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Aspectos tributários em operações de incorporação imobiliária

Marcos Paulo Caseiro e Caio Nader Quintella

Existe constante inovação legislativa tributária em relação às operações de incorporação imobiliária, principalmente na última década, acompanhando a expansão desse mercado no Brasil.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Atualizado em 16 de dezembro de 2014 11:56

1. O conceito de incorporação imobiliária na legislação nacional.

A incorporação imobiliária, definida e regulamentada pela lei 4.561/64, bem como a figura legal do incorporador, são conceitos de larga abrangência, abarcando todos aqueles que operam, em diversas atividades, sempre tendentes a propiciar e promover a construção e a venda de bens imóveis.

Entende-se que o regramento específico dessa atividade, que possui como uma de suas características definidoras a comercialização de imóveis sob construção ou de construção futura, tem como objetivo a proteção dos adquirentes e organização do mercado, impondo regras específicas de desenvolvimento e de responsabilidade para aqueles que atuam como incorporadores.1

Desde a década de 1960, a evolução natural do mercado imobiliário resultou em inúmeras estruturas operacionais de incorporação e comercialização de imóveis que visam à melhor forma de angariação e otimização do uso de recursos financeiros, à divisão equitativa de responsabilidades entre os operadores e, naturalmente, ao menor impacto tributário na realização da incorporação.

Posto isso, na esfera tributária, a incorporação imobiliária, ainda que seja um conceito legalmente determinado, não é, per si, fato gerador de nenhuma obrigação. Porém, como mencionado, as múltiplas atividades, atos e negócios envolvidos nas operações de incorporação, são objetos de disposições específicas e tratamento especial de tributação.

2. Tributação Federal.

As operações de incorporação podem se utilizar de diversas fases e roupagens jurídicas no que tange à reunião e a organização das partes envolvidas, tal como SPE (Sociedades de Propósito Específico), Consórcios de Empresas, SCP (Sociedade em Conta de Participação), Associações Civis e Condomínios, podendo uma operação misturar, simultaneamente ou não em suas fases, tais institutos societários e contratuais, os quais possuem regras diferentes de fiscalização e arrecadação tributária.

Independentemente das estruturas adotadas, é certo que os conceitos de lucro, receita e renda são aqueles que guardam a maior relevância jurídica para a incidência de tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), havendo na legislação definição expressa da receita bruta das atividades imobiliárias no artigo 30 da
lei 8.981/95, como sendo o montante efetivamente recebido, relativo às unidades imobiliárias vendidas.2

Considerando tal definição primordial, a partir de 1999,3 ficou facultado às empresas que desenvolvem atividade imobiliária, inclusive de incorporação, optarem pelo regime de tributação com base no lucro real ou presumido, atendidos os requisitos e vedações inerentes a cada regime, como o montante do faturamento anual.4

Assim, naquelas estruturas em que se elege parceiras societárias entre as partes atuantes na incorporação, como é o caso das SPEs, cada empresa, constituída para aquela operação específica, poderá ter seu resultado tributado pelo regime de apuração de lucro que optar, real ou presumido sendo a distribuição de dividendos isenta de imposto de renda e demais tributos.

Já nas operações que são desenvolvidas através de parcerias contratuais, como é o caso do consórcio, vez que este não tem personalidade jurídica (apesar de ser obrigatória sua inscrição no CNPJ), cada empresa consorciada irá apurar individualmente os tributos devidos por suas atividades referentes à esta parceira - contratualmente definidas no instrumento de constituição do consórcio - dentro do regime já optado pela empresa.

Frise-se que, apesar de os tributos devidos serem apurados, declarados e recolhidos individualmente pelas empresas consorciadas, a empresa eleita como líder deve manter registro contábil de todas as receitas, custos e despesas das demais, referente à participação dessas no consórcio.5 Recentemente, por força das inovações trazidas pela
lei 12.402/11, é possível realizar contratações em nome do consórcio ou exclusivamente em nome da empresa líder, efetuando as retenções tributárias devidas, hipótese em que todas as outras participantes tornam-se solidárias por tais obrigações.

