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Julgamento odioso

Alguns julgadores agem com tanto ódio do acusado, da causa, dos defensores, que ficam cegos e, portanto, incapazes de enxergar qualquer direito.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Atualizado em 15 de julho de 2015 11:01

"Se a história das penas é uma história dos horrores, a história dos julgamentos é uma história de erros." (Luigi Ferrajoli)

"Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem, Cegos que vendo, não veem." (Ensaio sobre a cegueira - José Saramago)

Dizem que o ódio perturba a visão. O julgamento com ódio além de perturbar a visão é odioso. O juiz deve agir livre de qualquer sentimento que lhe possa obstruir a visão e a capacidade de discernir o certo do errado; o bem do mal e o justo do injusto, por fim, de separar o joio do trigo.

Já salientava Rui Barbosa que "quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito".

Lamentavelmente, alguns julgadores, principalmente em processos criminais, agem com tanto ódio do acusado, da causa, dos defensores, que ficam cegos e, portanto, incapazes de enxergar qualquer direito, por mais evidente que seja. Punir, castigar, condenar passa a ser uma obsessão. E, em nome desta estranha e doentia obsessão, esses magistrados se transformam em verdugos travestidos de juízes. No dizer de Rui Barbosa "torturando o réu com severidades inoportunas, ou indecentes; como se todos os acusados não tivessem direito à proteção dos seus juízes, e a lei processual, em todo mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada". Verdugos, ou melhor, juízes que desprezam por completo o sagrado, constitucional e inviolável direito de defesa. Juízes que se confundem com o acusador. Juízes que falam mais à imprensa do que no processo. Juízes que diante das causas de grande repercussão midiática se transformam em superstars. Juízes que censuram publicamente a defesa, bem como aqueles que pensam contrariamente a eles.

Deste modo, a figura do juiz imparcial torna-se inteiramente comprometida. A posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, ensina Geraldo Prado, "sustenta-se na ideia reitora do princípio do juiz natural - garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição - que consiste na combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõe durante o processo".

Daquele julgador do qual já se conhece sua posição ou o seu pensamento em relação a determinado caso penal não se pode esperar imparcialidade (imparcialidade subjetiva). A imparcialidade trata-se, segundo Rubens Casara e Antônio Melchior, de um dos pilares da estrutura judiciária. Na Bíblia, lembram os eminentes processualistas, encontra-se menção à imparcialidade ("justos juízes, sem se inclinarem para uma das partes..." - Deuteronômio, 16, 18-20).

No processo penal democrático comprometido com os valores inerentes à dignidade da pessoa humana o juiz, na perspectiva de um sistema garantista, deve assumir, no dizer de Aury Lopes, uma "função de garantidor, não devendo julgar conforme deseja a maioria e, não podendo, fica inerte diante de violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados ou que brotem dos tratados e convenções firmados pelo Brasil".

Assim, as decisões motivadas por ódio, por sede de vingança ou por influência midiática jamais acolheram os fundamentos justificadores do processo penal democrático, qual seja a garantia das liberdades individuais.

A história dos julgamentos, frisou Ferrajoli, "não é só de erros, mas também de sofrimentos e abusos, todas as vezes em que no processo se fez uso de medidas instrutórias diretamente aflitivas, da tortura até o moderno abuso da prisão preventiva". Acrescenta-se hoje, o abuso e a proliferação da delação ou colaboração premiada. Prisões sendo utilizadas para obtenção de informação, declaração ou confissão, como a tortura que se caracteriza pelo sofrimento físico ou mental.

Na maioria das vezes o ódio que conduz o julgador se manifesta na vingança que, por sua vez, encontra abrigo na sanha punitiva.

O juiz criminal, dizia Roberto Lyra, "apaga ou acende a lâmpada do destino, atribui a graça ou a desgraça", por tudo, e por isso, é preciso substituir o ódio pelo amor para ver o que realmente deve ser visto.

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Dedico este artigo a Dora Cavalcanti, advogada ética, combativa e comprometida com os princípios constitucionais que norteiam a defesa.

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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e professor de Direito Penal da PUC-Minas.

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