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René Ariel Dotti, ou o ativismo pela liberdade

Profissionais do Direito endossam a justa homenagem a seu ativismo em defesa da liberdade e lhe prometem imitar esse modo ímpar de ser.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Atualizado às 07:12

No início dos anos 80, conheci o Professor René Ariel Dotti, na biblioteca de meu pai, onde se reuniam os autores da Reforma Penal de 1984. Na época, eu já o considerava uma pessoa com perfil diferente. Interessava-me a mescla do sotaque gentil com a forma incisiva que defendia seus pontos. Impressionava-me sua extraordinária capacidade de trabalho.

Embora adolescente, aquelas reuniões me encantavam, porque, naquele tempo, os juristas eram mais sinceros, assumiam-se conservadores, ou liberais, o que permitia discussões mais abertas, mais francas.

Inexistiam os garantistas de congresso, carrascos de gabinete, esses anfíbios da atualidade. Reacionário era o que era e, assim, se assumia. Exibiam-se coerentes entre eles, ao pleitearem a manutenção de punições duras, menos direitos no processo e na execução da pena. Não havia eufemismo no discurso, nem justificativas meta-jurídicas.

Nos debates sobre a parte geral, do Código Penal, o problema dos conservadores era enfrentar René Ariel Dotti e outros mosqueteiros da liberdade, os quais não escapavam ao duelo dogmático para exibir as inconsistências do pensamento contrário. Tais como personagens de Alexandre Dumas, havia, sim, muito orgulho de defender as ideias e de esgrimir contra os retrógrados, apegados a noções positivistas de periculosidade e de intervenção estatal na esfera jurídica do indivíduo, ainda que sem culpa.

A atividade de René Ariel Dotti extrapolava em muito a tarefa de discutir novos modelos legais. Afinal, compilava o texto projetado, escrevia cartas, mandava bilhetes, distribuía documentos e, de forma cordial, acalmava os amigos, quando surgiam desavenças entre os do seu grupo. Nas manhãs, chegava com o material organizado e entregava, a cada um, sua contribuição à renovação dos códigos.

Publicados os anteprojetos de lei, viu-se o mesmo entusiasmo na defesa do novo sistema penal, com palestras Brasil afora, bem como artigos esclarecedores sobre a mecânica da aplicação das penas e respectiva execução. Não faltavam críticas, nem boatos sobre os pretensos riscos da aprovação do conjunto de leis pelo Congresso Nacional, o que tornava o trabalho da comissão de juristas essencial para a sociedade e a comunidade jurídica entenderem o que almejavam introduzir no nosso direito criminal.

Com a entrada em vigor da parte geral, do Código Penal, e da lei de execuções eenais, outra vez, ele surgiu, no papel de doutrinador, a escrever livros sobre os novos institutos e a explicar quanto aos valores humanos inspiradores da Reforma.

Passados mais de trinta anos da Reforma Penal, mantivemos convívio próximo, ele sempre envolvido nas grandes polêmicas sobre novas leis, arregimentando pessoas para se contraporem aos recrudescimentos da lei penal (e.g., a lei dos crimes hediondos) e ao pragmatismo à americana do processo penal.

Nessas décadas, a par dessa contribuição cívica ao país, René Ariel Dotti exerceu ativamente a advocacia, o que lhe conferiu muito prestigio entre os colegas de profissão e todo o respeito dos tribunais. Incansável defensor, hábil assistente de acusação, orador como poucos.

Antes de mais nada um advogado, profundo conhecedor do Direito, para usá-lo em favor do cliente. Direitos e garantias individuais se lhe apresentam como instrumentos efetivos nas causas, para tutela da liberdade dos indivíduos. A Teoria do Delito lhe serve como mapa-múndi a guiar a defesa penal, entre os conceitos técnico-jurídicos, a contar de seu prisma humano de interprete da dicotomia liberdade e culpa.

Por estas e outras muitas razões, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná lhe outorga, nesta quinta-feira, a Comenda do Mérito Judiciário. Milhares de profissionais do Direito endossam a justa homenagem a seu ativismo em defesa da liberdade e lhe prometem, um por todos e todos por um, a imitar esse modo ímpar de ser neste Brasil de tantas injustiças.

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*Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo é advogado do escritório Moraes Pitombo Advogados, mestre e doutor em D. Penal (USP). Pós-Doutor pelo Ius Gentium Conimbrigae (Univ. de Coimbra).

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