Ainda, o caso da SCP, apesar de não possuir personalidade jurídica (mas, assim como consórcio, atualmente, deve ser inscrita no CNPJ), tendo natureza meramente contratual entre seus sócios, ostensivos e participantes, por força da sua equiparação tributária as demais sociedades, é possível que tal empresa apure seus tributos por regime diferente daquele optado pelo seu sócio ostensivo, ainda que este seja o único responsável por todas as obrigações perante as Autoridades Públicas, inclusive tributárias. Nas SCPs o repasse foi aos sócios é do lucro contabilmente apurado, igualmente isento de tributos, não havendo a distribuição de receitas como no caso de outras parcerias contratuais.

Além dos regimes de tributação pelo lucro real e presumido, desde a edição da
lei 10.931/04, ficou instituído o Regime Especial de Tributação (RET), aplicável às operações de incorporação imobiliárias. Tal regime é aplicado individualmente a cada incorporação promovida, na delimitação do memorial de incorporação aprovado, não abrangendo a totalidade de incorporações promovidas pela empresa, sendo necessário proceder à afetação do patrimônio objeto do empreendimento para gozar desse regime. A opção de submissão da incorporação ao RET é irretratável e será vigente enquanto perdurarem as obrigações e os créditos do incorporador junto aos adquirentes das unidades imobiliárias.

O RET opera de forma independente e desvincula dos demais créditos e débitos tributários, sendo vedada a compensação de tributos e a comunicação de receitas, custos e despesas de outras atividades da incorporadora. Atualmente, existe um conceito de receita bruta específico para este regime, qual seja o total das receitas recebidas pela incorporadora com a venda de unidades imobiliárias que compõem cada incorporação submetida ao RET, bem como, as receitas financeiras e "variações monetárias" decorrentes da operação imobiliária.6 Come se observa, diferentemente do conceito ordinário de receita bruta imobiliária, estão incluído em tal valor a receita financeira correspondente a créditos oriundos da incorporação.

Sobre a receita mensal, aplica-se atualmente a alíquota de 4% (compreendendo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS). No caso de incorporações compreendidas no programa Minha Casa Minha Vida, bem como aquelas consideradas de "interesse social" (imóveis residenciais de valor comercial até R$ 85.000,00) a alíquota é reduzida para 1%.

O RET tem sido considerado por alguns atuantes do setor como vantagem, tendo em vista a baixa oneração tributária e a possibilidade de se optar individualmente, em relação a cada incorporação promovida, por essa sistemática, tendo como contrapartida a obrigatória de afetação do patrimônio, que imobiliza e engessa os ativos envolvidos na operação, não podendo ser utilizados, direta ou indiretamente, para saldar outros débitos ou mesmo ser objeto de transações comerciais e financeiras.

3. Tributação Municipal.

Como se verifica nas disposições do art. 156 da
CF, a competência dos municípios para tributar guarda grande relevância em relação à atividade de incorporação imobiliária.

Inicialmente, o ITBI, que tem como fato gerador a transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis, é sempre um aspecto presente nas operações de incorporação. Isso ocorre, pois, na maioria das vezes, o proprietário do imóvel em que será realizado o empreendimento não é o incorporador, de modo que se torna necessária a transferência desse bem, ainda que por integralização de capital, lembrando que a imunidade prevista na Constituição Federal não se aplica às pessoas jurídicas que desempenham atividade imobiliária.7 Da mesma forma, boa parte das estruturas atualmente adotadas para viabilizar e operar a incorporação envolvem a transferência de propriedade e/ou direitos reais tributáveis entre as partes envolvidas, fazendo com que a incidência desse imposto seja um assunto muito recorrente e sensível nas incorporações.

Apesar da leitura mais tradicional da incidência do ITBI8 ser no sentido de que a sua incidência se dá: I) na transmissão de bens imóveis, II) na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis e; III) na cessão de direitos reais à aquisição de imóvel, os Tribunais Superiores9 vêm afastando a sua cobrança nos casos de transferência e cessão de direitos reais, mesmo com o registro dos instrumentos de celebração, como é o caso do compromisso de compra e venda, entendendo que é necessária a efetiva transferência da propriedade do bem imóvel para o aperfeiçoamento da hipótese de incidência desse imposto.

