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Por que sou contra a redução da maioridade penal

O argumento de que o aumento do encarceramento auxilia na redução da criminalidade também é equivocado, e as estatísticas assim comprovam.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Atualizado em 28 de abril de 2015 14:33

(Calma. respire fundo. e leia até o final.)

O Congresso Nacional mais uma vez enfrenta uma temática bastante controversa: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 que visa a redução da maioridade penal para 16 anos.

Com a ajuda das redes sociais e da tecnologia o debate acerca do assunto tem tomado proporções nunca antes vistas. Amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos discutem energicamente sobre o tema, com posicionamentos muitas vezes diametralmente opostos, dispostos a defender suas ideias (e ideais), como um claro reflexo da evolução da democracia que tem como um dos pilares justamente o direito de qualquer cidadão ao questionamento.

No entanto, tenho visto muitos argumentos mal colocados e baseados em fatos equivocados, o que torna o cenário preocupante por estarmos diante de uma decisão que impactará de forma gritante toda a sociedade brasileira e que, portanto, deve estar edificada em solo firme.

Desta forma, com o intuito de enriquecer o debate apresento alguns dados para reflexão, confessando e reiterando meu posicionamento já evidenciado no título.

A princípio (e toda a discussão deve partir desta premissa) é importante termos em vista que ser contra a redução da maioridade penal não corresponde a ser conivente com o crime, muito menos em concordar com a impunidade.

O Brasil já possui uma legislação específica para todos os menores de 18 anos - o Estatuto de Criança e do Adolescente, sendo que este estatuto rege dentre outras coisas as medidas socioeducativas a serem tomadas diante de atos praticados por menores que sejam tipificados como crime ou contravenção penal.

As medidas socioeducativas para os adolescentes (entre 12 e 18 anos) são muitas, e entre elas a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semi-liberdade e a internação em estabelecimento educacional. Veja que o menor responde pelo seu ato infracional, podendo inclusive ser detido compulsoriamente por até 3 anos. Logo, é inverídica a alegação de que a legislação brasileira não pune nem responsabiliza o menor.

Neste ponto, é necessário distinguir os dispositivos legais daquilo que é efetivamente praticado na sociedade. No âmbito legal (que é exatamente onde se situa a discussão da PEC da redução da maioridade penal) não há situações de impunidade. Se a Lei atual não é aplicada como deveria, alterá-la também de nada adiantaria, haja vista que o problema encontra-se na sua execução e não na sua fórmula.

Salienta-se que a responsabilidade penal no Brasil inicia-se aos 12 anos, possuindo o Estado o poder punitivo conforme nossa legislação juvenil (Estatuto da Criança e do Adolescente). A responsabilidade penal adulta, por sua vez, inicia-se aos 18.

Conforme tabela comparativa publicada pela Unicef, em países desenvolvidos, como por exemplo França, Holanda, Suíça, Suécia e Noruega, a responsabilidade penal adulta inicia-se também aos 18 anos. Já na Alemanha, Inglaterra e Japão, podem ser aplicadas as regras do sistema de justiça juvenil até os 21 anos de idade, demonstrando que os países mais desenvolvidos não lidam com os adolescentes do mesmo modo que lidam com os adultos, exatamente como no Brasil (até o momento).

É fato (e todos já passamos por isso) que os adolescentes vivem a fase de transição conturbada entre a infância e a vida adulta, desenvolvendo seu caráter e personalidade a depender das influências e valores do meio ambiente e exemplos ao seu redor. Logo, infelizmente a criminalidade é encarada de forma mais comum por aquele que convive diariamente no tráfico e na marginalidade. (Friso que o meio não determina o futuro do indivíduo, mas inspira, motiva e persuade seus atos, uma vez que o ser humano por sua natureza é falível e propenso a equívocos, mostrando-se ainda mais intensa a vulnerabilidade na infância e adolescência).

