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As novas regras para o comércio eletrônico

Juliana Flávia Schwietzer Maia e Larissa Ancora da Luz Damasceno

O comércio eletrônico no Brasil se expandiu em grande velocidade nos últimos anos e, consequentemente, os conflitos entre vendedores e consumidores aumentaram em igual proporção.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Atualizado às 09:41

Não é recente a discussão sobre a necessidade ou não de regulamentação das relações de consumo firmadas por meio eletrônico. O comércio eletrônico no Brasil se expandiu em grande velocidade nos últimos anos e, consequentemente, os conflitos entre vendedores e consumidores aumentaram em igual proporção.

Não há dúvidas quanto à aplicação do CDC - lei 8.078/90 - nas vendas pela internet realizadas à pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ocorre que, apesar da existência da referida legislação, que pode, sim, ser aplicada às relações de consumo, foi criado um debate acerca do correto emprego das normas já previstas no CDC e da necessidade de criação de regras que melhor se adequassem ao ambiente virtual.

Assim, em 15 de março de 2013, foi sancionado o decreto 7.962, o qual regulamenta o CDC, trazendo normas específicas para o comércio eletrônico.

Contudo, em que pese a tentativa de melhor regulamentar as transações realizadas em meio eletrônico, o decreto se mostrou extremamente genérico, deixando de abordar de forma mais específica pontos controversos.

Um dos pontos mais debatidos do decreto foi relativo ao direito de arrependimento, previsto no art. 49 do CDC1, e que foi regulado para o comércio eletrônico no art. 5º do referido decreto2.

Apesar de o decreto ter por objetivo a regulamentação do e-commerce, um dos principais pontos que gerava conflitos já no CDC, a saber, o direito de arrependimento, deixou de ser corretamente regulamentado.

Isso porque a regra original tinha por objetivo proteger um consumidor da década de 90, com pouquíssimo acesso à informação e que poderia ser facilmente enganado por empresas imbuídas de má-fé, porém, os tempos hoje são outros. O consumidor que adquire produtos pela internet possui uma informação ampla, rápida e precisa sobre o produto que deseja adquirir e a empresa que se dispõe a realizar a venda. Necessário perceber que não há mais a dificuldade no acesso à informação tal como no passado.

A informação presente na internet, muitas vezes, chega aos consumidores antes mesmo que o produto alcance o mercado. Assim, uma norma que antes conseguia, de forma eficaz, proteger o consumidor, hoje não cumpre mais com esse papel, servindo apenas de empecilho ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas, que veem seus custos aumentados em razão da possibilidade de arrependimento do consumidor sem qualquer justificativa.

Deve-se ter em mente que o comércio eletrônico não gira em torno de grandes empresas e que, enquanto os custos de frete podem ser incluídos no preço final do produto, uma eventual desistência injustificada do consumidor correrá por conta da empresa.

Importante perceber que o direito de arrependimento não se confunde com a presença de vícios no produto. No primeiro caso, o consumidor não fica satisfeito com o produto e solicita a devolução, enquanto no segundo, o produto apresenta um vício que impossibilita sua utilização, razão pela qual é solicitada a troca ou o cancelamento.

Com isso, mesmo com um amplo acesso à informação e ainda que as empresas divulguem todos os dados do produto posto à venda, o consumidor ainda poderia solicitar a devolução do produto. Entretanto, considerando a quantidade de informações presentes na rede, uma compra virtual pode ser facilmente comparada a uma compra em estabelecimento físico, na qual o direito em debate não se aplica justamente em razão da quantidade de informações disponíveis ao consumidor.

A imposição de tal regra a qualquer tipo de transação feita no meio eletrônico está sujeita a uma banalização nas aquisições feitas por meio virtual.

Além do já previsto direito de arrependimento, foi regulamentado o cancelamento da compra a partir do arrependimento solicitado pelo consumidor. O cancelamento da compra realizado por meio de cartão de crédito deverá ser imediato, devendo a administradora ser comunicada para que não haja lançamento do valor na fatura ou, caso já cobrado, seja imediatamente realizado o estorno.

Entretanto, o decreto não imputou qualquer responsabilidade às administradoras de cartões de crédito ou instituições financeiras.

Uma vez que estas são as únicas responsáveis pelo efetivo cancelamento da compra após a solicitação, não há como responsabilizar os sites responsáveis pelas vendas caso o valor continue a ser cobrado mesmo após a solicitação de cancelamento.

Com a análise do decreto, percebe-se que a pretendida regulamentação do e-commerce se mostrou muito mais prejudicial às empresas do que benéfica aos consumidores.

O CDC, em sua redação original, cumpre a função de regular as relações entre consumidores e vendedores no e-commerce, posto que esta é apenas mais uma das diversas modalidades de consumo.

Os consumidores, na atualidade, possuem um amplo acesso à informação e meios disponíveis na própria internet para se precaverem no momento da aquisição dos produtos.

Assim, deve-se ter cuidado na criação de leis que regulamentem o comércio eletrônico, considerando a disseminação do canal de vendas e o aculturamento dos compradores on-line, de modo a permitir o continuo crescimento desse setor do comércio que reluz na satisfação dos consumidores com o varejo online3.

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1  Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

2 Art. 5o  O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

3  De acordo com dados levantados pela e-bit, em parceria com o Movimento Internet Segura (MIS), comitê da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net), em média, 86,1% dos consumidores brasileiros ficaram satisfeitos com o comércio virtual em 2012, dentro de uma nota de corte de excelência de 85%.

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* Juliana Flávia Schwietzer Maia e Larissa Ancora da Luz Damasceno são advogadas do escritório Almeida Advogados

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