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A MP 685, o DEPLAT e a bênção da Receita Federal

Podemos dispensar a bola de cristal para saber que o Judiciário será bastante questionado sobre a legalidade e constitucionalidade dessa norma.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Atualizado em 31 de julho de 2015 11:16

Em tempos de crise, escândalos e descrédito majoritário do Governo Federal, os investimentos estão fugindo das fronteiras nacionais e o desaparecimento do dinheiro tem causado reações desastrosas como a alta dos juros e o aumento da inflação. Até aí, nenhuma novidade.

A surpresa vem com as soluções mirabolantes, como coelhos saindo da cartola, que surgem para tapar o buraco aberto, numa reconhecida missão Robin Hood, que, na prática, objetiva apenas devolver para os cofres aquilo que, em tese, se perdeu.

Esse é o retrato da MP 685 e a sua DEPLAT - Declaração de Planejamento Tributário. As regras de compliance e transparência que afirmam ser a base da novel medida foram tortamente aplicadas, pois, aqui, não há diálogo e, sim uma confissão do que, para a Receita Federal, normalmente, é um pecado capital.

Em linhas gerais, a MP 685 impôs ao contribuinte a obrigatoriedade de declarar, até 30 de setembro de cada ano, qualquer operação e negócio jurídico realizados no ano-calendário anterior, que impliquem em economia tributária se, na visão do Fisco, a operação (a) não possuir propósito negocial; (b) incorrer em abuso de direito; (c) se valer de negócios jurídicos indiretos ou, ainda, (d) estiver especificada pela Receita Federal do Brasil como medida non grata.

O perigo da MP 685 está, justamente, nas palavras não ditas e na possibilidade de a Receita Federal dizê-las da maneira que lhe for conveniente, pois, os conceitos e a indicação do certo e do errado será uma atividade privativa de quem arrecada, sem a possibilidade de defesa daquele que paga a conta, que será obrigado a acatar qualquer decisão, seja ela qual for.

Além disso, a DEPLAT poderá ser considerada ineficaz se apresentada por quem não for o sujeito passivo do tributo economizado, se for omissa quanto a dados essenciais para compreensão da operação, envolver hipótese de falsidade ou interposição fraudulenta de pessoas.

Trocando em miúdos, a Receita Federal não só indicará o que é planejamento tributário não elisivo, como também poderá, livremente, dizer se o contribuinte exerceu corretamente a sua obrigação de informar as operações efetuadas.

A apresentação da DEPLAT é obrigação do contribuinte que, se não cumprida ou cumprida de forma deficiente caracterizará omissão dolosa com intuito de sonegação ou fraude e acarretará a cobrança dos tributos devidos acrescidos de juros de mora e de multa no percentual de até 150% do valor tido como devido.

Uma pena alta, grave e arbitrária, pois ao contribuinte não será permitido defender-se, numa evidente burla às garantias do contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente previstas.

A única maneira de fugir do risco de ser penalizado é pedindo a benção da Receita Federal antes de operacionalizar o planejamento tributário. Nessa hipótese, o relato da operação será recebido como consulta à legislação tributária e, assim, se não for acatada, o contribuinte ficará a ela vinculado para todo o sempre, amém.

Podemos dispensar a bola de cristal para saber que o Judiciário será bastante questionado sobre a legalidade e constitucionalidade dessa norma, que tinha tudo para servir de exemplo, ser um marco de transparência e cooperação entre o Fisco e os Contribuintes, mas, lamentavelmente, por um fio de descompasso, materializou-se numa imposição desmedida.

Desmedida porque obriga, penaliza e decide sem oportunidade de defesa, transformando a Receita Federal num órgão dotado de poder absoluto, criador das regras e dos conceitos que ele mesmo aplicará, num julgamento definitivo que, como se sabe, dificilmente será imparcial.

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*Dóris de Souza Castelo Branco é advogada de Martorelli Advogados.

 

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