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Notas sobre o novo artigo 285-B (lei 12.810/13) do Código de Processo Civil

Elias Marques de Medeiros Neto e Lisa Borges Alves

Norma dispõe sobre o ônus ao autor nos litígios que tenham por objeto prestações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Atualizado em 4 de junho de 2013 17:05

Interessante trabalho resultou do grupo de redação do Projeto Unidroit/American Law Institute, culminando-se nos chamados Princípios do Processo Civil Transnacional, os quais podem ser checados em obra publicada em 2006 pela Cambridge University Press (ALI/Unidroit's Principles os Transnational Civil Procedure, Cambridge University Press, 2006).

O trabalho, dirigido pelos grandes professores Geoff Hazard e Michele Taruffo, teve o desafio de reunir nomes de expressão do processo civil relacionado à common law e à civil law, tudo com o escopo de se identificar os princípios de processo civil que devem estar uniformemente presentes nos sistemas estatais.

E deve-se frisar que, dentre os princípios eleitos, houve destacada tônica para a preocupação com uma justiça pronta e célere, com o dever das partes de evitar propositura de ações temerárias e abuso do processo, com o dever das partes de agirem de forma justa e de estimularem procedimentos eficientes e rápidos, e com o seu respectivo dever de cooperação.

A busca de um Poder Judiciário justo e efetivo também está presente nos princípios do moderno processo civil inglês, sendo que esta diretriz já constava da obra do professor Neil Andrews de 1994 (Principles of Civil Procedure, 1994), sendo depois reafirmada no livro English Civil Procedure de 2003 (Oxford University Press), além de estar constante nas atuais CPR de 1998 ("o código de processo civil inglês")1.

E no Brasil não é diferente, sendo que a busca de um processo efetivo consta não só da atual Constituição Federal (art. 5, LXXVIII da CF), mas também nos artigos projetados de um novo Código de Processo Civil.

Nos seguintes artigos do projeto de um novo CPC, conforme redação que hoje tramita perante a Câmara dos Deputados, busca-se positivar a importância de um processo efetivo2:

"Art. 4. As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 5. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Art. 8. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, com efetividade e em tempo razoável, a justa solução do mérito."

O princípio da efetividade é bem presente na exposição de motivos do projeto de um novo CPC, assinada em 8/6/10 pela comissão de juristas (Luiz Fux, Teresa Arruda Alvim Wambier, Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Jr., Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro), lastreada no Ato do Presidente do Senado Federal 379 de 2009: "Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito".

Os principais objetivos da reforma, na importante visão da comissão de juristas, foram: "...poder-se-ia dizer que os trabalhos da comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão".

E, sempre na busca da efetividade da tutela, os juristas reconhecem que: "Foram criados institutos inspirados no direito estrangeiro, como se mencionou ao longo desta Exposição de Motivos, já que, a época em que vivemos é de interpenetração das civilizações. O Novo CPC é fruto de reflexões da Comissão que o elaborou, que culminaram em escolhas racionais de caminhos considerados adequados, à luz dos cinco critérios acima referidos, a obtenção de uma sentença que resolva o conflito, com respeito aos direitos fundamentais e no menor tempo possível, realizando o interesse público da atuação da lei material".

E é neste contexto que deve ser interpretada a lei 12.810, de 15/5/13, a qual, em seu artigo 21, altera o atual CPC, criando o artigo 285-B: "nos litígios que tenham por objeto prestações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso". E estipula, ainda, o respectivo parágrafo único que: "o valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados".

De certa forma, o espírito do atual artigo 285-B já se encontrava presente no artigo 503, da lei 10.931/04, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário.

A redação do atual artigo 285-B impõe, assim, um ônus ao autor para que o mesmo, nas demandas que tenham por objeto a revisão de valores envolvidos em contratos de mútuo, financiamento e arrendamento mercantil, informe desde logo, na exordial, de forma expressa, quais são as obrigações controvertidas, e quais serão os valores que deverão continuar sendo normalmente quitados.

A norma está em consonância com o dever de lealdade processual e de cooperação, não podendo o autor se valer irresponsavelmente da demanda judicial para simplesmente, sem qualquer motivo detalhado e justificado, deixar de honrar o contrato anteriormente celebrado.

