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O lado político do mensalão

Até que ponto o aspecto político predominou sobre o jurídico, ou até onde influenciou sua decisão, só a história, com sua análise em geral mais isenta e menos comprometida, haverá de dizer.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Atualizado em 26 de novembro de 2013 14:53

Assim como um médico não chega a um diagnóstico preciso sobre uma doença sem realizar no paciente todos os exames necessários, também o criminalista não deve opinar sobre um processo criminal sem conhecer todas as provas.

Não conhecendo aquelas constantes do processo do mensalão, e também em respeito à Suprema Corte, me absterei de opinar sobre sua legalidade e justeza, preferindo abordar alguns aspectos políticos que o cercaram.

As elites que governaram o Brasil desde sempre, inclusive a da minha geração, falharam. Receberam o mais belo dos países, com natureza, riquezas florestais, minerais, fluviais e marítimas incomparáveis, sem terremotos, maremotos ou vulcões e, principalmente, com um povo maravilhoso, e o transformaram em uma das nações socialmente mais injustas.

Hoje somos a sétima ou oitava economia do mundo, mas, paradoxal e infelizmente, um dos países com maior desigualdade social, com enorme déficit educacional, habitacional, de saúde e sanitário.

As mesmas elites que nos levaram a essa terrível situação - só passível de ser corrigida em décadas de desenvolvimento sustentável, controle inflacionário e grandes investimentos sociais -, em princípio temeram, e depois rejeitaram, a ascensão de um operário à Presidência da República.

Embora este - com todos seus erros e equívocos - tenha, pela primeira vez em nossa história, iniciado um real e efetivo processo de redistribuição de renda, através de programas sociais que vêm melhorando a vida de milhares de pessoas e centenas de cidades. Tais programas, apesar de criticados por aqueles que não percebem que o momento é emergencial, tornou-se irreversível, sendo elogiado mundo afora e adotado por outros países em desenvolvimento.

Por outro lado, com a eleição de Lula e o predomínio de um partido ideológico, que pregava sobretudo o apoio aos mais necessitados, nasceu a esperança de que as antigas práticas políticas, em que predominavam os interesses pessoais, o nepotismo e a corrupção, diminuíssem consideravelmente.

Esquecemos, todavia, da natureza humana. Se os mais ricos, cultos e poderosos sempre assim procederam, foi uma ilusão pensar que os mais pobres, menos instruídos e que nunca nada tiveram, ao assumir o poder, agiriam de modo diferente.

Os sucessivos descalabros e a continuidade da corrupção causaram enorme decepção. Aqueles que haviam prometido a renovação dos costumes políticos acabaram tendo os mesmos comportamentos...

Foi nesse contexto que surgiu o escândalo do mensalão e o seu processo criminal. Excluído da denúncia o presidente Lula, a revolta geral se canalizou contra seu principal assessor, o ex-ministro José Dirceu.

O antigo inconformismo das elites e o desapontamento de todos que tiveram esperança numa política mais decente, somados, repercutiram de forma jamais vista na imprensa escrita, falada e televisionada, a todos independentemente de classe social atingindo. Mesmo o processo criminal contra o ex-presidente Collor, único primeiro mandatário a ser até hoje julgado, alcançou tamanha repercussão e suscitou tantas emoções.

O STF, justamente por ser a última instância do Judiciário, contra a qual não cabe nenhum recurso, além de jurídico, tem, a meu ver, de ser necessariamente político.

Até que ponto o aspecto político predominou sobre o jurídico, ou até onde influenciou sua decisão, só a história, com sua análise em geral mais isenta e menos comprometida, haverá de dizer. Enquanto isso, cabe respeitar o pronunciamento do Supremo, acompanhar o capítulo final dos embargos infringentes previsto para 2014 e aguardar o cumprimento das penas que, justas ou injustas, já foram ou vierem a ser impostas em caráter definitivo.

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* Roberto Delmanto é advogado do escritório Delmanto Advocacia Criminal.


 




 

 

    

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