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Direito de nacionalidade e dupla cidadania

Doutrina distingue duas espécies de nacionalidade: a primária ou originária, resultante do fato natural do nascimento, e a secundária ou adquirida, resultante de vontade própria.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Atualizado em 19 de maio de 2015 17:01

Quem ama aos seus não degenera! Menos ainda quem ama a terra dos seus ascendentes! Assim, pode alguém ter duas nacionalidades, uma de sua terra natal e outra de seus antepassados?

De início há que se entender os conceitos de Estado, país, nação e povo. Estado é o organismo político administrativo decorrente da ocupação por um povo de um território, dirigido por governo próprio, com suas leis e sua soberania, constituindo uma nação politicamente organizada e com reconhecimento internacional. País é o território habitado pelo povo de um Estado, com realidade histórica e geográfica próprias, formadoras de uma nação. Esta é o conjunto de pessoas que habitam o mesmo território, com similitude de hábitos e costumes, ligadas por laços históricos, culturais, linguísticos, raciais, religiosos e econômicos, formando um povo e fazendo parte de um Estado (população é o conjunto de pessoas residentes num território, nacionais ou estrangeiros).

Nacionalidade é termo praticamente sinônimo a cidadania, com significado de vínculo jurídico ligando um indivíduo a um Estado, em razão de local de nascimento, de ascendência ou de naturalização, gerando para o nacional deveres e direitos de caráter jurídico e político. Assim vinculado, integrante da nação e do povo, o indivíduo se torna cidadão, no gozo dos seus direitos políticos e participante da vida do Estado.

Com seu poder soberano, cada Estado legisla com exclusividade sobre a nacionalidade, sem qualquer ingerência estrangeira. A doutrina jurídica distingue duas espécies de nacionalidade: a primária ou originária, resultante do fato natural do nascimento, pelo qual a nacionalidade será conferida segundo critérios territoriais, sanguíneos ou mistos; e a secundária ou adquirida, resultante de vontade própria, após o nascimento e geralmente pela naturalização.

O art. 12 da CF/88 atribui a nacionalidade originária através de dois critérios: ius soli (origem territorial), em regra, pelo qual é brasileiro nato o nascido em nosso território, independentemente da nacionalidade do ascendente; e ius sanguinis (origem sanguínea), pelo qual é nacional o descendente de brasileiro(a), independentemente do local de nascimento, aplicável com requisitos próprios, identificado o ascendente como brasileiro nato ou naturalizado concomitantemente ao nascimento. A nacionalidade adquirida decorre de ato voluntário de naturalização, permitido ao estrangeiro com outra nacionalidade, ou ao apátrida (sem nenhuma), preenchidos requisitos constitucionais e legais, concessão esta facultativa do Poder Executivo.

Pode haver perda da nacionalidade de brasileiro, por aquisição voluntária de outra nacionalidade. Porém, o mesmo art. 12 da CF, por exceção expressamente enunciada em seu Parágrafo 4º, inciso II, letra "a" (alterado pela Emenda Constitucional de Revisão 3, de 7/6/94), admite e reconhece a nacionalidade originária pela lei estrangeira. Nesta hipótese está o cidadão brasileiro que teve reconhecida outra nacionalidade por Estado estrangeiro, em razão do "ius sanguinis", cujo exemplo mais flagrante é o da Itália, que reconhece expressamente ao descendente de seu nacional o direito à cidadania italiana.

Neste caso evidentemente não se trata de naturalização voluntária, e sim mero reconhecimento de nacionalidade originária italiana, por processo administrativo e concessão da autoridade daquele país. Aqui não se há falar em perda da nacionalidade brasileira, e sim em aquisição de outra, a italiana, passando o cidadão nestas condições a ostentar dupla cidadania.

O mesmo ocorre quando da concessão da cidadania italiana ao cônjuge brasileiro de cidadão italiano(a) pelo ius sanguinis (conforme as leis italianas 91/92 e 94/09). É a denominada "naturalização pelo casamento" ou "nacionalidade derivada", pela qual o cônjuge (homem ou mulher) nestas condições adquire automaticamente a cidadania italiana, se se casou até 27/4/83, ou, com casamento após esta data, por processo administrativo junto à autoridade italiana (comprovando residir legalmente na Itália por 6 meses ou fora por 3 anos).

E, a exemplo do que ocorre com o brasileiro descendente direto de nacional italiano, com dupla cidadania, a segunda nacionalidade obtida pelo cônjuge brasileiro se enquadra na exceção expressamente prevista pelo art. 12, § 4º, II, "a" - C.F., no sentido do "reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira". Ou seja: a aquisição da nacionalidade estrangeira pelo cônjuge em tais condições não lhe acarreta a perda da nacionalidade brasileira.

Por relevante, há que se registrar que a perda da nacionalidade brasileira, no exato sentido do mesmo citado dispositivo constitucional, apenas ocorre se o brasileiro "tiver cancelada a sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional" ou se manifestar expressamente e por escrito a sua vontade explícita de renunciar à nacionalidade brasileira!

Assim, em caso de cônjuge brasileiro (de pessoa já com dupla cidadania) requerer e adquirir a cidadania italiana, não se há falar em perda da nacionalidade brasileira, e sim em aquisição de outra nacionalidade, passando também a ostentar dupla cidadania.

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*Reinaldo Federici é advogado associado da Advocacia Hamilton de Oliveira.


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