Acerca da necessidade de indicação das cláusulas contratuais cuja abusividade se denunciava, pertinente mencionar que os Tribunais pátrios já se inclinavam a tal exigência, valendo-se do quanto disposto no artigo 284 do CPC, cuja não observância ocasionava o indeferimento da exordial. Neste sentido, confira-se julgado TJ/CE, prolatado em 8 de março de 2013, pela 5ª câmara Cível, ao apreciar o Recurso de Apelação 0494465¬08.2011.8.06.0001:

"APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE CÁLCULO. DESNECESSIDADE. PEDIDO GENÉRICO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS DA PETIÇÃO INICIAL. DETERMINAÇÃO DE EMENDA. NÃO ATENDIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 282 DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (CPC, ART. 284, PARÁGRAFO ÚNICO). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Destaque-¬se que o cerne da questão reside na verificação quanto ao preenchimento dos requisitos necessários da petição inicial, bem como a juntada da documentação necessária ao deslinde da demanda. (...).7. In casu, o autor não especificou quais cláusulas contratuais considera como abusivas, sendo vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das mesmas, conforme sumulado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça. 8. Caso a petição inicial não seja emendada, como ocorreu nos autos, cumpre ao Juiz indeferi¬-la, extinguindo o feito, sem resolução do mérito (arts. 267, I e 295 do CPC). 9. Apelo conhecido e desprovido. Sentença Mantida".

No mesmo sentido, o TJ/SP manteve intactas sentenças que indeferiram petições iniciais que não apontaram, especificamente, as cláusulas cuja abusividade se denunciava, quando do julgamento dos recursos de apelação 9167379-95.2009.8.26.0000 e 9092874-17.2001.8.26.0000, apreciados, respectivamente, pela Décima Sétima Câmara de Direito Privado, em 05 de dezembro de 2012, e pela 24ª câmara de Direito Privado, em 1/9/11. Confira-se:

"INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. Contrato bancário Ação revisional Ausência de especificação de cláusula que se entende abusiva Especificação em réplica. Impossibilidade: Deve ser indeferida a petição inicial que faz pedido genérico de revisão de contrato bancário, sem especificar as cláusulas que entende abusivas, não sendo possível tal providência em réplica. RECURSO NÃO PROVIDO."

"AÇÃO REVISIONAL DE DÉBITO. INDEFERIMENTO DA INICIAL -PEDIDO GENÉRICO. RAZÕES DE APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Tratando-se de ação por meio da qual pretende o autor rever cláusulas contratuais, cabe a ele informar quais são as cláusulas impugnadas, quais são as cobranças que entende sejam abusivas, especificando com clareza a pretensão deduzida em Juízo; 2. Indeferida a petição inicial por conter pedidos genéricos, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois o processamento da pretensão do autor sequer foi deferida, não havendo meios de se deferir a produção das provas por ele pretendidas; (...) RECURSO NÃO CONHECIDO."

Relativamente ao parágrafo único do artigo 285-B, este apenas positivou determinação unanimemente adotada na prática, e muito óbvia, diga-se, vez que evidente que não pode ser interrompido o pagamento do valor incontroverso; ou seja, aquele cuja exigibilidade não se discute.

E quanto ao valor controvertido, deve-se sempre lembrar que a simples propositura de ação revisional, nos termos da súmula 380 do STJ4, não afasta a caracterização da mora, até que a revisão seja declarada, consoante majoritária jurisprudência, aqui representada pelo TJ/SP, em julgado da 15ª câmara de Direito Privado, disponibilizado no dia 22 de maio de 2013:

EMENTA: CONTRATO - Financiamento de Veículo - Ação revisional - Liminar - Indeferimento - Abstenção da inclusão do nome do agravante nos órgãos de restrição ao crédito - Possibilidade - Embora o contrato seja posterior à entrada em vigor da MP 2.170-36 (art. 5º), inexiste previsão contratual expressa admitindo a capitalização de juros - Depósito do incontroverso - Possibilidade - Autorização decorrente da instauração da lide, cujo inadimplemento alcançará todo período na hipótese de improcedência - Manutenção na posse do veículo financiado - Impossibilidade - Necessidade de assegurar ao credor a utilização da ação de busca e apreensão prevista no Decreto-lei 911/69 - Concessão parcial da liminar - Recurso parcialmente provido.

Portanto, entendemos que o artigo 285-B do Código de Processo Civil está alinhado com a jurisprudência e com os princípios que norteiam a moderna ciência processual.

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1 Andrews, Neil. O Moderno Processo Civil. São Paulo: RT, 2012. 2ª. Edição. Tradução de Teresa Arruda Alvim Wambier.

2 Conforme relatório final circulado, em setembro de 2012, pelo Ilmo. Deputado Federal e Relator do projeto na Câmara, Dr. Sérgio Barradas Carneiro.

3 Lei 10.931/04, Art. 50 - "Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia. § 1o O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.
§ 2o A exigibilidade do valor controvertido poderá ser suspensa mediante depósito do montante correspondente, no tempo e modo contratados".

4 STJ, Súmula 380 - A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.

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* Elias Marques de Medeiros Neto e Lisa Borges Alves são advogados do Departamento jurídico da Cosan

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