 da lei 8.245/91, com respaldo no art. 1.080 do Código Civil, imprimindo, assim, maior seriedade e estabilidade nas relações entre as partes.

Seguindo no exame da matéria, verifica-se a transposição na lei nova inquilinária dos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do anterior art. 24, para os atuais arts. 30, 31, 32, acrescido, neste último, a abrangência dos casos de perda da propriedade integralização de capital, cessão, fusão e incorporação.

O primeiro desses dispositivos (art. 30) estende ao sublocatário os mesmo direitos dados ao locatário. Esta posição é coerente com o disposto no art. 14, e traduz harmonia e continuidade do direito de preferência, estendido ao sublocatário que, na verdade, está no lugar do locatário.

O segundo (art. 31) estabelece que em se tratando de venda de mais de uma unidade imobiliária, a preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto de alienação, previsto, em seu § 1º, que no caso de pluralidade de pretendentes, a preferência beneficiará o locatário mais antigo, e em havendo concorrentes da mesma, o mais idoso, configurando-se, este último, como bom critério selecionador, inexistente na lei anterior.

O terceiro (art. 32) exclui do direito de preferência, os casos de venda judicial, permuta e doação, como já constava do anterior § 4º do art. 24, estendendo a não incidência aos casos de perda da propriedade (pelos modos previstos no diploma civil substantivo) e de integralização, de capital, cisão, fusão e incorporação.

A ideia que inspira o legislador é a de possibilitar ao inquilino concorrer em igualdade de condições com terceiros tornando-se proprietário do imóvel que ocupa. Ora, a venda judicial (sub judice), a permuta (negócio inter-pares) e a doação (intuitu personae) não representam situação de concorrência com terceiros, e bem assim, as
ocorrências de destinação do imóvel para composição patrimonial de empresas do locador.

O art. 33 (anterior art. 25) trata das perdas e danos que podem ser reclamadas pelo locatário preterido em seu direito de preferência, e da adjudicação do imóvel nas condições que estabelece.

Assim, a critério do locatário, poderá este pleitear perdas e danos do alienante, o que vinha assegurado no § 2° do art. 25 da lei inquilinária anterior, quando preterido em seu direito de preferência, desde que demonstre, como já decidido em nossas Cortes, capacidade econômica para aquisição do imóvel, e as perdas e danos que a conduta do locador tenha efetivamente causado (RTJAMG 24/266), não obstante outros entendimentos jurisprudenciais em contrário (Ap. c/revisão 433.768-00-9 - 2° TAC).

Para o pleito de perdas e danos (direito pessoal) não é necessário que o contrato de locação esteja averbado no Registro de Imóveis. Essa condição, no entanto é exigível quando se trate de pedido de adjudicação do imóvel, feita pelo locatário preterido no seu direito de preferência (com efeito de direito real).

A legislação anterior em seu art. 25, §1º, falava na necessidade de inscrição do contrato de locação no Registro de Imóveis, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias antes da venda, promessa de venda ou cessão de direitos. A forma da inscrição imobiliária do pacto locatício, dependia de ser estabelecida em regulamento o que nunca aconteceu. A legislação atual fala em averbação do contrato de locação (art. 33) na forma prevista no seu parágrafo único.

Assim é que, estando o contrato de locação devidamente averbado junto matrícula do imóvel, pelo menos trinta dias antes da venda poderá o locatário, haver para si o imóvel locado, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, e desde que requeira a adjudicação no prazo de 6 (seis) meses a contar da data do registro da venda no álbum imobiliário.

Só não prevalecerá a preferência do locatário sobre a do condômino, em havendo condomínio no imóvel objeto da alienação, na conformidade do disposto no art. 34, o que já vinha ressalvado no anterior art. 25, § lº.

Estes os pontos principais do direito de preferência, na conformidade da legislação inquilinária.

Considerações finais

Na nossa opinião, foi o legislador infeliz na criação do direito de preferência ao locatário. Não que não se reconheça um avanço legislativo e de claros objetivos sociais com a disciplina estatuída nas duas últimas legislações inquilinárias.