Da mesma forma, justamente por estar o adolescente ainda desenvolvendo seu caráter e personalidade, é imprescindível que o Estado utilize-se desta fase da vida para gerar frutos sociais positivos: quanto mais jovem, maiores são as chances de recuperação e ressocialização.

Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o índice de reincidência no estado de São Paulo foi de 12,8% dos menores que sofreram sanção por medidas socioeducativas em 2010. Já com relação ao sistema penitenciário comum, o então ministro do CNJ Cezar Peluso declarou em 2011 que 70% dos presidiários reincidem no crime, em que pese não haver dados oficiais divulgados.

Conclui-se que ao protestar pela redução da maioridade penal, na prática está-se clamando pelo tratamento e encarceramento do réu em um sistema penitenciário menos eficiente, aumentando drasticamente as chances de sua reincidência no crime. Logo, a crença de que a medida serviria para diminuir a criminalidade está estatisticamente equivocada, eis que os dados sugerem um aumento no percentual de reincidências, majorando o número de crimes e de vítimas inocentes.

A redução da maioridade penal para 16 anos não é medida protetiva e não coibiria o aliciamento dos jovens pelo crime, haja vista que o envolvimento pode se dar (e de fato se dá) muito antes desta idade.

Há registros de que adolescentes entre 12 e 16 anos já são amplamente utilizados pelo tráfico de drogas. Em Porto Alegre, adolescentes entre 12 e 14 anos já representam 11% dos menores apreendidos, conforme consta nos dados estatísticos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Logo, é uma ilusão imaginar que a redução da maioridade penal protegeria os jovens, pois a consequência seria inversa, estimulando ainda mais o envolvimento de crianças e adolescentes mais novos.

Ainda, importante desmistificar a ideia de que a simples prisão do indivíduo leva à diminuição da criminalidade. O Brasil tem aumentado sua taxa de encarceramento (número de presos a cada 100 mil habitantes), sendo que entre 1992 e 2013 este percentual subiu em 317,9% segundo dados do Ministério da Justiça. Entretanto, em que pese a taxa de encarceramento ter aumentado de forma tão significativa, a criminalidade não diminuiu, mas ao contrário: entre 1992 e 2010 o índice de homicídios no Brasil aumentou de 19,1 para 26,2 para cada 100 mil habitantes, ou seja, houve um crescimento de 37,17%, conforme dados divulgados pelo Mapa da Violência 2012.

Novamente, o argumento de que o aumento do encarceramento auxilia na redução da criminalidade também é equivocado, e as estatísticas assim comprovam.

É imprescindível entender que no Brasil são dois os objetivos das penas estatais, conforme artigo 59 do Código Penal: a reprovabilidade do ato, e a prevenção especial, que é a ressocialização do preso a fim de evitar sua reincidência no crime. Logo, para o Estado, a pena não corresponde a vingança pelo ato praticado, mas possui objetivos predeterminados e que transcendem o senso individual de justiça da vítima e simpatizantes.

A decepção, raiva, e sentimento de vingança é absolutamente natural, porém não cabe ao Estado lidar com os problemas dentro de uma visão subjetiva e dependente dos ânimos e entusiasmos de cada caso.

A votação da PEC 171 trata de questões muito amplas e que envolvem diversas áreas, que vão além de qualquer sentimento de injustiça de um caso ou outro. Muitos dos argumentos que estão sendo levantados partem de premissas que não coadunam com o estado democrático de direito, e baseiam-se em supostas verdades que contrastadas com dados reais revelam-se mentiras.

Caso estejamos de fato engajados em lutar por uma sociedade menos criminosa é necessário tirar o olho direito da lupa e analisar todo o contexto histórico, cultural, social e desigual dos nossos tantos Brasis. Como seria bom se com uma única emenda fosse possível corrigir 500 anos de negligência.

Mas não é.

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*Talita Harumi Morita é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados, formada pela Pontifícia Universidade Católica em 2009 e pós-graduada em direito Penal.

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