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A exclusividade comercial e o "marketing de emboscada" na lei geral da Copa

A lei geral da Copa é de natureza ordinária e obviamente subordinada à Constituição Federal, cujos dispositivos não podem ser revogados nem sequer em caráter especial e temporário.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Atualizado em 30 de abril de 2014 16:30

Introdução

A realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014 no Brasil trouxe algumas questões sobre a constitucionalidade de alguns dispositivos da lei geral da Copa (12.663, de 5/6/12).

Observe-se que a referida lei beneficia em caráter de exclusividade geral uma entidade estrangeira com sede na Suíça, a Fédération Internationale de Footboll Association (FIFA) e que tem uma subsidiária no Brasil (subsidiária FIFA), também com a natureza de pessoa jurídica de direito privado, a par de outras entidades nacionais arroladas expressamente no art. 2º daquele texto legal.

A lei geral da Copa é de natureza ordinária e obviamente subordinada à Constituição Federal, cujos dispositivos não podem ser revogados nem sequer em caráter especial e temporário. Agregam-se outros textos legais relativos aos micro sistemas especiais, cujos princípios não podem ser também derrogados por lei ordinária. O objetivo preciso deste breve estudo está em analisar a questão acima em relação ao artigo 11 daquela lei (especialmente a parte final do seu parágrafo segundo) e aos artigos 32 e 33, que cuidam de duas modalidades da figura chamada marketing de emboscada, ou seja: (i) por associação e; (ii) por intrusão.

1. A exclusividade comercial

Tendo em vista os custos extremante vultosos das Copas eles são suportado por diversos meios que vão muito além da simples venda de ingresso, cabendo uma parte ao setor público sob a alegação de que haverá uma contrapartida positiva para a economia em geral. Ainda que eventualmente não distribuído a título de lucro entre as diversas entidades participantes e aos seus membros (considerando-se a sua natureza de associação, tal como ocorre no direito brasileiro) há uma evidente busca de resultado positivo a ser utilizado nas finalidades de cada um dos participantes desse evento de porte gigantesco.

Precisamente uma das formas mais rentáveis está na escolha de diversas empresas, cada uma em determinada área de atuação, que exploram todo o tipo de produtos e de atividades, tal como se pode verificar mediante uma simples busca pela internet dos chamados patrocinadores oficiais da copa de 2014. O regime de escolha de tais produtos e empresas está na concessão de monopólios temporários aos favorecidos (exceto as marcas da própria FIFA e suas congêneres, que extravasam naturalmente tal limite temporal), dentro das áreas geográficas especificamente reservadas para aquele certame na lei sob estudo (áreas de restrição comercial e vias de acesso, art. 11).

É claro que no mundo dos negócios não existe nada de graça e as empresas favorecidas pagam valores elevados pelo direito exclusivo que lhes é conferido, que esperam receber de volta com grande lucro, em princípio nada havendo de ilegal nessa forma de solução do problema dos custos, desde que não sejam quebrados os princípios constitucionais aplicáveis.

O caput do art. 11 determina que será assegurada aos beneficiários da lei (empresas e produtos escolhidos), a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.

As áreas de exclusividade podem alcançar um perímetro de 2 km ao redor dos Locais Oficiais de Competição, não podendo desse favor resultarem prejuízos para as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal (art. 11, §§ 1ºe 2º).

É evidente em tais áreas já operam comerciantes devidamente estabelecidos (eventualmente até mesmo grandes shopping centers), nos quais são disponibilizados aos seus usuários muitos dos mesmos produtos e serviços objeto da exclusividade supra mencionada, seja ela permanente ou temporal. Ao lado desses empresários participantes das empresas favorecidas atuam outros que estão fora da referida exclusividade, portanto, na mesma área de proteção aos primeiros. Não se deve esquecer a atividade de comerciantes ambulantes, devidamente autorizados pelas prefeituras locais, em momento anterior à constituição do monopólio temporário, e que estariam alcançados pelas proibições correspondentes.

E desde que diversos estádios começaram a ser construídos no País em áreas até então isoladas e, consequentemente despidas de exploração comercial, muitos empresários nelas devem ter legitimamente se instalado, aguardando oportunidades de lucro durante a realização da Copa 2014. Atitude nada mais natural na atividade empresária e como tal em perfeitamente atendimento ao disposto na Constituição Federal, precisamente nos termos do art. 170, mencionado no dispositivo da Lei Geral da Copa, por ela mesma referido.

Há, entretanto, um problema de interpretação da parte final do art. 11, § 2º, ao dizer que a delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal. A falta de precisão que aqui se nota na leitura do texto leva a um problema sério de certeza e de segurança jurídicas.

O que significa dizer sem qualquer forma de associação aos Eventos, considerando que o empresário estará no livre exercício de sua atividade, segundo os ditames constitucionais. À primeira vista parece que o legislador desta lei especial teria feito um recorte na Constituição Federal, limitando a liberdade de exploração da atividade econômica durante a realização da Copa de 2014 em relação a tudo aquilo que significasse alguma forma de associação a este certame.

Digamos que um comerciante não membro do grupo dos favorecidos pelo monopólio, ao anunciar seus produtos declare que está concedendo desconto especial durante o período da Copa. Seria esta uma forma ilegal de associação ao evento?