Por sua vez, em relação ao ISS, a incorporação imobiliária não é considerada serviço, nos termos da
lei complementar 116/03. Contudo, pela abrangência do conceito de incorporação, tais operações estão sujeitas a incidência desse imposto em razão das construções, toda vez que o incorporador trabalha em terreno alheio, configurando, então, execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, devidamente abrangidas pela incidência esse imposto.

Contudo, o STJ10 firmou entendimento de que quando o incorporador for proprietário do terreno e, ao mesmo tempo, o construtor (incorporação direta), fica afastada a incidência do imposto, ao passo que seria impossível conceber serviço prestado para si mesmo.

4. Conclusão.

Como se observa, existe constante inovação legislativa tributária em relação às operações de incorporação imobiliária, principalmente na última década, acompanhando a expansão desse mercado no Brasil. Não se pode negar que existe certo ativismo da Receita Federal, por meio de normativos infralegais e posicionamentos do CARF, buscando o incremento de arrecadação sobre tal atividade, o aumento de fiscalização e a limitação de manobras elisivas dos contribuintes, ainda que absolutamente lícitas, como é o caso da inclusão da permuta na receita bruta tributada pelo lucro presumido e novas obrigações de registro contábil das atividades de empresas reunidas em consórcios.

Importante ressaltar, também, que as atividades imobiliárias compreendidas no conceito de incorporação são objetos de tributação na esfera federal e municipal, com disposições específicas sobre a sua taxação. Contudo, na esfera estadual, não existem normativos de especial relevância em relação as incorporações imobiliárias, devendo apenas se considerar a tributação pelo ICMS das mercadorias utilizadas na construções.

Assim, enquanto o mercado continuar se desenvolvendo e aprimorando os modelos estruturais das operações, se valendo de técnicas legais mais complexas e arrojadas, haverá uma reação da União e dos Municípios, através de sua legislação e fiscalização, buscando garantir a arrecadação máxima sobre os resultados percebidos nas operações incorporação. Mesmo assim, o Poder Judiciário prevalece como a salvaguarda dos operadores, constantemente afastando abusos e corrigindo distorções na cobrança desses tributos.

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1 CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 3ª Edição. Renovar: Rio de Janeiro. 2010. pp. 11/18.
2 Em 09/09/2014, foi publicado o Parecer Normativo COSIT nº 9/2014, o qual, alinhando-se com o entendimento de recentes julgados do CARF, determina que o valor de imóveis objetos de permuta com outros imóveis, registrados no ativo circulante de empresas submetidas ao regime do lucro presumido, sejam considerados como receita bruta.
3 Art. 14 da Lei nº 9.718/98.
4 A partir de 1º/01/2014 o limite do faturamento anual para a opção do lucro presumido foi elevado para 78 milhões de reais, por força da promulgação da Lei nº 12.814/2013.
5 IN RFB nº 1.199/2011.
6 Art. 4º, §1º da Lei nº 10.931/2004.
7 Art. 156. (...):
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
8 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 23ª Edição. Malheiro Editores: São Paulo. 2003.p. 368.
9 No STJ: AgRg no REsp 982625/RJ, DJe de 16/06/2008, RMS 10650/DF, DJ de 16/06/2000 e REsp 57641/PE, DJ de 22/05/2000. No STF: ARE 798241/RJ, DJe de 17/03/2014 e AI nº 764432 AgR, DJe de 22/11/2013.
10 REsp 922956/RN, DJe de 01/07/2010.


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*Marcos Paulo Caseiro é sócio do escritório Simões Caseiro Advogados. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, MBA em Gestão Financeira: Controladoria e Auditoria pela FGV/SP, especialista em Direito Tributário Internacional pelo IBDT/USP, especialista em Direito Tributário pelo IBET/USP.



*Caio Nader Quintella é advogado do escritório Amatuzzi Matos Advogados em cooperação com Simões Caseiro Advogados. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.

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