Contudo, há de se reconhecer que a preferência concedida ao locatário limita o animus do vendedor, obriga-o a uma dependência com o locatário, já que tem que promover a notificação, aguardar o decurso de seu prazo, e ainda observar o preço e as condições contidas na notificação.

É sabido que o mercado imobiliário é criativo e dinâmico; a maioria dos negócios sofre frequentes alterações quanto ao preço e às condições inicialmente estabelecidas e aquelas que realmente logram a conclusão dos mesmos. É comum, portanto, que o negócio oferecido por um valor, seja adquirido por outro. Essa consequência é irreversível e reflete em função do mercado de compra e venda, realidade inafastável e presente nos negócios imobiliários.

As dificuldades iniciais geradas quanto ao exercício do direito de preferência, se dirimiram ao longo do tempo, não oferecendo, atualmente, maiores dificuldades de interpretação, quer quanto à necessidade de registro do trato locativo para o exercício do pleito adjudicatório do imóvel, quer quanto à sua dispensa no caso de simples pedido de indenização por perdas e danos, quer ainda quanto à possibilidade de pedido alternativo de adjudicação compulsória ou de perdas e danos (JTA - RT - 123/286; 129/257); quer quanto à caracterização da decadência do pedido de adjudicação compulsória, para o exercício do direito de preferência, extensivo ao pleito de perdas e danos (JTA 80/147, RT 106/282, JTA 138/418); mesmo no caso de perdas e danos, impende que o alugatário faça prova quanto à sua condição econômica, colimando adquirir o imóvel in casu - Jurisprudência - "O locatário, preterido no seu direito de preferência somente pode pleitear reparação dos prejuízos, mediante demonstração Incontroversa de que efetivamente, reúne condições econômicas para realizar a transação" Ap. c/Rev. 422.013 - 5ª Câm. - Rel. Juiz ALVES BEVILACQUA - j.7.3.95. No mesmo sentido: Ap. c/ Rev. 333.738 - 5 Câm. Rel. Juiz SEBASTIAO AMORIM - j.5.5.93; Ap. s/ Rev. 322.666 - 3 Câm. - Rel. Juiz JOÃO.SALETTI - j.11.8.92; Ap. c/ Rev. 381.417 1ª Câm. - Rel. Juiz RENATO SARTORELLI - j.8.11.93; Ap. s/ Rev. 393.162 9ª Câm. - Rel. Juiz FRANCISCO CASCONI - j. 11.5.94 - JTA (LEX) 152/464; e, Ap.c/ Rev. 430.077 6ª Câm. - Rel. Juiz PAULO HUNGRIA - j.24.5.95; quer quanto à necessidade da ação de adjudicação ajuizada contra o alienante e o adquirente (Ap. s/Rev. n° 440.733 6ª Câm. - 2º TAC); quer quanto à condição única de locatário para o pleito indenizatório (o contrato pode ser verbal).

O que ainda causa divergência na jurisprudência é a questão da composição das "perdas e danos", face à diversidade de critérios para a fixação da indenização, em muitos casos refletindo a diferença entre o valor da venda e o valor da escritura, muito embora, por vezes, esse valor possa vir a representar um enriquecimento sem causa do credor, demandando exame apurado das circunstâncias, caso a caso, na evitação de aviltamentos desnecessários.

Discute-se, ainda, quanto à natureza do direito de preferência, se real, ou pessoal. Preferimos continuar a ver o direito de preferência como direito pessoal. Contudo, não podemos deixar de constatar que o direito pessoal na adjudicação se mescla com o jus in re - direito real.

De se assinalar, outrossim, que o direito de preferência pode ser renunciado pelo locatário, não no contrato de locação, mas apenas à oportunidade da manifestação negocial. Já se decidiu, outrossim, que a renúncia à adjudicação compulsória, não implica na renúncia ao direito de preferência (RT 129/281).

Por fim, em remate do comento sobre o direito de preferência, de se consignar que, embora se afigure seu exercício como um inegável entrave nas dinâmicas relações negociais imobiliárias, não deixa de se constituir em justa oportunidade ao inquilino de adquirir o imóvel em que mora.

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*Américo Izidoro Angélico é advogado do escritório Américo Angélico Sociedade de Advogados




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