Suponhamos, por outro lado, que um empresário do ramo de refrigerantes e concorrente direto da empresa favorecida pela exclusividade ofereça seu produto na região geográfica protegida e que os adquirentes os levem para dentro do estádio em embalagens não proibidas pela lei? Eventualmente uma imagem desse refrigerante será transmitida pela televisão no mesmo momento em que o torcedor seja filmado comemorando um gol. Esta portabilidade do produto do concorrente externo ao grupo titular de exclusividade seria um caso de infringência da lei?

Vamos mais além, um determinado banco é a única instituição financeira escolhida para operar nas áreas de exclusão. Se já existem agências de outros bancos nessas regiões, ou que desejem ali instalar-se durante a Copa de 2014, mesmo colocando seus caixas eletrônicos dentro dos próprios estádios onde os jogos serão realizados, este fato corresponderia a uma quebra do direito de exclusividade das empresas indicadas pela FIFA? E como ficaria a situação dos usuários de serviços bancários que não tenham conta naquele banco?

Desta forma percebe-se uma vizinhança perigosa e negativa dos dispositivos restritivos da Lei Geral da Copa em relação ao Código do Consumidor e à própria Constituição Federal, do que resultaria a sua ilegalidade.

Um tema a pensar mais profundamente, considerando-se de um lado o legítimo interesse de quem pagou pela exclusividade e de quem não faz parte das empresas exclusiva, mas é constitucionalmente protegido nos seus legítimos interesses econômicos.

2. O marketing de emboscada por associação e intrusão

Trata-se de práticas ligadas a grandes eventos esportivos, por meio das quais algumas empresas não beneficiadas com a exclusividade procuram obter lucros pela venda dos seus produtos ou serviços diante das grandes importâncias dispendidas naqueles pelo público em geral, seja por associação a uma empresa oficial1, seja pela invasão do local objeto de favorecimento por publicidade de concorrente não pertencente ao grupo de empresários indicados2. No segundo caso pode ocorrer uma manifestação de torcidas organizadas não autorizadas pelos promotores do evento (que desfraldam imensas bandeiras durante os jogos), como o resultado de atos espontâneos ou suportados financeiramente pelo concorrente interessado em invadir o espaço da empresa concorrente.

Outro exemplo do marketing de emboscada por intrusão está na exibição por um determinado atleta do emblema de uma empresa não autorizada, que o tenha contratado isoladamente (por exemplo, usando uma camisa do concorrente por baixa da oficial e que ele mostra ao público quando comemora um gol da sua agremiação).

Exemplos de ambos os casos têm sido verificados durante grandes eventos esportivos, conforme anotados por diversos observadores.

A Lei Geral da Copa considerou as duas modalidades de marketing de emboscada como ilícitos criminais (arts. 32 e 33), aos quais se agregará a responsabilidade de indenização por danos materiais e morais que possam ter afetado o anunciante oficial.

A generalidade legal pode criar situações embaraçosas as quais, por sua vez poderão consistir em afrontas à liberdade individual. Seria o caso do consumidor que deseja entrar no estádio para ver um jogo vestindo uma camiseta referente a uma empresa não autorizada, não tendo ele sido contratado pela empresa concorrente, observando-se que sua imagem poderá ser captada por alguma empresa que esteja televisionando o jogo e disponibilizada imediatamente para milhões de espectadores. Precisamente a falta do objetivo de alcançar vantagem econômica enquadra-se como exceção à tipificação da figura do marketing por emboscada, cabendo o ônus da prova aos organizadores do evento, que talvez possa se revelar impossível.

Outra situação. Digamos que um grupo de consumidores deseje expressar o seu repúdio público a determinada empresa autorizada a operar dentro de uma das áreas de exclusividade e que, durante o evento, torne pública a sua expressão negativa desfraldando bandeiras com criticas à empresa alvo, ou, ainda, vestindo camisetas que apresentem nas costas frases negativas para esta e favoráveis ao seu concorrente não autorizado.

Em princípio, essa manifestação corresponderia ao tipo previsto no art. 33 da Lei Geral da Copa (atividade promocional não autorizada pela FIFA). No entanto, ela poderia ser tida como lícita, na forma de manifestação da liberdade de expressão.

Conclusão

Como se verifica estão presentes nos dispositivos comentados diversas situação marginais, não contempladas pela lei, passíveis de serem consideradas ofensivas aos legítimos direitos de empresários beneficiados pelo monopólio temporário durante a Copa 2014, bem como outras em que o contrário ocorre, ao mesmo tempo em que o consumidor ou o cidadão poderá ser lesado em seus direitos legítimos.

As situações devem ser analisadas no caso concreto com o devido cuidado, para que não seja infringida a Constituição Federal, o Código Civil, o Código do Consumidor e, eventualmente, outras leis que tenham sido promulgadas como o resultado da luta dos brasileiros por um nível mais.

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1 Veja-se Marketing de Emboscada e Eventos Esportivos: duas ideias quase inseparáveis, de Eduardo Hallack e Luiz Paulo Campos Lemos, in Revista Jurídica, acesso em 24.02.2014.

2 Veja-se Felipe Tobar, BA-VI e o Marketing de Emboscada por Intrusão, in Esporte Jurídico de 08.04.2013, acesso em 24.02.14.

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* Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados e professor de Direito Comercial da USP.








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