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Liberdade de expressão

O argumento da "liberdade de expressão", brandido pelos defensores da publicações não autorizadas não se sustenta de pé.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Atualizado em 23 de outubro de 2013 16:06

O argumento da "liberdade de expressão", brandido triunfalmente pelos defensores da publicação de biografias não autorizadas, não se sustenta de pé, pela boa razão de que pretende provar demais. Todo argumento que se propõe a provar demais, volta-se contra si próprio.

Em primeiro lugar, a liberdade de expressão, como todo direito, não é total e absoluta. O direito constitui um sistema no qual nenhum direito existe isolado dos demais; é limitado pelos demais. O grande problema da construção do direito consiste exatamente em atribuir a cada direito seu lugar e seu limite, de maneira a não lesar outro direito afim, de modo a que a totalidade dos direitos forme e conforme um sistema, a saber, um conjunto de elementos unidos por um fundamento, que é o de possibilitar e garantir a vida em sociedade.  Um direito termina onde começa o direito de outrem. Caso contrário, a vida social seria impossível.

A liberdade de expressão, um dos principais pilares do sistema democrático, tem que ser organizada, limitada, de maneira a não ferir a liberdade ou o direito de outra pessoa ou da sociedade em conjunto. Por exemplo, para viver em harmonia com o próximo, podemos usar livremente da palavra falada ou escrita, mas não de modo a ofender ou ultrajar quem nos ouve. O boquirrotismo sem nenhuma autocrítica tornaria a vida em comum impossível. Outro exemplo: a liberdade de ir e vir. Este pode ser considerado um direito inato ao ser humano, mas tem que ser regulamentado, tanto no trânsito de veículos, como na vida civil, pois não é dado ao preso condenado judicialmente.

O biógrafo tem ampla liberdade de desenhar como quiser a biografia de seu personagem. Mas, em respeito à pessoa do biografado, e por amor à verdade dos fatos e à isenção moral do autor, este próprio deveria ser obrigado por lei a consultar previamente  o sujeito de que se fala, do qual se afirma ou se nega algo com a finalidade de comprovar se confere tudo o que se escreve. Sem a consulta prévia dá-se liberdade ao erro, à intriga, à calúnia, à ofensa moral, etc.

A consulta prévia ao biografado não é "censura". Compara-se à revisão editorial de um livro, antes da impressão definitiva, medida técnica para evitar erros e distorções, sem nenhum cunho repressivo.

Quando se fala bem ou mal de alguém, exige-se a necessária comprovação. Entre o biógrafo e o biografado instaura-se um contraditório virtual, ao qual o biógrafo tem a obrigação de responder sempre que instado.

Em segundo lugar, a maior contradição incluída no argumento da "liberdade de expressão" é a seguinte. Muito bem, viva a liberdade de opinião.  Mas esta tem que ser conferida a todos. O maior interessado na sua biografia é o biografado. Por que razão lógica, justamente o biografado será excluído de opinar sobre o texto que lhe diz respeito, e endereçado ao domínio público? Todos opinam, o autor, o editor, a crítica, o público, menos o biografado?  Volto ao que digo ao início: todo argumento que quer provar demais, volta-se contra si mesmo.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.




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